segunda-feira, 20 de janeiro de 2025

ATÉ QUANDO HAVERÁ PÁTIOS? (1/2/1960), de Maura Lopes Cançado

 


Fizeram muros altos, cinzentos — esconderam a terra.

Mas o quadrado azul está presente Sempre.

Escrevi isto e saiu publicado no Suplemento Literário do Jornal do Brasil. É o começo de um poema. Neste hospital os muros não são cinzentos, brancos. O poema foi escrito quando estive internada no IP. O quadrado azul é tão remoto que se perde — o espetáculo dificilmente nos deixa ver o céu. A realidade é o pátio.

Fui hoje ao pátio com Isabel. Não creio que a descrição do inferno, na Divina comédia de Dante, possa superá-lo. Ocorreu-me, quando estava lá, pensar na tranquilidade dos cemitérios. A toda família é tolerável e às vezes confortador visitar o túmulo de um parente. Mas é proibido entrar no pátio de um hospício. Nenhuma família resistiria, estou certa.

Metade descoberto, a outra metade é um galpão. Um banco frio de pedra vai de ponta a ponta. Junto à parede, que contém várias inscrições. Parecem ser de dona Auda.

“Hospício + Bidu Sayão + Cemitério + Auda G. A. + Cemitério +

Hospício + + + + +”

Ao lado o sanitário imundo. O rádio ligado bem alto só transmite músicas. A sensação que se tem é esquisitíssima. E não poderei descrever bem o quadro nem minha emoção. O cinema captaria exatamente. Algumas mulheres se conservam imóveis, absurdas, fantásticas, sentadas no banco ou no chão de cimento. Mudas, incomunicáveis, olhando nada aparentemente, talvez percebendo em excesso. “Quantos mundos visitei?” — já disse também isso num poema. Uma pretinha esquisita e suja dança — perfeita, no ritmo violento do jazz. Outras tentam acompanhá-la. Mulheres tristes, deitadas sem decoro. Uma velha blasfema. Outra: “Descobri o segredo da Bomba Atômica. Por isto me prenderam aqui. Deixem-me sair”. O pátio de mulheres. Algumas andam, outras permanecem imóveis. Qual o segredo de passar a vida, em luta ou renúncia? — renunciar a quê? Lutar por quê? Se para todas as portas estão trancadas — os muros altos de nem claramente. “Meu Deus!” (Alguém deve gritar.) Às vezes uma voz supera as outras: pragas, maldições e revolta: “Por quem sois, levaime” (para onde? como? a quem?). Das sete da manhã às seis da tarde o pátio existe, sufoca, mata, oprime. Um dia. Tempo. Que tempo? Que horas são? Coisas guardadas ou dadas de presente. Ou arrancadas em parto doloroso.

— Quem me roubou o direito de provar que sofro?

Respondo:

— O pátio.

— Que vivo?

— O pátio.

— Que quero?

— O pátio.

— Quem me ouviria?

— O pátio.

— Quem não me ouviria?

— O pátio.

— Quem sabe?

— O pátio.

— Quem não sabe?

— O pátio.

.

Não continuarei. Sairei louca gritando. Até quando haverá pátios? Mulheres nuas, mulheres vestidas — mulheres. Estando no pátio não faz diferença. Mas esta mulher, rasgada, muda, estranha, um dia teria sido beijada. Talvez um bebê lhe sorrisse e ela o tomasse no colo, por que não? Não aceito nem compreendo a loucura. Parece-me que toda a humanidade é responsável pela doença mental de cada indivíduo. Só a humanidade toda evitaria a loucura de cada um. Que fazer para que todos lutem contra isto? Não acho que os médicos devam conservar ocultos os pátios dos hospícios. Opto pelo contrário; só assim as pessoas conheceriam a realidade, lutando contra ela. ENTRADA FRANCA AOS VISITANTES: não terá você, com seu indiferentismo, egoísmo, colaborado para isto? Ou você, na sua intransigência? Ou na sua maldade mesmo? Sim, diria alguém, se pudesse: recusaram-me emprego por eu ter estado antes internado num hospício. Sabe, ilustre visitante, o que representa para nós uma rejeição? Posso dizer: representa um ou mais passos para o pátio. — Eu quis, mas não posso viver junto deles. Que fazer? Odeio-os então por isto. Trancar-me — voltar para o pátio, onde não serei recusada. Fugir. Fuga na loucura.

Estou desesperada. Sempre fico assim quando vou lá. Tenho medo. Não frequento o pátio, e sempre que estou aqui gozo de regalias que as outras nem ao menos conhecem. Mas até quando vai durar isto? Até quando estarei livre do pátio?


(Hospício é deus)



(Ilustração: Francisco de Goya - the madhouse)

Nenhum comentário:

Postar um comentário