sábado, 30 de dezembro de 2023
HOMEM SOLTEIRO, RAIVOSO, HÉTERO... PROCURA SEMELHANTES: A HOMOFOBIA COMO DESEJO REPRIMIDO, de Jesse Bering
Eu gostaria de poder dizer que decidi sair do armário com vinte e poucos anos por razões mais admiráveis - como amor ou o princípio da coisa. Mas a verdade é que passar por heterossexual havia se tornado tal amolação que não me parecia valer a pena. Desde a terceira série, eu havia despendido muitos recursos cognitivos valiosos inventando esquemas enganosos para encobrir o fato de que eu era gay.
Na verdade, minha primeira tática consciente para encobrir minha homossexualidade envolvia ser grotescamente homofóbico. Quando eu tinha oito anos de idade, imaginei que se usasse a palavra "bicha" a torto e a direito e expressasse minha repugnância por gays em todas as ocasiões possíveis, os outros pensariam obviamente que eu era hétero. Embora isso parecesse bom na teoria, eu não era muito hostil por temperamento e tinha dificuldade em analisar minha indignação fictícia numa prática convincente.
Posso ter fracassado como homofóbico, mas muitas pessoas têm êxito. E o que se revela é que podemos ter algo em comum: muitos homens jovens homofóbicos podem alimentar secretamente desejos homossexuais (quer estejam tentando conscientemente enganar o mundo a respeito de si mesmos, como eu, ou não tenham sequer ciência de que eles existem). Uma das linhas de trabalho mais importantes nessa área remonta a um artigo publicado em 1996 no Journal of Anormal Psychology em que os pesquisadores Henry Adams, Lester Wright e Bethany Lohr relatam evidências de que homens jovens homofóbicos podem ter secretamente impulsos gays.
Nesse estudo, 64 homens que se diziam heterossexuais com idade média de vinte anos foram divididos em dois grupos ("homens não homofóbicos" e "homens homofóbicos") com base em seus escores num questionário que media a aversão a homens gays. Aqui, a homofobia foi operacionalmente definida como o grau de "pavor" experimentado quando posto em estreita proximidade com um homossexual - basicamente, quão confortável ou desconfortável a pessoa se sentia ao interagir com gays. (Há um debate na literatura clínica sobre a semântica desse termo, com alguns estudiosos introduzindo outros construtos como "homonegativismo" para sublinhar a natureza mais cognitiva da postura antigay de algumas pessoas.)
Em seguida cada participante concordava em prender um pletismógrafo peniano a seu, bem, "eu inferior". Esse aparelho [...] é "um extensômetro circunferencial de mercúrio em elástico usado para medir respostas eréteis a estímulos sexuais. Quando preso, mudanças na circunferência do pênis causam mudanças na resistência da coluna de mercúrio". Pesquisas anteriores com esse aparelho (o plestimógrafo, não o pênis - bem, na verdade, com ambos) haviam confirmado que mudanças significativas na circunferência ocorrem apenas durante a estimulação sexual e o sono.
Em seguida, os participantes foram levados para uma câmara privada onde lhes foram mostrados três breves segmentos de pornografia gráfica. Os três trechinhos de vídeo representavam pornografia heterossexual (cenas de felação e intercurso vaginal), pornografia lésbica (cenas de cunilíngua ou de "tribadismo", que é, essencialmente, a fricção das vulvas) e pornografia masculina gay (cenas de felação e intercurso anal). Após cada apresentação aleatoriamente ordenada, cada participante classificou o grau em que se sentira sexualmente excitado e também o grau de sua própria ereção peniana. Adivinhe os resultados.
Ambos os grupos - homens não homofóbicos e homofóbicos - mostraram significativo engurgitamento diante da pornografia hétero e lésbica, e suas classificações subjetivas da própria excitação corresponderam às medidas do pletismógrafo peniano para esses dois tipos de vídeo. No entanto, tal como previsto, somente os homens homofóbicos mostraram um significativo aumento da circunferência peniana em reação à pornografia masculina gay: especificamente, 26% desses homens homofóbicos mostraram "tumescência moderada" (seis a doze milímetros) diante desse vídeo, e 54% mostraram "clara tumescência" (mais de doze milímetros). (Em contraposição, para os homens não homofóbicos, essas porcentagens foram 10% e 24%, respectivamente.) Além disso, os homens homofóbicos subestimaram significativamente seu grau de excitação sexual diante da pornografia gay.
A partir desses dados, os pesquisadores concluíram que "indivíduos que tiveram escore elevado no questionário de homofobia e admitiam afeto negativo em relação à homossexualidade demonstram significativa excitação sexual diante de estímulos eróticos homossexuais masculinos". Evidentemente, não fica claro se essas pessoas estão se auto enganando de maneira inconsciente ou tentando conscientemente esconder dos outros sua atração secreta por membros do mesmo sexo. O mecanismo de defesa de formação reativa freudiano - no qual os desejos reprimidos das pessoas se manifestam por suas ardorosas reações emocionais e comportamentos hostis em relação à própria coisa que desejam - poderia explicar a primeira hipótese. (Shakespeare escreve em Hamlet: "A senhora protesta demais, ao que me parece.") A segunda sugere um ato de trapaça social deliberada, tal como minha equivocada maquinação aos oito anos. Poderia, é claro, ser um pouco de cada coisa, ou funcionar de maneira diferente para diferentes pessoas. Quem pode dizer se todas aquelas figuras públicas cujo homossexualismo foi inconvenientemente revelado (como os televangelistas Eddie Long e Ted Haggard, o psiquiatra conservador George Rekers e os políticos Mark Foley e Larry Craig) - as próprias encarnações desse fenômeno - estavam se auto enganando ou se sabiam o tempo todo que tinham impulsos homossexuais plenamente desenvolvidos?
A interpretação de Adams e colegas para esses achados obtidos por meio do pletismógrafo não passaram incontestes. Num artigo publicado no Journal of Research in Personality, o pesquisador Brian Meier e colegas afirmam que os achados de Adams podem ser mais bem interpretados como uma "aversão defensiva" de homossexuais gays do que como atração secreta. Recorrendo a uma analogia com outras fobias, eles declaram: "Acreditamos ser inexato afirmar que os fóbicos a aranhas têm um desejo secreto por elas, ou que claustrofóbicos gostam secretamente de ser metidos em espaços escuros e apertados." Esses investigadores raciocinam que a amostra homofóbica de Adams experimentava ereções em resposta à pornografia masculina gay não por excitação sexual, mas em razão da ansiedade que as imagens lhes transmitiam, a qual por sua vez provocava a resposta fisiológica do engurgitamento peniano.
Em minha opinião, contudo, essa reinterpretação de Meier da ereção como expressão de "aversão defensiva" é um pouquinho tortuosa. É verdade que foi demonstrado que a ansiedade ambiente aumenta o grau de excitação sexual em resposta a estímulos que já não são sexualmente excitantes, mas não pude encontrar nenhuma evidência de que a ansiedade por si só pode dar uma ereção a um homem. Pelo menos espero que seja assim. Falar em público me deixa ansioso. Se, como se isso não bastasse, eu tivesse de ter medo de ter uma ereção durante minhas palestras, talvez eu devesse simplesmente cancelar minhas apresentações. Da mesma maneira, pela lógica desses investigadores, aracnófobos do sexo masculino deveriam sentir uma leve comichão lá embaixo sempre que avistam uma aranha correndo por suas mesas de trabalho. Suponho que seja possível, mas me parece bastante improvável.
Se tomarmos os achados de Adams de que homens homofóbicos têm ereções ao assistir à pornografia gay como uma razoável evidência de sua excitação sexual, esses achados assumem enorme importância. Por exemplo, eles podem nos ajudar a compreender algumas das causas psicológicas das agressões físicas violentas a gay. Alguns dos dados mais surpreendentes com que deparei envolvem um levantamento feito em 1998 junto a quinhentos homens heterossexuais na área de São Francisco. Cinquenta por cento desses homens declararam que haviam sido agressivos de alguma maneira contra homossexuais (e estes foram apenas os que admitiram tais atos). E um terço dos que não haviam atacado gays dessa maneira disse que agrediria ou maltrataria um "homossexual que lhes fizesse uma proposta". Se você não percebeu a ironia, isso foi em São Francisco - presumivelmente um dos lugares mais "amigáveis com gays" no mundo.
De fato, um estudo posterior publicado no Journal of Abnormal Psychology por Adams e colegas descobriu que, numa tarefa competitiva, homens homofóbicos se mostravam mais agressivos com homens gays do que com heterossexuais. Nesse estudo, 52 homens que se declaravam heterossexuais com idade média de dezenove anos foram novamente classificados como "homofóbicos" ou "não homofóbicos" com base sem suas respostas a vários itens num questionário de homofobia. Em seguida foi dito aos participantes que eles seriam expostos a tipos aleatórios de estímulos sexuais para determinar o efeito da pornografia no tempo de reação. Na realidade, só lhes foi mostrada pornografia gay.
Antes e depois de assistir a esse vídeo de dois minutos de um casal de homens envolvendo-se em preliminares, felação e penetração anal, os participantes responderam a várias perguntas que mediam seu estado emocional no momento (por exemplo, se sentiam raiva, ansiedade, tristeza e assim por diante). Em seguida passavam à tarefa competitiva de tempo de reação, em que, em vinte provas diferentes, deviam apertar um botão assim que uma luz vermelha se acendesse no console. Os participantes acreditavam que, nessa tarefa, estavam competindo com um outro jogador numa sala vizinha. Na verdade, não havia nenhum outro jogador, e o jogo estava armado de tal maneira que o participante perderia numa metade aleatoriamente distribuída das provas. A cada "vitória", o participante era informado de que poderia dar um choque elétrico de grau e intensidade variados no outro jogador (inexistente); alternativamente, ele tinha a opção de não administrar absolutamente nenhum choque nessa outra pessoa.
Todos os jogadores "perderam" na primeira prova e experimentaram eles mesmos um choque elétrico brando, presumivelmente administrado pelo outro jogador. A manipulação decisiva nesse estudo foi que metade dos participantes pensava estar competindo com um homem gay, ao passo que a outra metade pensava estar competindo com um homem hétero. Antes da tarefa, e após assistir à pornografia gay, os participantes tinham visto um breve vídeo que lhes apresentava esse outro "jogador". Numa condição, esse competidor fictício era mostrado como um homossexual com afetações estereotipadas que dizia ao entrevistador estar numa "relação gay de compromisso com seu parceiro, Steve, há dois anos". Na outra condição, esse mesmo ator fazia o papel de um heterossexual e dizia-se "envolvido numa relação de compromisso com sua namorada há dois anos".
Embora não tenha havido nenhuma diferença significativa entre os grupos homofóbico e não homofóbico na intensidade e duração do choque administrado ao competidor hétero a levar a melhor em provas, o grupo homofóbico administrou choques mais intensos e de maior duração quando pensava que a pessoa na outra sala era gay. Nas classificações subjetivas de disposição de ânimo, a maior diferença entre os dois grupos foi na dimensão raiva-hostilidade: os não homofóbicos mostraram um pequeno sinal positivo no radar nessa dimensão, ao passo que os homofóbicos mostraram um enorme aumento na raiva-hostilidade entre a medição da disposição de ânimo anterior ao vídeo e a classificação posterior. Esses dados sugerem que estímulos homoeróticos - como ver dois homens de mãos dadas - poderiam fazer um homofóbico já irritado perder o controle.
Embora seja certamente verdade que o mundo hoje "aprova" a homossexualidade mais do que há uma década - muitas vezes a contragosto, na minha opinião -, ainda há elementos sociais perigosos e nefastos sob a superfície impedindo a verdadeira aceitação. O dia em que, estando em público em qualquer cidade dos Estados Unidos, eu puder simplesmente ficar de mãos dadas com a pessoa que amo (algo que a maioria dos casais faz sem pensar duas vezes) sem nos expor, a meu parceiro e a mim, a perigo físico - esse será o dia me que ficarei convencido de que fomos além da retórica, com relação a "direitos iguais" e mudamos realmente corações e mentes.
Nesse meio-tempo, na próxima vez que você topar com alguém que se revela especialmente hostil ou crítico em relação a gays, olhe-o nos olhos, coce seu queixo e repita comigo: "Hmm... muito interessante."
(Devassos por natureza - provocações sobre sexo e a condição humana; tradução de Maria Luiza X. de A. Borges).
(Ilustração: Felix D'eon)
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