domingo, 1 de novembro de 2015

THE INITIATE / O INICIADO, de Charles Simic




  


St. John of the Cross wore dark glasses

When he passed me on the street.

St. Therese of Avila, beautiful and grave,

Came at me spreading her wings like a seagull.




"Lost soul," they both cried out,

"Where is your home?"




I was one of death's juggling balls.

The city was a mystic circus

With all of its lights dimmed,

The night's performance already started.




On a wide, poorly lit avenue,

Store windows waited for me,

Watched for me coming,

Knew what thoughts were on my mind.




In a church, where the child killer,

So the papers said,

Hid himself one night from the cold,

I sat in a pew blowing on my hands.




Like a thought forgotten till called forth —

The new snow on the sidewalk

Bore fresh footprints some unknown master

Offering to guide my steps from now on.




In truth, I had no idea what was happening to me.

Four young hoods blocked my way,

Three dead serious,

One smiling crazily as he laid his hand on me.




I let them have my raincoat,

And went off telling myself

It was important to remain calm,

And to continue to observe oneself

As if one was a complete stranger.




At the address I'd been given,

There were white X's painted on each window.

I knocked, but no one came to open.

By and by a girl joined me on the steps.

Her name was Alma, a propitious sign.




She knew a housewife

Who solved life's riddles

In a voice of a Sumerian queen.

We had a long chat about that

While shivering and stamping our feet.




In the sixteenth century, she told me,

Dabblers in occult sciences

Were roasted in iron cages,

Or else they were clothed in rags

And hanged on gibbets painted gold.




Once in a hotel room in Chicago, I confessed,

I caught sight of someone in the mirror

Who had my face,

But whose eyes I did not recognize —

Two hard, all-knowing eyes.




The hunger, the cold and the lack of sleep

Brought on a kind of ecstasy.

I walked the streets as if pursued by demons,

Trying to warm myself.




There was the East River,

There was the Hudson.

Their waters shone at midnight

Like oil in sanctuary lamps.




Something was about to happen to me

For which there would never be any words afterward.

I stood as if transfixed,

Watching the sky clear.




It was so quiet where I was.

You could hear a pin drop.

I thought I heard a pin drop

And went looking for it

In the dark, deserted city.




Tradução de Carlos Machado:





São João da Cruz usava óculos escuros

quando passou por mim na rua.

Santa Teresa de Ávila, bela e circunspecta,

me apareceu abrindo as asas como uma gaivota.




“Ó alma perdida”, os dois gritaram,

“onde é teu lar?”




Eu era uma das bolas malabares da morte

e a cidade um circo místico

com todas as luzes embaçadas.

O espetáculo daquela noite já começara.




Numa avenida larga e pouco iluminada,

as vitrines esperavam por mim,

assistiam à minha passagem,

sabiam os pensamentos em minha cabeça.




Na igreja onde, segundo os jornais,

o infanticida

abrigou-se numa noite de frio,

sentei-me num banco soprando as mãos.




Como um pensamento esquecido e reevocado,

a neve recente na calçada

trazia pegadas frescas — algum mestre desconhecido

oferecendo-se para guiar meus passos.




Eu não fazia ideia do que estava acontecendo.

Quatro jovens agressivos barravam meu caminho,

três muito sérios e um

sorrindo como louco enquanto punha as mãos sobre mim.




Deixei que levassem minha capa de chuva

e saí dizendo a mim mesmo

que era importante manter a calma

e continuar a observar a si mesmo

como se fosse alguém completamente estranho.




Num endereço que me deram,

havia letras X brancas pintadas nas janelas.

Bati, mas ninguém veio abrir.

Depois, uma moça juntou-se a mim nos degraus.

Seu nome era Alma, um sinal auspicioso.




Ela conhecia uma dona de casa

que resolvia os enigmas da vida

e tinha voz de rainha suméria.

Conversamos longamente sobre isso

tremendo e batendo os pés.




No século XVI, ela me disse,

praticantes das ciências ocultas

eram queimados em gaiolas de ferro,

ou então eram vestidos de trapos

e pendurados em forcas douradas.




Uma vez, confessei, num quarto de hotel em Chicago

avistei no espelho alguém

que tinha meu rosto,

mas não lhe reconheci os olhos —

dois olhos duros e oniscientes.




A fome, o frio e a falta de sono

me trouxeram uma espécie de êxtase.

Andei pelas ruas como se perseguido por demônios,

tentando aquecer-me.




Havia o rio East,

havia o Hudson.

Suas águas brilhavam à meia-noite

como óleo nas lamparinas do santuário.




Algo estava para acontecer comigo.

Sobre isso não haveria mais nenhuma palavra depois.

Fiquei de pé, como se paralisado,

observando o céu limpo.




Estava tudo tão quieto

que se ouviria cair um alfinete.

Pensei ter escutado um alfinete cair

e comecei a procurá-lo

na cidade escura e deserta.




(New and Selected Poems 1962-2012)




(Ilustração: Bosh - Temptation of Saint Anthony - central panel)







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