quinta-feira, 27 de março de 2025
COM OS GOLFINHOS, de Mario Benedetti
María Eugenia: Acho que você vai entender por que não começo esta carta com “querida mamãe”, como eu fazia na distância das minhas antigas férias. A esta altura, nós duas sabemos (você sempre soube; eu, há apenas três anos) que você não é minha mãe, assim como Pedro Luis também não era meu pai. Agora que ele está morto, me dá um pouco de pena saber que você ficou irremediavelmente sozinha. Mas tenho muito mais pena dos meus pais verdadeiros. Sei de fonte segura, como você, que eles foram jogados de um avião no mar, e que foram jogados vivos. Agora é quase impossível provar se isso é verdade ou mentira, mas tendo a achar que é verdade, pois a comprovada sanha dos amigos de Pedro Luis, embora ainda nos impressione e nos repugne, foi uma coisa bem real.
No ano em que cheguei à casa dos meus avós, vez por outra eu ainda sonhava com você e com ele e não podia evitar uma última onda de carinho. Na época eu não sabia de toda a verdade. Mas agora, quando Pedro Luis aparece nos meus sonhos, acordo completamente enojada e quase sempre tenho que correr para vomitar no banheiro. Com você é um pouco diferente, pois de certo modo também foi vítima: lhe meteram nesse escárnio sem nem se darem ao trabalho de pedir seu consentimento.
Agora, reconstruindo nossos ambíguos 15 anos de vida em comum, lembro o estranho olhar que em certas ocasiões (cada vez menos frequentes) você me dirigia; um olhar que então só me causava estranheza, mas que agora posso (ou talvez queira) imaginar que queria dizer: “usurpei o lugar de outra”, ou “acho que ela gosta de mim, mas não mereço”, ou “qualquer dia vão tirar ela de mim”. Era isso? Por outro lado, tenho a impressão de que minha inesperada presença não só não contribuiu para a união de vocês como casal, mas, pelo contrário, causou uma deterioração irremediável, já que, para o nosso peculiar estilo de vida em Mendoza, um divórcio ou uma simples separação era algo no mínimo inconveniente, que os companheiros de armas de Pedro Luis jamais permitiriam. Mas como vocês podiam conviver com um passado tão infame? Como podiam se deitar e fazer amor (ou será que nem faziam?) sabendo que dos dois lados da cama apareciam e os olhavam os fantasmas dos meus verdadeiros pais?
Como é que a vida cotidiana pode continuar normalmente, sabendo que se baseia numa ação ignóbil?
Meus avós me amam, me mimam, me falam dos meus pais, tentam criar em mim um novo estímulo para viver, mas nos meus 18 anos atuais confesso que minha vida está destruída e nas minhas noites há outra fantasia recorrente em que eu também me jogo no mar. Por quê? Para quê? Para me unir a meus pais, ora. No sonho eles me recebem, muito juntos, de braços abertos, rodeados por golfinhos solidários que também se juntam ao festejo. E quando enfim acordo, ainda permanece em mim a sensação de ternura mais nítida de toda minha existência.
Tenho na minha mesa-de-cabeceira a foto dos meus pais e sei que venho deles e de mais ninguém. As adulações de Pedro Luis sempre me pareceram pura hipocrisia, e se as guardo na memória é para repelir todas elas. Sinto, ao contrário, que tuas demonstrações de carinho eram sinceras e eu as conservo como uma coisa positiva em meio a uma imensa fraude. Quem sabe um dia eu consiga reunir forças para voltar a te ver, mas por enquanto não. Ainda estou cheia de rancores e rancorezinhos. Depois de todas as comunhões, missas e homilias a que você me levou, não fiquei apenas sem pais, mas também sem Deus. Gostaria de saber o que você dizia ao seu confessor. E principalmente o que ele lhe dizia. Apossar-se de uma filha de pais desaparecidos e/ou assassinados por tua gente é pecado mortal ou venial? Com 15 pais-nossos e sete ave-marias a ficha fica limpa? Não posso rezar para um Senhor cujos representantes acobertavam cristãmente os carrascos. Agora compreendo o apelo rebelde do Cristo crucificado: “Pai, por que me abandonaste?” Ele, pelo menos, dizem que ressuscitou, mas meus pais afogados não voltaram. No melhor dos casos, não estão rodeados de apóstolos, mas de golfinhos. Talvez Deus, se existe algum, não more lá no Altíssimo, mas no fundo do mais profundo dos mares. E lá onde está, ignore tudo, embora de vez em quando abra suas brânquias e distribua bênçãos. Não descarto que uma noite dessas, eu, que não sei nadar, afinal me decida e mergulhe para buscá-lo, assim mesmo, sem boias, mas com a mochila cheia de recriminações. E mais nada. Tchau, PAULINA.
(Correio do tempo; tradução de Rubia Prates Goldoni)
(Ilustração: Carlos Terribili - ¡Basta!: obra que recuerda a las Madres de Plaza de Mayo)
Assinar:
Postar comentários (Atom)
Nenhum comentário:
Postar um comentário