segunda-feira, 12 de setembro de 2022

GATOS E ATOS, de Bartolomeu Correia de Melo

 




Para quem, nos felinos, aprecia,

a beleza, o carisma, o fino trato,

um simples gato pode ser poesia…

Chegando devagarinho,

gato leva o silêncio

ao canto do passarinho.

O amor indiscreto

dos gatos de rua

ofende a pureza da lua?

Na mesa posta,

o gato se lambe

porque se gosta.

Um pulo de gato,

gracioso e exato,

qual verso no ar…

Tapeando a rosa,

o gato antegoza

ciúmes do beija-flor…

O rabo do gato no muro

descreve uma interrogação

que insulta o cachorro no chão.

No rastro do rato,

o gato, sem bulha,

mergulha no mato.

Os olhos do gato preto,

repiscam no negrume,

namorando o vagalume.

Gato gaiato,

bola de pelo,

rola o novelo.

A gata dengosa no cio,

olhando o telhado vazio,

parece gemer sete vidas.

Resta vaga magia

quando o gato afia

as unhas no tapete.

A tarde se fica,

enquanto o gato

dorme na bica.

Na poça de rua,

um gato bebendo

o brilho da lua

Do gato, restou o ronronado;

mas do canário, coitado,

apenas as penas.

No contrazul da janela,

qual nuvem no contravento,

gato branco passa lento…

Um gato vadio

miando no frio:

assim me sinto.

Olhar de gato,

mesmo com sono,

ainda decifra o dono.

Na rua antiga, cena de aquarela,

em cores triviais de tarde morna;

a madorna dum gato na janela.

O olhar da gata persa

conta uma estória inversa

das mil e uma noites.

Um gato pardo de andar

esguio e desafio

no olhar de esfinge.

Por causa dum gato,

sem dono nem sono,

perdi meu sapato.




(Ilustração: Charles van den Eycken - l'heure du jeu)

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