sexta-feira, 22 de julho de 2011

DOS JUÍZES JUSTA E PROPRIAMENTE INDICADOS PARA O JULGAMENTO DAS BRUXAS, de Heinrich Kramer e James Spengler






Pois para que uma pessoa seja corretamente julgada como herege há de preencher cinco condições. Primeiro, há de estar em erro de julgamento ou de raciocínio. Segundo, o erro há de tratar de assuntos pertinentes à fé, seja contrário ao ensinamento da Igreja como a fé verdadeira, ou contrário à sã moralidade e, portanto, não conduzindo a alma do indivíduo à vida eterna. Terceiro, o erro há de encontrar-se naquele que professou a fé Católica, caso contrário seria um judeu ou pagão, e não um herege. Quarto, o erro há de ser de tal natureza que aquele que o defenda ainda preserve alguma da verdade no Cristo, no que tange à Sua Majestade ou à Sua Humanidade; porque se um homem nega inteiramente a fé, é na verdade um apóstata. Quinto, há de ser pertinaz e obstinado na defesa de seu erro. Pois que esse é o sentido do Cânon onde trata da heresia e dos hereges é provado da seguinte maneira (não com o pretexto de refutação, mas com o de consubstanciar a glosa dos Canonistas).

É de todos consabido, através do conhecimento comum, que o primeiro erro essencial do herege é o do entendimento; mas duas são as condições necessárias antes de chamar-se uma pessoa de herege. A primeira é material, ou seja, deverá ter ocorrido um erro de raciocínio; a segunda é formal, ou seja, o intelecto deverá revelar obstinação. S. Agostinho mostra isso ao declarar: “Herege é o que ora dá origem a novas opiniões, ora as segue”.

Pode-se também provar pelo seguinte raciocínio: a heresia é uma forma de infidelidade, e a infidelidade existe subjetivamente no intelecto, de tal forma que o homem acredita em algo absolutamente contrário à fé verdadeira.

Sendo assim, qualquer que seja o crime cometido por algum homem, se tiver agido sem erro de entendimento não será considerado hejege. Se o homem cometer fornicação ou adultério, por exemplo, não obstante esteja a desobedecer ao mandamento Não cometerás adultério, não é herege, salvo se sustentar a opinião de que é lícito cometer adultério. A questão pode ser colocada da seguinte forma: quando a natureza de uma determinada coisa é tal que as duas partes constituintes são necessárias para a sua existência, se estiver faltando uma das partes a coisa em si não poderá existir; pois se pudesse, não seria verdade que aquela parte se faz necessária para a sua existência. Porque para a constituição de uma casa é necessário que se faça a fundação, que se ergam as paredes e que se construa o teto; se uma dessas partes estiver faltando, não se terá uma casa. De forma análoga, como o erro no entendimento é condição necessária para a heresia, qualquer ato feito inteiramente sem a presença dessa espécie de erro não tornará um homem herege.

Portanto, nós, Inquisidores da Germânia, concordamos com S. Antonino ao tratar dessa matéria na segunda parte de sua Summa; lá declara que batizar imagens, adorar demônios, sacrificar-se por eles, pisar no Corpo de Cristo, e todos os demais crimes semelhantes e horrendos não tornam um homem um herege, salvo se houver erro em seu entendimento. Portanto, não é herege aquele que, por exemplo, batiza imagens, desde que não professe nenhuma crença errônea a respeito do Sacramento do Batismo ou de seu efeito, nem que julgue que o batismo da imagem possa ter qualquer efeito por virtude própria; e que assim procedem para que possam obter com maior facilidade a satisfação de algum desejo pelo demônio, a quem, dessa forma, procuram agradar, agindo quer por pacto implícito ou explícito de que o demônio atenderá ao pedido, próprio ou de alguma outra pessoa. Dessa forma, os homens que, mediante pacto implícito ou expresso, invocam os demônio com sinais ou figuras cabalísticas de acordo com as regras da magia para alcançar os seus desejos não são necessariamente hereges. Mas não poderm solicitar ao demônio qualquer coisa que esteja além dos poderes ou do conhecimento diabólicos, revelando um falso entendimento de seus poderes e de seu conhecimento. Seria esse o caso de quem acreditasse ser o demônio capaz de coagir o livre-arbítrio do homem. Que por causa do pacto firmado o diabo fosse capaz de realizar qualquer coisa desejada, não obstante proibida por Deus; ou que o demônio fosse capaz de conhecer todo o futuro; ou que fosse capaz de realizar o que só Deus pode fazer. Pois não há dúvida que os homens que sustentam essas crenças apresentam um erro em seu entendimento; e portanto, presentes as demais condições necessárias para a heresia, seriam hereges e estariam sujeitos imediatamente ao Ordinário e à Corte Inquisitorial.




(Malleus Maleficarum – O Martelo das Feiticeiras, 1489; tradução de Paulo Froes)



(Ilustração: Goya - o grande inquisidor)



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