Rilke estava enganado:
um poeta é um poeta
e vive sem fazer versos.
Por outras razões se morre
e as forças de viver
são mais cegas, são mais ágeis
que a direção de morrer.
Maiakovski se matou
podendo fazer poesia
e pagando seus impostos.
Como? Onde? Para quem?
Aqui, ali, pouco importa,
em tudo a mentira sobra;
morreu na boca de um poema
o pulso farto de versos.
Outros também se calam
na fímbria solta das sílabas
todo o lirismo nas mãos
corpo exposto a faca e bala
na altivez de perfil
por onde olha a poesia,
sozinha, sua própria véspera.
Se morre por outros rumos
aquém e além do dizer
e do poeta é a sina
não viver só de palavra
mas do chão, da cerca, da água
onde germina em silêncio
o que desabrocha a fala.
Versos se podem calar;
há coisas que não se calam
porque caladas, veneno
pior que o aço da espada.
Matando o irmão por dentro
dobrando o porte - a verdade
esgar de consentimento.
O vivo é antes do verso.
Urgente é abrir seus olhos
e as cortinas lacradas.
O verso, sim, mas depois
das razões de não morrer.
E assim fazendo, dizer.
Se vive com fome e sede
com amor estilhaçado
analfabeto, amarrado,
com chumbo dentro do ventre
sem sexo, luz, alvorada,
um homem vive de pouco
resiste às vezes de nada.
Das desrazões, irrazões
porque se venha a viver
há um poeta sem versos
que é poeta a valer
e sobrevive. De gula
talvez de usura,
confiança em quem ignora,
no cego, no surdo-mudo.
Rilke estava enganado.
Um poeta suicida
anunciou vento adentro
- o romantismo acabou.
O que estava por detrás
lá nos fundos da poesia
é que mata. E o matou.
Um pano em volta do rosto
muitos espreitam, se calam.
Mas além de ultraje e mito
numa resistência inteira
um poeta ainda espera
no calcanhar de seu grito.
Faz seus versos, e sem fazê-los
permaneceria vivo.
(Do sétimo livro, Poemas ao outro, 1970)
(Ilustração: Yves Tanguy - indef divisibility)
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