quarta-feira, 25 de março de 2015

POEMAS, de Stela do Patrocínio








É dito: pelo chão você não pode ficar

Porque lugar da cabeça é na cabeça

Lugar de corpo é no corpo

Pelas paredes você também não pode

Pelas camas também você não vai poder ficar

Pelo espaço vazio você também não vai poder ficar

Porque lugar da cabeça é na cabeça

Lugar de corpo é no corpo



*



Olha quantos estão comigo

Estão sozinhos

Estão fingindo que estão sozinhos

Para poder estar comigo




*




Eu já fui operada várias vezes

Fiz várias operações

Sou toda operada

Operei o cérebro, principalmente




Eu pensei que ia acusar

Se eu tenho alguma coisa no cérebro

Não, acusou que eu tenho cérebro

Um aparelho que pensa bem pensado

Que pensa positivo

E que é ligado a outro que não pensa

Que não é capaz de pensar nada e nem trabalhar




Eles arrancaram o que está pensando

E o que está sem pensar

E foram examinar esse aparelho de pensar e não pensar

Ligados um ao outro na minha cabeça, no meu cérebro




Estudar fora da cabeça

Funcionar em cima da mesa

Eles estudando fora da minha cabeça

Eu já estou nesse ponto de estudo, de categoria




*




Eu não queria me formar

Não queria nascer

Não queria formar forma humana

Carne humana e matéria humana

Não queria saber de viver

Não queria saber da vida




Eu não tive querer

Nem vontade para essas coisas

E até hoje eu não tenho querer

nem vontade para essas coisas



*



Não sou eu que gosto de nascer

Eles é que me botam para nascer todo dia

E sempre que eu morro me ressuscitam

Me encarnam me desencarnam me reencarnam

Me formam em menos de um segundo

Se eu sumir desaparecer eles me procuram onde eu estiver

Pra estar olhando pro gás pras paredes pro teto

Ou pra cabeça deles e pro corpo deles



*



Eu sobrevivi do nada, do nada

Eu não existia

Não tinha uma existência

Não tinha uma matéria

Comecei existir com quinhentos milhões e quinhentos mil anos

Logo de uma vez, já velha

Eu não nasci criança, nasci já velha

Depois é que eu virei criança

E agora continuei velha

Me transformei novamente numa velha

Voltei ao que eu era, uma velha





(Reino dos bichos e dos animais é o meu nome)



(Ilustração: Kay Sage - the fourteen daggers)










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