domingo, 3 de janeiro de 2010

O DOGMA DO INFERNO, de Marquês de Sade







Ó, meus amigos! eu lhes pergunto: um homem cheio de bondade plantaria em seu jardim uma árvore que fosse produzir frutos deliciosos, mas envenenados, e se contentaria em impedir seus filhos de comer deles, dizendo-lhes que morreriam se ousassem tocá-los? Se sabia que havia uma tal árvore em seu jardim, esse homem prudente e sábio não demonstraria ser mais atencioso derrubando-a, sobretudo sabendo bastante bem que, sem essa precaução, seus filhos não deixariam de perecer comendo de seu fruto, nem de arrastar sua posteridade à miséria? Entretanto, Deus sabe que o homem vai por a perder a si e à sua raça se comer do fruto, e não apenas coloca nele o poder de ceder, mas leva a malícia ao ponto de lhe fazer seduzir. Ele sucumbe e está perdido; faz aquilo que Deus permite que faça, o que Deus o anima a fazer, e ei-lo eternamente infeliz. Não há nada no mundo mais absurdo e cruel! Sem dúvida, e eu repito, não pegaria da pena para combater um tal absurdo se o dogma do inferno, de que desejo aniquilar a vossos olhos o mais ligeiro traço, não fosse sua horrenda consequência.




(Histoire de Juliette, tradução de Dirceu Villa)



(Ilustração: Gustave Doré - inferno)




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