segunda-feira, 13 de maio de 2019
COMO ADA LOVELACE, FILHA DE LORD BYRON, SE TORNOU A PRIMEIRA PROGRAMADORA DO MUNDO, de Maria Popova
Augusta Ada King, condessa
de Lovelace, batizada Augusta Ada Byron em 10 de dezembro de 1815, mais tarde
veio a ser conhecida simplesmente como Ada Lovelace. Hoje, ela é celebrada como
a primeira programadora do mundo – a primeira pessoa a casar as capacidades
matemáticas de máquinas computacionais com as possibilidades poéticas da lógica
simbólica aplicada com imaginação. Essa combinação peculiar foi o produto da
forma igualmente peculiar em que foi criada.
Onze meses antes de seu
nascimento, seu pai, o grande poeta romântico e playboy escandaloso Lord Byron,
se casou relutantemente com Annabella Milbanke, uma jovem reservada e
matematicamente dotada de uma família rica.
Relutantemente, porque Byron
via em Annabella não uma perspectiva romântica, mas uma proteção contra suas
paixões perigosas, como sua longa lista de casos indiscriminados com homens e
mulheres.
O poeta veio então a ver sua
esposa – que antes chamava carinhosamente de “Princesa dos Paralelogramas” em
reverência por seus talentos matemáticos – como uma antagonista calculista, uma
“Medeia Matemática”. Mais tarde, Lord Byron veio a zombar dela em seu famoso
poema épico Don Juan:
“Sua ciência favorita era a
matemática … Ela era um cálculo ambulante.”
Ada nunca se encontrou com
seu pai, que morreu na Grécia aos trinta e seis anos. Ada tinha oito anos. Em
seu leito de morte, ele implorou a seu criado: “Oh, minha pobre criança! –
minha querida Ada! Meu Deus, eu poderia ter visto ela! Dê a ela a minha
bênção”. A menina foi criada por sua mãe, que estava empenhada em erradicar qualquer
vestígio da influência de seu pai, imergindo-a na ciência e matemática a partir
dos quatro anos. Aos doze anos, Ada ficou fascinada pela engenharia mecânica e
escreveu um livro chamado Flyology, no qual ilustrou com seus próprios projetos
seu plano para a construção de um aparelho de voo. No entanto, ela sentia que
parte dela – a parte poética – estava sendo reprimida. Em um ataque de desafio
adolescente, ela escreveu para sua mãe:
Você não vai me conceder
poesia filosófica. Inverta a ordem! Você vai me dar filosofia poética, ciência
poética?
Com certeza, o mesmo atrito
que causou o divórcio de seus pais, foi responsável pela fusão que tornou Ada a
pioneira da “ciência poética”, Essa fricção frutífera é o que Walter Isaacson
explora enquanto cria o perfil de Ada no capítulo inicial do livro “The
Innovators: How a Group of Hackers, Geniuses, and Geeks Created the Digital
Revolution” (algo como: Os inovadores:
Como um grupo de hackers, gênios e geeks criaram a Revolução Digital”), ao lado
de pioneiros como Vannevar Bush, Alan Turing, e Stewart Brand. Isaacson
escreve:
Ada
herdou o espírito romântico do pai, um traço que sua mãe tentou minimizar ao
ensiná-la matemática. A combinação produziu em Ada um amor pelo que ela chamou
de “ciência poética”, que ligava sua imaginação rebelde a seu encantamento por
números. Para muitos, inclusive seu pai, as sensibilidades rarefeitas da era
romântica entraram em conflito com a euforia por tecnologia da Revolução
Industrial. Ada porém, se sentia confortável na interseção de ambas as eras.
Quando tinha apenas dezessete anos, Ada
assistiu a um dos lendários salões de Charles Babbage. Lá, em meio a danças,
leituras e jogos intelectuais, Babbage realizou uma demonstração dramática de
sua Máquina Diferencial, uma uma máquina calculadora que estava construindo.
Ada foi instantaneamente cativada por suas possibilidades poéticas, muito além
do que o próprio inventor da máquina tinha imaginado. Mais tarde, uma de suas
amigas comentaria: “A srta. Byron, jovem como era, entendeu seu funcionamento e
viu a grande beleza da invenção”.
Isaacson esboça o
significado desse momento, tanto na vida de Ada como na trajetória de nossa
cultura:
O
amor de Ada tanto pela poesia quanto pela matemática a preparou para ver a beleza
em uma máquina de computação. Ela foi um exemplar da era da ciência romântica,
que foi caracterizada por um entusiasmo lírico pela invenção e descoberta.
[…]
Foi
um tempo não muito diferente do nosso. Os avanços da Revolução Industrial,
incluindo a máquina a vapor, o tear mecânico e o telégrafo, transformaram o
século 19 da mesma forma que os avanços da Revolução Digital – o computador, o
microchip e a Internet – transformaram o nosso. No coração de ambas as eras
foram os inovadores que combinaram imaginação e paixão com a maravilhosa
tecnologia, uma mistura que produziu a ciência poética de Ada e que o poeta
Richard Brautigan do século 20 chamaria de “máquinas de graça amorosa.”
Encantada pela perspectiva
da “ciência poética” que imaginou possível, Ada quis convencer Charles Babbage
a ser seu mentor. Em uma carta para ele, ela escreveu:
Tenho
uma maneira peculiar de aprender, e acho que somente um homem peculiar pode me
ensinar com sucesso… Não me considere presunçosa, …mas acredito que tenho o
poder de ir tão longe quanto eu quiser em tais atividades, e onde existe uma
determinação tão forte, eu quase deveria dizer uma paixão, como eu tenho por
elas, eu me pergunto se não há sempre uma porção de genialidade natural também.
Aqui, Isaacson faz uma observação
peculiar: “Seja devido aos seus opiáceos ou à sua criação ou a ambos”, escreve
ele ao citar essa carta, “ela desenvolveu uma opinião um pouco desproporcional
de seus próprios talentos e começou a descrever a si mesma como um gênio”. A
ironia, claro, é que ela era um gênio – o próprio Isaacson reconhece pelo
próprio ato de optar por abrir sua biografia de inovação com ela. Mas será que
um homem com tal habilidade e tão firme confiança nessa capacidade seria
descrito como tendo um “opinião desproporcional”, por ser alguém com uma “visão
exaltada de seus talentos”, como Isaacson escreve mais tarde sobre Ada? Se uma
mulher de brilho incontestável não pode orgulhar-se de seu próprio talento sem
ser apelidada de delirante, então, certamente, há pouca esperança para o resto
de nós meros mortais femininos de fazer qualquer afirmação de confiança sem ser
acusado de arrogância.
Com certeza, se Isaacson não
visse o imenso valor da contribuição cultural de Ada, ele não a teria incluído
no livro – um livro que, nada menos, se abre e fecha com ela. Estas
observações, portanto, são talvez menos uma questão de uma opinião pessoal
lamentável do que um reflexo de convenções culturais limitadas e nossa
ambivalência sobre o nível admissível de confiança que uma mulher pode ter em
seus próprios talentos.
Isaacson, na verdade –
apesar de contestar se Ada merece consagração como “a primeira programadora de
computador do mundo” comumente atribuído a ela – mostra com clareza a
relevância de sua contribuição:
A
capacidade de Ada de apreciar a beleza da matemática é um dom que escapa a
muitas pessoas, incluindo algumas que se consideram intelectuais. Ela percebeu
que a matemática era uma linguagem adorável, uma que descreve as harmonias do
universo e pode ser poética às vezes. Apesar dos esforços de sua mãe, ela
permaneceu filha de seu pai, com uma sensibilidade poética que lhe permitia ver
uma equação como uma pincelada que pintava um aspecto do esplendor físico da
natureza, assim como ela podia visualizar o “mar vinho-escuro” ou uma mulher
que “Anda em beleza, como a noite.” Mas o apelo das matemáticas foi ainda mais
profundo; Era espiritual. Matemática “constitui a linguagem através da qual só
podemos expressar adequadamente os grandes fatos do mundo natural”, disse ela,
e nos permite retratar as “mudanças de relacionamento mútuo” que se desenrolam
na criação. É “o instrumento através do qual a mente fraca do homem pode mais
eficazmente ler as obras de seu Criador”.
Essa capacidade de aplicar a
imaginação à ciência caracterizou a Revolução Industrial, bem como a revolução
da computação, para a qual Ada se tornaria uma santa padroeira. Ela conseguiu,
como disse a Babbage, compreender a conexão entre poesia e análise de maneiras
que transcendiam os talentos de seu pai. “Eu não acredito que meu pai era (ou
poderia ter sido) um Poeta tal como eu vou ser uma Analista; Pois, para mim os
dois vão junto de forma insolúvel”, escreveu.
Mas a contribuição mais
importante de Ada veio de seu papel tanto como uma voz para as ideias de Babbage,
numa época em que a sociedade as considerava ridículas, quanto como um
amplificador de seu potencial além do que o próprio Babbage imaginara. Isaacson
escreve:
Ada Lovelace apreciou
plenamente o conceito de uma máquina de uso geral. Mais importante ainda, ela
imaginou um atributo que poderia torná-la realmente surpreendente: poderia
potencialmente processar não apenas números, mas qualquer notação simbólica,
incluindo musical e artística. Ela viu a poesia em tal ideia, e começou a
encorajar os outros a ver também.
Em seu complemento para o
Mecanismo Analítico de Babbage escrito em 1843, simplesmente intitulado Notas,
ela delineou quatro conceitos essenciais que moldariam o nascimento da
computação moderna um século mais tarde. Primeiro, ela imaginou uma máquina de
propósito geral capaz não só de executar tarefas pré-programadas, mas também de
ser reprogramada para executar uma gama praticamente ilimitada de operações –
em outras palavras, como Isaacson aponta, ela imaginou o computador moderno.
Seu segundo conceito se
tornaria uma das bases da era digital – a ideia de que tal máquina poderia
lidar com muito mais do que cálculos matemáticos; Que poderia ser uma “Medeia
Simbólica” capaz de processar notações musicais e artísticas. Isaacson escreve:
Essa
percepção se tornaria o conceito central da era digital: qualquer parte de
conteúdo, dados ou informações – música, texto, imagens, números, símbolos,
sons, vídeo – poderia ser expressa em forma digital e manipulada por máquinas.
Mesmo Babbage não conseguiu enxergar isso plenamente; Ele se concentrou em
números. Mas Ada percebeu que os dígitos nas engrenagens poderiam representar
outras coisas além de quantidades matemáticas. Assim ela fez o salto conceitual
de máquinas que eram meros calculadores para aqueles que agora chamamos de
computadores.
Sua terceira inovação era um
esboço de passo a passo de “o funcionamento do que chamamos agora um programa
de computador ou algoritmo”. Mas foi sua quarto inovação, observa Isaacson, que
foi e continua a ser o mais importante – a questão de saber se as máquinas
podem pensar de forma independente, e que ainda lutamos para responder na era
das fantasias inspiradas na Siri, como vemos no filme Her. Ada escreveu em suas
Notas:
O
Mecanismo Analítico não tem pretensões para originar qualquer coisa. Pode fazer
qualquer coisa que nós saibamos como ordená-lo a executar. Pode seguir análise;
mas não tem poder de antecipar quaisquer relações analíticas ou verdades.
No capítulo final,
intitulado “Ada Forever”, Isaacson considera as implicações duradouras desta
pergunta:
Ada
também poderia se justificar em se gabar de que estava correta, pelo menos até
agora, em sua controvérsia: que nenhum computador, por mais poderoso que fosse,
seria realmente uma máquina “pensante”. Um século depois de sua morte, Alan
Turing apelidou isto de “a objeção de Lady Lovelace” e tentou descartá-la
fornecendo uma definição operacional de uma máquina pensante – em que uma
pessoa que faz perguntas não fosse capaz de distinguir a máquina de um humano –
e previu que um computador poderia passar neste teste dentro de algumas
décadas. [Saiba mais sobre o Teste de Turing] Até agora, entretanto, são mais
de sessenta anos, e as máquinas que tentam enganar as pessoas no teste
conseguem, na melhor das hipóteses, tentativas toscas de conversas do que um
pensamento real. Certamente, nenhuma das máquinas conseguiu quebrar a regra de
Ada, de “originar” pensamentos próprios. [Isso está mudando rapidamente! Mas
mesmo o cienstita Michael Dyer, que está criando programas de computador
capazes de inventar histórias, aprender dos próprios erros e ter emoções como o
ser humano, não tem certeza se já é possível dizer que esses computadores
pensam. Leia entrevista com o cientista Michael Dyer, ]
Ao encapsular o legado
supremo de Ada, Isaacson mais uma vez toca em nossa ambivalência sobre as
mitologias do gênio – talvez ainda mais do gênio das mulheres – e encontra a
sabedoria em suas próprias palavras:
Como
ela mesma escreveu nessas “Notas”, referindo-se ao Mecanismo Analítico, mas em
palavras que também descrevem sua reputação flutuante: “Ao considerar qualquer
novo assunto, frequentemente há uma tendência de supervalorizar o que achamos
que já é interessante ou notável; e, em segundo lugar, por uma espécie de reação
natural, subestimar o verdadeiro estado do caso “.
A
realidade é que a contribuição de Ada foi profunda e inspiradora. Mais do que
Babbage ou qualquer outra pessoa de sua época, ela foi capaz de vislumbrar um
futuro em que as máquinas se tornariam parceiros da imaginação humana, juntos
tecendo tapeçarias tão bonitas como as do tear Jacquard. Sua apreciação pela
ciência poética levou-a a celebrar uma máquina de cálculo que foi dispensada
pelo meio científico de seu tempo e ela percebeu como o poder de processamento
de um dispositivo desse tipo poderia ser usado em qualquer forma de informação.
Assim Ada, condessa de Lovelace, ajudou a semear as sementes para uma era
digital que floresceria cem anos mais tarde.
Ada morreu de um câncer de
útero progressivamente debilitante em 1852, quando ela tinha trinta e seis – a
mesma idade que Lord Byron. Ela pediu que
fosse enterrada em um túmulo rural, ao lado do pai que nunca conheceu,
mas cuja sensibilidade poética moldou profundamente seu próprio gênio de “ciência
poética”.
(Tradução de Krystal
Campioni)
(Ilustração: Ada Lovelace, circa 1840)
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