sexta-feira, 23 de agosto de 2019

FRÉDÉRIC CHOPIN, A APOTEOSE DO PIANO, de Harold C. Schonberg





A maioria dos compositores Românticos tinha um parti pris sobre o Romantismo. Eles eram propagandistas; tocavam ou conduziam a música uns dos outros; escreviam críticas ou artigos sobre os novos estilos e teorias; eles ajudavam uns aos outros o quanto podiam; e, enquanto professore, alguns deles transmitiam suas aspirações para a geração vindoura. Não Frédéric Chopin. Ele, que pertencia ao movimento, não faria nada disso. Na verdade, ele não gostava do Romantismo. Ele achava a música de Lizt vulgar, não gostava nem um pouco da música de Schumann, não tinha nada a dizer sobre a obra de Berlioz ou Mendelssohn, embora fosse amigo de todos esses grandes nomes. Ele se cercava de Beethoven com uma mistura de admiração e desprezo; o trovejante mestre era grande demais e pouco polido, o que deixava Chopin desconfortável em sua presença. Se ele ouviu algum trabalho de Schubert, nunca o mencionou. Os dois únicos mestres que significavam algo para ele foram Bach e Mozart – para eles nada além de elogios. Ele também adorava as óperas de Bellini. 

Ele não lera muito e não reagia à arte romântica. Delacroix era um de seus melhores amigos, mas Chopin olhava para as suas pinturas e gaguejava algo que não o comprometesse, para não magoar os sentimentos do pintor. Suas aulas – que era como ele se sustentava em grande estilo – eram particulares e basicamente dadas para a alta sociedade. Alunos elegantes entravam no estúdio de Chopin e colocavam 20 ou 30 francos sobre a lareira enquanto ele olhava pela janela. Ele era um cavalheiro, e um cavalheiro não sujava suas mãos com algo torpe como transações financeiras. Ele gostava de frequentar os círculos aristocráticos e se preocupava muito com estilo, gosto, roupas e bom ton. Ele sabia ser sagaz, malicioso, desconfiado, mal-humorado e charmoso. Havia algo de felino em Chopin. 

Um dos maiores pianistas da história, ele deu poucos concertos, preferia a intimidade dos salões. Baixo, magro, aloirado, com olhos cinza-azulados (alguns dizem castanhos), um nariz proeminente e belo porte, ele era fisicamente frágil e suas execuções não tinham muito volume. Perto do fim, não passavam de sussurros. Desde cedo ele aprendeu que não poderia tocar em áreas muito grandes; sua última apresentação pública se deu em Paris, em 26 de abril de 1835, quando ele tinha apenas 26 anos. Pelo resto da vida – ele morreu em 1849 – ele deu apenas recitais que eram semiprivados, no salão do fabricante de pianos Pleyel, ante uma audiência seleta que nunca ultrapassava as 300 pessoas. Ele tocou muito em festas particulares. Que noites essas devem ter sido! Chopin e Lizt tocando a quatro mãos (Chopin tocando o baixo; Lizt não atreveria a abafá-lo), talvez Mendelssohn virando as páginas das partituras enquanto aguardava sua vez ao piano. Em volta do instrumento poderiam estar Berlioz, Meyerbeer, Eugène Sue, Delacroix, Heine e George Sand, com Ary Scheffer fazendo esboços ao fundo. 

Chopin se encaixava perfeitamente na louca e perversa, triste e alegre Paris de 1830 a 1850. Embora não contasse com muitos amigos íntimos, ele conhecia todo mundo, e todos o respeitavam. Sabiam que ele era um gênio. A Paris daqueles tempos era muito boa em identificar os gênios. Era a capital intelectual e artística do mundo. Hugo, Balzac, Sand, Vigny, Lamartine, Heine, Gautier e Musset estavam entre as personalidades literárias que habitavam a cidade. Delacroix e Ingres estravam no auge de suas carreiras. Liszt, Meyerbeer, Rossini, Berlioz e Cherubini fizeram de Paris seu lar. Mendelssohn ia e vinha. Paris tinha três grandes orquestras e a maior ópera da Europa. Malibran, Pasta, Lablache, Rubini e Nourrit podiam ser ouvidos na ópera, e supriam um tipo de canto floreado e virtuoso que devia ser admirável. Paris era o centro do piano Europa, com Kalkbrenner, Thalberg, Herz, Heller, Litoff e Prudent residindo ali. No âmbito político Paris estava temporariamente estabilizada. Les trois jours glorieuses de julho de 1830 tinham levado Luís Felipe ao trono e, como o levante tinha sido um movimento popular, concessões eram feitas ao gosto popular. A burguesia foi levada ao poder; e embora as classes mais baixas continuassem muito como sempre foram, havia um renascimento nacionalista e uma prosperidade que foram parcialmente responsáveis pelo repentino florescimento das artes. Paris na década de 1830 experimentava o tipo de renascimento que Londres tivera nos últimos anos de Elisabeth I. 

Chopin se mudou para Paris em 1831 e passou o resto de sua vida ali. Quando chegou à cidade, era um provinciano de Varsóvia. Sua cidade natal era Zelazowa Wola, perto da capital polonesa, e há registros diferentes da data. O registro da paróquia estabelece seu nascimento em 22 de fevereiro de 1810, mas a mãe de Chopin insistia que a data era 1 de março, quando celebrava o aniversário de seu famoso rebento. Alguns pesquisadores conseguiram evidências de que o ano certo do nascimento é 1809. O assunto ainda não foi resolvido. O pai de Chopin era um imigrante da França, sua mãe era polonesa. Frédéric era o segundo de quatro filhos e o único homem. Seu talento musical despontou cedo e ele já era bom pianista aos 6 anos. Adalbert Zywny, seu professor, era um músico culto que alimento a genialidade de seu aluno com muito Bach. (Bach, na Varsóvia de 1816! E quem alegue que Bach fora esquecido!) Aos 8 anos, Chopin viu sua primeira composição ser publicada. Era uma polonaise. De 1826 a 1828, ele estudou composição com Joseph Elsner, um homem que teve a sabedoria de perceber que Chopin tinha algo especial e merecia ser tratado com deferência. Como academicista, Elsner esperava que Chopin compusesse sinfonias, sonatas e talvez uma ópera nacional polonesa. Mas ele nunca forçou o estilo de Chopin e fez o que pôde para que o jovem desenvolvesse seus dotes naturais. Esse deve ter sido sua maior contribuição, pela qual a posteridade fica lhe devendo. Pois, de várias formas, Chopin era uma esquisitice musical, mais do que muitos prodígios. Ele não era apenas genial ao piano, ele era criativamente um gênio, um dos mais assustadoramente originais daquele século. 

De onde vinham suas ideias? Varsóvia estava distante dos centros cosmopolitas de Europa, embora fosse visitada por artistas importantes. Chopin teve a oportunidade de ouvir alguns deles – Hummel, Paganini e a soprano Henrietta Sontag, entre outros. A gênese da música de Chopin pode ser traçada nas obras de Moscheles, Hummel e Czerny. Mas isso não explica as qualidades revolucionárias do pensamento de Chopin – seu total desenvolvimento de uma nova execução ao piano; seu ousado, porém refinado, senso harmônico; sua experimentação com um novo tipo de sonoridade para o piano que finalmente libertou o instrumento de seu passado. O que podemos afirmar é que com o jovem Chopin uma nova fermentação musical teve início e ele achava que deveria mudar as regras. Quanto dessa sua atitude era consciente e quanto dela era inconsciente podemos apenas imaginar. Ele era genial e nasceu com certos reflexos na mente, dedos e ouvidos que os músicos menos afortunados nunca dominam. Ele certamente atingiu sua total maturidade mais cedo que outros compositores e tudo parecia lhe ser fácil. “Sabes”, seu pai escreveu, “que a técnica do piano pouco ocupou de teu tempo, e que tua mente estava sempre mais ocupada que teus dedos. Se outros passam horas ao piano, tu raramente passaste mais uma hora tocando a música de outro.” Assim, Chopin se inclui na lista dos sortudos – um virtuose natural com estilo individual, um compositor que decidiu cedo compor para o instrumento que amava. Seus trabalhos foram todos basicamente nas formas menores, mas ele ajudou a mudar a face da música e a maioria de seus contemporâneos o reconhecia como o revolucionário que era. “O Cânone enterrado em flores”, disse Schumann da música de Chopin. 



(A vida dos grandes compositores; tradução de Wagner Souza) 



(Ilustração: Romance de George Sand et Frédéric Chopin)




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