terça-feira, 8 de março de 2011

A ESTILIZAÇÃO DO AMOR, de Johan Huizinga






Desde que os trovadores provençais do século XII deram voz à melodia do desejo não correspondido, as violas entoaram cada vez mais alto as cantigas de amor, até que apenas Dante conseguisse tocar o instrumento de forma mais perfeita.

O espírito medieval sofreu uma das mudanças mais importantes ao desenvolver pela primeira vez um ideal amoroso com uma tônica negativa. É certo que a Antiguidade também cantara o anseio e o sofrimento do amor; mas será que ali, na verdade, o anseio não era apenas encarado como o adiamento e o estímulo da indubitável realização? E, nas histórias de amor com final triste da Antiguidade, a frustração do desejo não era o momento-chave, mas sim a cruel separação dos amantes já unidos, como ocorreu com Céfalo e Prócris e com Píramo e Tisbe. O sentimento de tristeza não se situava na insatisfação erótica, mas no infortúnio do destino. Foi só no amor cortês dos trovadores que a insatisfação em si tornou-se o motivo principal. Criara-se uma forma de pensamento erótico capaz de abranger uma profusão de aspirações éticas, sem por isso renunciar por completo à sua conexão com o amor natural das mulheres. Do próprio amor sensual brotara a servidão cortês à mulher, sem nunca exigir realização amorosa. O amor passou a ser o campo em que se deixava florescer todo o aperfeiçoamento estético e moral. O amante nobre, segundo a teoria do amor cortês, torna-se virtuoso e puro pelo seu amor. O elemento espiritual ganha cada vez mais espaço na poesia lírica, até que, por fim, o efeito do amor torna-se um estado de iluminação sagrada e devoção: Vita nova, de Dante Alighieri.

A partir de então foi preciso u ma nova reviravolta. No dolce stil nuovo de Dante e seus contemporâneos fora atingido um ponto extremo. Petrarca já hesita entre o ideal do amor cortês espiritualizado e a nova inspiração na Antiguidade. E de Petrarca até Lorenzo de Médici, na Itália, a lírica amorosa envereda pelo caminho que leva de volta à sensualidade natural que também permeava os tão admirados modelos antigos. O sistema artificialmente desenvolvido do amor cortês foi abandonado.


(O Outono da Idade Média – tradução de Francis Petra Janssen)





(Ilustração: amour-courtois)



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