terça-feira, 19 de novembro de 2013

MÉNAGE À TROIS, de Tristan Bernard






Todo mundo conhece aquela fábula de La Fontaine, em que um ancião em seu leito de morte aconselha aos seus familiares que se mantenham unidos, se quiserem progredir na vida. E a quem melhor poder-se-ia dirigir essa recomendação do que a dois irmãos siameses, os quais, enquanto se acharem unidos, poderiam ganhar até cento e cinquenta francos em um dia, ao passo que, se se separarem, ganhariam apenas três francos diários, subscritando envelopes? 

Eu conheci em Londres dois destes gêmeos ligados, chamados comumente de irmãos siameses e denominados cientificamente de xifópagos. 

EduardoEdmundo possuíam uma fortuna bastante considerável, que os dispensava de exibir-se como fenômenos. Eduardo havia nascido em Manchester, há vinte e cinco anos. Edmundo havia nascido igualmente em Manchester, pela mesma época. Na adolescência se pareciam de uma forma extraordinária. A ponto de várias pessoas, confundindo a sua direita com a sua esquerda, não conseguirem distinguir um do outro. 

No entanto, manifestaram-se neles, com a idade, diferenças morais de grande profundidade. Eduardo tinha gostos serenos e amor aos estudos; Edmundo, instintos plebeus. Esse ultimo só se divertia na companhia dos devassos, dos vadios, dos beberrões. O desventurado Eduardo, com seu livro de estudo na mão, via-se na contingência de seguir Edmundo pelas tabernas e bordéis. E quando voltavam, com o rosto vermelho de vergonha, via-se forçado a ziguezaguear com ele, para não romper a membrana. 

Eduardo chegou a ser um famoso erudito. Mas não pode ser por muito tempo convidado para os banquetes das corporações cientificas, onde o famigerado Edmundo, mal se servia da sopa, começava logo a contar histórias obscenas que as pessoas decentes reservam de ordinário para depois do café. 

O ano passado, Eduardo pediu em casamento a mão de uma bela e rica donzela, sendo a cerimônia celebrada com grande pompa e circunstancia. Não houve alternativa senão convidar Edmundo que, alias, se portou admiravelmente bem durante todo o ato. Parecia-lhe que sua cunhada lhe inspirava certo respeito. No cortejo nupcial, a mulher de Eduardo, este e Edmundo, iam, os três, na frente, em meio à admiração geral. Na noite de núpcias, Edmundo portou-se, ainda, com grande correção. Dormira primeiro e, na manhã seguinte, fingiu acordar-se mais tarde do que os outros. Durante a lua-de-mel do seu irmão, entregou-se menos à bebida, cuidou da sua linguagem e vestiu-se com decência, posto que tivesse de sair com uma senhora. 

A jovem - já disse, por acaso, que ela se chamava Cecília? -, a jovem exercia sobre Edmundo uma grande influência. Ao cabo de algum tempo, aconteceu o que acontece toda vez que um solteiro penetra em um lar. Estabeleceram-se relações entre Cecília e o malvado Edmundo. 

Durante seis meses, Eduardo não desconfiou de dada. Tudo, no entanto, acabou por saber-se. Eduardo encontrou cartas em uma gaveta mal fechada, e apurou de maneira irrespondível que sua mulher e seu irmão traíam-no diariamente. 

Que fazer numa situação como esta? Bater-se em duelo com Edmundo não seria permitido pelos costumes ingleses. Temia também os comentários irônicos das testemunhas. 

O duelo a pistola, a dez metros de distância, não seria nada fácil, sucedendo o mesmo com o duelo a espada, tendo em vista a habitual proibição do corpo a corpo. 

Além disso, que aconteceria se matasse o seu irmão? Poderia continuar a existência comum com sua mulher? E depois, sempre aquele cadáver entre ambos!... 

Resolveu chamar Cecília e disse a ela: 

- A partir de hoje, não profanarás mais nosso domicilio conjugal. Vai-te embora! 

- Está bem! - concordou ela. 

- Está bem! - secundou Edmundo. - Mas eu a acompanho. 

O marido viu-se obrigado a segui-los. 

Edmundo instalou Cecília em um primeiro andar muito confortável. E como tudo acaba por se regularizar entre xifópagos, viveram lá os três, muito felizes. 



(Ilustração: autor desconhecido - Chang and Eng Bunker - c. 1836)


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