segunda-feira, 25 de setembro de 2023

A SEGUIR, EM OPRAH, de Michael Sherman

 


Na segunda-feira, 2 de outubro de 1995, pela primeira vez em seus dez anos de existência, o Oprah Winfrey Show apresentou um sensitivo como convidado principal. Era Rosemary Altea (um pseudônimo), que afirma se comunicar com os mortos. O seu livro sobre essa extraordinária afirmação – The Eagle and the Rose: a Remarkable True Story – ficou várias semanas na lista dos mais vendidos do The New York Times e do The Wall Street Journal (The Eagle, “A Águia”, é um nativo americano – o espírito-guia de Altea – e Altea é “the Rose”). Oprah começou se justificando, dizendo que trazia a convidada apenas porque vários amigos seus de confiança haviam descrito Altea como alguém de excelência no mundo da paranormalidade. Em seguida, a produção passou um vídeo de vários minutos, gravado no dia anterior, que mostrava Altea com uma pequena plateia num flat de Chicago, fazendo inúmeras perguntas, tecendo considerações e às vezes fornecendo algumas informações específicas sobre os entes queridos falecidos daquelas pessoas. Altea passou então a lidar com a plateia do estúdio. “Alguém aqui perdeu um ente querido por afogamento?” “Vejo um homem atrás de você.” “Havia um barco no acidente?” E assim por diante.

Ao contrário de muitos sensitivos que tenho visto, Altea estava indo mal. A plateia não dava as dicas de que ela precisava para “adivinhar” a sua informação. Por fim, já no meio do programa, ela descobriu um veio fértil. Recorrendo a uma mulher de meia-idade parcialmente escondida atrás de uma câmera do estúdio, Altea disse que a mulher havia perdido a mãe dela, que morrera de câncer. A mulher soltou um grito e começou a chorar. Além disso, Altea observou, o rapaz perto da mulher era filho dela e estava com problemas na escola e indeciso quanto à carreira. O rapaz confirmou a observação e contou a sua história triste. A plateia ficou assombrada. Oprah, em silêncio. Altea desencavou mais detalhes e previsões. Após a gravação, uma mulher ficou em pé e anunciou que havia vindo ao estúdio para desmascarar Altea, mas que agora passara a acreditar.

Entra o cético. Três dias antes da gravação do programa, uma das produtoras de Oprah me ligou. Mostrando-se chocada por ver que o editor da revista Skeptic nunca ouvira falar de Rosemary Altea, a produtora já se preparava para convidar outra pessoa a participar do programa quando eu lhe disse, sem ter visto nada, exatamente de que maneira Altea trabalhava. A produtora me mandou uma passagem de avião. Nos poucos minutos que me foram dados, expliquei que aquilo que a plateia acabara de testemunhar podia ser visto no Magic Castle em Hollywood, em qualquer dos shows noturnos que apresentasse um leitor de pensamentos capaz de trabalhar bem uma plateia. Quando digo “trabalhar” me refiro à velha técnica de leitura a frio, em que o leitor de pensamentos faz perguntas gerais até descobrir alguém que se mostre generoso em dar respostas. As perguntas contínuas acabam acertando o alvo. “Foi câncer de pulmão? É, porque estou sentindo uma dor aqui no peito.” A pessoa então diz: “Foi ataque cardíaco”. “Ataque cardíaco? Sim, isso explica as dores no peito”. Ou: “Estou vendo um afogamento. Havia um barco no local? Estou vendo algo parecido com um barco na água, acho que está num lago ou num rio, talvez”. E assim por diante. Numa plateia de 250 pessoas, todas as principais causas de morte estarão representadas.

Os princípios da leitura a frio são simples: comece pelo geral (acidentes de carro, afogamentos, ataques do coração, câncer), mantenha o diálogo positivo (“Ele quer que você saiba que ele a ama muito”, “Ela pede para lhe dizer que não está mais sofrendo”, “A dor dele já foi embora agora”) e leve em conta que sua plateia vai lembrar dos acertos e esquecer dos erros (“Como é que ela sabia que era câncer?” “Como é que descobriu o nome dela?”). Mas como foi que Rosemary Altea, sem perguntar, soube que a mãe daquela mulher morrera de câncer e que o filho dela estava indeciso em relação à carreira? Para Oprah, para 250 testemunhas oculares no estúdio e para milhões de espectadores da tevê, Altea deu a impressão de ter uma linha direta com o mundo espiritual.

A explicação, porém, é bem mais deste mundo. Leitores de pensamento chamam de leitura quente aquela feita quando eles dispõem de informação prévia sobre a pessoa. Naquele dia, antes do programa, eu dividi uma limusine do hotel até o estúdio com vários outros convidados, entre eles a tal mulher e o filho dela. No trajeto, eles mencionaram que já haviam encontrado Altea antes e tinham sido convidados pelas produtoras do Oprah para compartilhar a sua experiência com o público da televisão. Como quase ninguém sabia desse pequeno fato, Altea conseguiu usar esse conhecimento prévio da mulher e do filho para transformar uma derrota em vitória. Naturalmente eu apontei esse fato, mas, por incrível que pareça, a mulher negou que já conhecia Altea e essa observação simplesmente foi cortada do programa na edição final.

Duvido que Altea engane as suas plateias usando propositadamente as técnicas de leitura a frio. Ao contrário, acho que ela desenvolveu de boa fé uma crença em seus “poderes psíquicos” e de boa fé aprendeu a leitura a frio por tentativa e erro. Ela diz que tudo começou em novembro de 1981, quando “acordei de manhã cedo e o vi em pé junto à minha cama, olhando para mim. Embora eu estivesse ainda meio dormindo, soube que não era uma aparição, um espectro na noite” (1995, pág. 56). A partir daí, como o seu livro revela, foi um longo processo de se abrir para a possibilidade de um mundo espiritual por meio do que os psicólogos chamam de alucinações hipnopômpicas – visões de fantasmas, alienígenas ou entes queridos já falecidos que ocorrem conforme a pessoa emerge do sono profundo – e interpretações místicas de experiências incomuns.

Mas, quer falemos de ratos pressionando uma barra para conseguir comida, quer de humanos jogando nos caça-níqueis de Las Vegas, basta um acerto ocasional para que eles voltem querendo mais. A crença e o comportamento de Altea foram moldados por um condicionamento operante num programa de reforço de índice variável – montes de erros, mas com acertos suficientes para moldar e manter o comportamento. Um feedback positivo na forma de clientes felizes pagando até 200 dólares por sessão era um mecanismo suficiente para reforçar a própria crença nos seus poderes e para estimulá-la a aprimorar as suas habilidades psíquicas.



(Por que as pessoas acreditam em coisas estranhas; tradução de Luís Reyes Gil)




(Ilustração: Salvador Dalí)

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