domingo, 17 de fevereiro de 2013
A ARTE DE VANGUARDA CENTRO-EUROPEIA DA ERA DOS CATACLISMOS, de Eric Hobsbawm
A Bauhaus - como mostram seus problemas com políticos hostis a ela - foi considerada profundamente subversiva. E na verdade algum tipo de compromisso político domina as arte "sérias" na Era da Catástrofe. Na década de 1930, chegou até a Grã-Bretanha, ainda um porto seguro de estabilidade social e política em meio à revolução europeia, e aos EUA, distantes da guerra mas não da Grande Depressão. Esse compromisso político não era de modo algum apenas da esquerda, embora os amantes radicais de arte achassem difícil, sobretudo quando jovens, aceitar que gênio criador e opiniões progressistas não andassem juntos. Contudo, especialmente na literatura, opiniões profundamente reacionárias, às vezes traduzidas em práticas fascistas, eram bastante comuns na Europa Ocidental. Os poetas T. S. Eliot e Ezra Pound na Grã-Bretanha e no exílio; William Butler Yeats (1865-1939) na Irlanda. o romancista Knut Hamsun (1859-1952) na Noruega, um apaixonado colaborador dos nazistas; D. H. Lawrence na Grã-Bretanha e Louis Ferdinand Céline na França (!884-1961) são exemplos óbvios. Os brilhantes talentos dos emigrados russos não podem, claro, ser automaticamente classificados como "reacionários", embora alguns deles o fossem, ou assim se tornassem; pois a recusa a aceitar o bolchevismo unia emigrados de opiniões políticas largamente diferentes.
Apesar disso, provavelmente seria seguro dizer que no ambiente da guerra mundial e da Revolução do Outubro, e mais ainda na era de antifascismo das décadas de 1930 e 1940, foi a esquerda, muitas vezes a esquerda revolucionária, que basicamente atraiu a vanguarda. Na verdade, guerra e revolução politizaram vários movimentos de vanguarda não políticos antes da guerra na França e na Rússia. (A maior parte da vanguarda russa, porém, não mostrou qualquer entusiasmo inicial pelo movimento de Outubro.) Como a influência de Lenin trouxe o marxismo de volta ao mundo ocidental, também assegurou a conversão das vanguardas ao que os nacional-socialistas, não incorretamente, chamavam de "bolchevismo cultural" (Kulturbolchewismus). O dadaísmo era a favor da revolução. Seu sucessor, o surrealismo, só tinha problemas para decidir que tipo de revolução, a maioria da seita preferindo Trotski a Stalin. O Eixo Moscou-Berlim, que influenciou tão grande parte da cultura, baseava-se em simpatias comuns. Mies van der Rohe construiu um monumento aos líderes espartaquistas assassinados Karl Liebknecht e Rosa Luxemburgo para o Partido Comunista alemão. Gropius, Bruno Taut (1880-1938), Le Corbusier, Hannes Mayer e toda a "Brigada Bauhaus" aceitaram encomendas soviéticas - verdade que numa época em que a Grande Depressão tornava a URSS não apenas ideológica, mas também profissionalmente atraente para os arquitetos ocidentais. Mesmo o cinema alemão, em essência não muito político, foi radicalizado, como atesta o maravilhoso diretor G. W. Pabst (1885-1967), um homem mais interessado em apresentar mulheres que assuntos públicos, e mais tarde bastante disposto a trabalhar sob os nazistas. Contudo, nos últimos anos de Weimar foi autor de alguns filmes mais radicais, incluindo A ópera dos três vinténs, de Brecht-Weill.
A tragédia dos artistas modernistas, de esquerda ou direita, foi que o compromisso político muito mais efetivo de seus próprios movimentos de massas e de seus próprios governantes - para não falar de seus adversários - os rejeitaram. Com a parcial exceção do fascismo italiano influenciado pelo futurismo, os novos regimes autoritários da direita e da esquerda preferiam prédios e vistas monumentais anacrônicos e gigantescos, representações edificantes na pintura e na escultura, elaboradas interpretações dos clássicos no palco e ideologia aceitável em literatura. Hitler, claro, era um pintor frustrado que acabou encontrando um jovem arquiteto competente para realizar suas concepções gigantescas, Albert Speer. Contudo, nem Mussolini, nem Stalin, nem o general Franco, os quais inspiraram todos seus próprios dinossauros arquitetônicos, começaram a vida com tais ambições pessoais. Nem a vanguarda alemã, nem a russa, portanto, sobreviveram à ascensão de Hitler e Stalin, e os dois países, na ponta de tudo que era avançado e reconhecido nas artes da década de 1920, quase desapareceram do panorama cultural.
Retrospectivamente, podemos perceber melhor que os contemporâneos o desastre cultural que o triunfo de Hitler e Stalin se revelou, ou seja, como as artes de vanguarda tinham raízes no solo revolucionário da Europa Central e Oriental. O melhor vinho das artes parecia dar nas encostas raiadas de lava dos vulcões. Não era apenas que as autoridade culturais de regimes politicamente revolucionários davam mais reconhecimento oficial, isto é, patrocínio, aos revolucionários artísticos que os conservadores que eles substituíram, mesmo que suas autoridade políticas não mostrassem entusiasmo. Anatol Lunacharsky, o "Comissário para Esclarecimento", estimulava a vanguarda, embora o gosto de Lenin em arte fosse bastante convencional. O governo social-democrata da Prússia, antes de ser expulso do cargo em 1933 (sem resistência) pelas autoridades do Reich alemão, mais de direita, encorajou o maestro radical Otto Klemperer a transformar um dos teatros de ópera de Berlim numa vitrine de tudo que era avançado em música entre 1928 e 1931. Contudo, de uma maneira indefinível, também parece que as épocas de cataclismo aumentaram as sensibilidades, aguçaram as paixões dos que as viveram, na Europa Central e Oriental. A visão deles era dura, sem alegria, e a própria dureza e o senso trágico que a infundiam eram o que às vezes dava a talentos não especialmente destacados uma amarga eloquência denunciatória, por exemplo, B. Traven, um insignificante emigrante boêmio anarquista antes ligado à breve República Soviética de Munique de 1919, que passou a escrever sobre marinheiros e o México (O tesouro de sierra Madre, de Huston e com Bogart, baseou-se nele). Sem isso, ele teria continuado em merecida obscuridade. Quando um artista desses perdia o senso de que o mundo era intolerável, como fez o selvagem satirista alemão George Grosz ao emigrar para os EUA após 1933, restava-lhe apenas sentimentalismo tecnicamente competente.
A arte de vanguarda centro-europeia da era dos cataclismos raramente expressou esperança, embora seus membros politicamente revolucionários estivessem comprometidos com uma visão positiva do futuro, por convicções ideológicas. Suas mais vigorosas realizações, a maioria datando dos anos anteriores à supremacia de Hitler e Stalin - "Não posso pensar no que dizer sobre Hitler", * brincava o grande satirista austríaco Karl Kraus, que a Primeira Guerra Mundial deixara tudo menos mudo (Kraus, 1922) -, brotaram do apocalipse e da tragédia : a ópera Wozzek de Alban Berg (apresentada pela primeira vez em 1926); A ópera dos três vinténs (1928) e Mahagonny (1931), Brecht e Weill; Die Massnahme (1930), de Brecht-Eisler; os contos da Cavalaria vermelha (1926), de Isaac Babel; o filme Encouraçado Potemkim (1925), de Eisenstein; ou Berlin-Alexanderplatz (1929), de Alfred Döblin. Quanto ao colapso do império habsburgo, produziu uma extraordinária explosão de literatura, que foi da denúncia de Os últimos dias da humanidade (1922), de Karl Kraus, passando pela ambígua bufoneria de O bravo soldado Schwejk (1921), até a melancólica lamentação de Radetskymarsch (1932), de Joseph Roth, e a interminável autorreflexão de O homem sem qualidade (1930), de Robert Musil. Nenhum conjunto de acontecimentos políticos do século XX teve um impacto tão profundo sobre a imaginação criadora, embora à sua maneira a revolução e a guerra civil irlandesas (1916-22), com O'Casey, e de um modo mais simbólico a Revolução Mexicana (1910-23), com seus muralistas - mas não a Revolução Russa -, tivessem influenciado as artes em seus respectivos países. Um império destinado a cair como metáfora de uma elite cultural ocidental minada e em desmoronamento ela própria: essas imagens há muito rondavam os escuros desvãos da imaginação centro-europeia. O fim da ordem encontrou expressão nas Elegias de Duíno (1913-23), do grande poeta Rainer Maria Rilke (1875-1926). Outro escritor de Praga, de língua alemã, apresentou um sentido ainda mais absoluto da incompreensibilidade da situação humana, individual e coletiva: Franz Kafka (1883-1924), cuja obra foi quase toda publicada postumamente.
Essa, pois foi a arte criada
nos dias em que o mundo desabava
nas horas em que fugiam as fundações da Terra
para citar o intelectual clássico e poeta A. E. Housman, que estava longe da vanguarda (Housman, 1988, p. 138). Essa era uma arte com a visão do "anjo da história", que o marxista judeu alemão Walter Benjamin (1892-1940) dizia reconhecer no quadro Angelus novus, de Paul Klee:
O rosto volta-se para o passado. Onde vemos uma cadeia de acontecimentos à nossa frente, ele vê uma única catástrofe, que prossegue amontoando detritos sobre ruínas até chegarem a seus pés. Se ao menos ele pudesse ficar para acordar os mortos e juntar os fragmento do que se quebrou! Mas sopra uma tempestade dos lados do Paraíso, batendo em suas asas com tal força que o Anjo não mais pode fechá-las. Essa tempestade o leva irresistivelmente para o futuro, para o qual dá as costas, enquanto o mente de detritos a seus pés chega aos céus. Essa tempestade é o que chamamos de progresso. (Benjamin, 1971, pp. 84-5).
(*) "Mir fäll zu Hitler nichts ein." Isso não impediu Kraus, após um longo silêncio, de escrever uma cem páginas sobre o assunto, que no entanto ultrapassou sua compreensão.
(Era dos Extremos - o breve século XX, 1914-1991 - tradução de Marcos Santarrita)
(Ilustração: Paul Klee - angelus novus)
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