terça-feira, 1 de julho de 2025
A CILADA DO MACACO, de Ishmael Beah
Era noite e estávamos sentados ao redor do fogo com os braços esticados na direção das chamas, ouvindo histórias e olhando a lua e as estrelas se recolhendo. O carvão incandescente da fogueira iluminava nossos rostos na escuridão e fiapos de fumaça subiam continuamente ao céu. Pa Sesay, um dos amigos do meu avô, contou muitas histórias para nós naquela noite, mas, antes que ele iniciasse a última história, disse repetidamente:
“Esta é uma história muito importante.” Ele então limpou a garganta e começou:
“Era uma vez um caçador que entrou nos arbustos para matar um macaco. Ele estava procurando fazia poucos minutos quando viu o macaco sentado confortavelmente num galho de uma árvore baixa. O macaco não lhe deu a menor atenção, nem mesmo quando os passos do homem sobre as folhas secas subiam e desciam, se aproximando. Quando estava bem perto do macaco, atrás de uma árvore de onde conseguia ver o bicho claramente, ele levantou o rifle e apontou. Justo quando estava para apertar o gatilho, o macaco falou: ‘Se você atirar em mim, sua mãe vai morrer, e, se você não atirar, seu pai vai morrer’. O macaco voltou ao que estava fazendo antes, mastigando comida e de vez em quando coçando a cabeça ou um lado da barriga.
“O que vocês iam fazer se vocês fossem o caçador?”
Essa história era contada uma vez por ano aos jovens da minha aldeia. O contador de histórias, geralmente um ancião, apresentava essa questão irrespondível ao final da história, na presença dos pais das crianças. Toda criança presente na reunião tinha que responder a pergunta, mas nenhuma criança jamais a respondia, pois tanto suas mães quanto seus pais estavam presentes. Nem o contador de histórias oferecia uma resposta. Durante cada reunião dessas, quando chegava minha vez de responder, eu sempre dizia ao contador de histórias que eu teria que pensar direito sobre aquilo, o que, é claro, não era lá uma resposta muito satisfatória.
Depois desses eventos, meus colegas e eu — todas as crianças entre seis e doze anos — sugeríamos diversas respostas possíveis que pudessem evitar a morte de um dos nossos pais. Não havia resposta correta. Se você poupasse o macaco, alguém ia morrer, e se você não o poupasse, alguém ia morrer do mesmo jeito.
Naquela noite chegamos a uma resposta, mas ela foi imediatamente rejeitada. Dissemos ao Pa Sesay que, se um de nós fosse o caçador, não teríamos saído para caçar macacos. Falamos para ele: “Há outros animais, como os veados, para caçar”.
“Essa não é uma resposta aceitável”, ele disse. “Estamos supondo que você, como caçador, já levantou sua arma e tem que tomar uma decisão.” Ele quebrou sua noz de kola ao meio e sorriu antes de enfiar um pedaço na boca.
Quando eu tinha sete anos, cheguei a uma resposta para aquela pergunta que fez sentido para mim. Porém, nunca a discuti com ninguém, por medo de como minha mãe se sentiria. Concluí que, se eu fosse o caçador, atiraria no macaco, para que ele nunca mais tivesse a oportunidade de pôr outros caçadores na mesma cilada.
(Muito longe de casa: memórias de um menino-soldado; tradução de Cecília Giannetti)
(Ilustração: David Teniers, o Jovem, século XVII, Singerie com cachimbo)
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