quinta-feira, 25 de março de 2021

O VALOR E A MAJESTADE DA MINHA AVÓ, de Maya Angelou

 


Momma se casou três vezes: com o sr. Johnson, meu avô, que a deixou na virada do século com dois filhos pequenos para criar; com o sr. Henderson, de quem não sei nada (Momma nunca respondeu às perguntas feitas diretamente a ela sobre qualquer coisa que não fosse religião); e finalmente com o sr. Murphy. Eu o vi rapidamente uma vez. Ele foi a Stamps em uma noite de sábado, e vovó me deu a tarefa de fazer a cama dele no chão. Ele era um homem escuro e corpulento que usava um chapéu de aba dura como George Raft. Na manhã seguinte, ele ficou no Mercado até voltarmos da igreja. Isso marcou o primeiro domingo em que eu soube que o tio Willie faltou à igreja. Bailey disse que ele tinha ficado em casa para impedir que o sr. Murphy nos roubasse. Ele saiu no meio da tarde depois de um dos longos banquetes de domingo de Momma. Com o chapéu empurrado para trás na testa, saiu assoviando pela rua. Observei as costas largas até ele virar a curva junto à grande igreja branca.

As pessoas falavam de Momma como uma mulher de boa aparência, e algumas, que se lembravam dela na juventude, diziam que era muito bonita. Eu só via seu poder e sua força. Ela era mais alta do que qualquer mulher do meu mundo pessoal, e suas mãos eram tão grandes que podiam fazer um arco sobre a minha cabeça que ia de uma orelha à outra. A voz era suave só porque ela preferia que fosse assim. Na igreja, quando era chamada para cantar, ela parecia soltar as mandíbulas, e o som alto e quase rouco se espalhava pelos ouvintes e latejava no ar.

A cada domingo, depois de ela se sentar, o pastor anunciava: “Agora a irmã Henderson vai nos guiar em um hino”. E, a cada domingo, ela olhava com expressão surpresa para o pastor e perguntava, silenciosamente: “Eu?”. Depois de um segundo garantindo a si mesma que realmente estava sendo chamada, ela colocava a bolsa no banco e dobrava o lenço lentamente, que era colocado em cima da bolsa. E se inclinava na direção do banco da frente e se botava de pé, depois abria a boca e a música pulava, como se estivesse esperando a hora certa para fazer a aparição. Semana após semana e ano após ano, a performance nunca mudava, mas não me lembro de ninguém comentando sobre a sinceridade dela e nem sobre a prontidão para cantar.

Momma pretendia ensinar a Bailey e a mim a usar os caminhos da vida que ela e a geração dela e todos os Negros anteriores encontraram e achavam seguros. Ela não gostava da ideia de que se podia falar com os brancos sem botar a vida em risco. E sem dúvida não se podia falar com eles com insolência. Na verdade, mesmo na ausência deles, não se podia falar sobre eles com rispidez, a não ser que usássemos o pronome “eles”. Se lhe perguntassem e ela decidisse responder se era covarde ou não, ela diria que era realista. Ela não “os” enfrentava ano após ano? Ela não era a única mulher Negra em Stamps já chamada de senhora?

Esse incidente se tornou uma das pequenas lendas de Stamps. Alguns anos antes de Bailey e eu chegarmos à cidade, um homem foi caçado por agredir uma mulher branca. Ao tentar fugir, ele correu para o Mercado. Momma e tio Willie o esconderam atrás do armário até a noite, deram suprimentos para uma longa viagem e o mandaram embora. Mas ele foi apreendido, e no tribunal, quando foi interrogado sobre seus movimentos no dia do crime, respondeu que, depois que soube que estava sendo procurado, refugiou-se no Mercado da sra. Henderson.

O juiz pediu que a sra. Henderson fosse intimada, e quando Momma chegou e disse que era a sra. Henderson, o juiz, o meirinho e os outros brancos da plateia riram. O juiz realmente cometeu uma gafe ao chamar uma mulher Negra de senhora, mas ele era de Pine Bluff e não tinha como saber que uma mulher que era dona de um mercado naquele vilarejo também seria de cor. Os brancos riram do incidente durante muito tempo, e os Negros acharam que ele provava o valor e a majestade da minha avó.



(Eu sei por que o pássaro canta na gaiola; tradução de Regiane Winarski)



(Ilustração: Felix Edouard Vallotton - Seated Black Woman)



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