sexta-feira, 27 de novembro de 2009

DOMINGO DE MANHÃ, de Henry Miller








Domingo de manhã o telefone acorda-me. É meu amigo Maxie Schnadig anunciando a morte de nosso amigo Luke Ralston. Maxie assume um tom de voz verdadeiramente pesaroso que dá a impressão errada. Diz que Luke foi um bom sujeito. Isso me dá a impressão errada, pois embora nada se pudesse dizer contra Luke, ele era apenas mais ou menos, não precisamente o que se poderia chamar de bom sujeito. Luke era um veado nato e, por fim, quando cheguei a conhecê-lo intimamente, vi que era um grande chato. Disso isso a Maxie pelo telefone. Pelo jeito como me respondeu posso garantir que não gostou muito. Disse que Luke sempre fora meu amigo. Era verdade, mas não o bastante. A verdade é que eu me sentia realmente satisfeito por Luke ter esticado no momento oportuno: significava isso que eu poderia esquecer-me dos cento e cinquenta dólares que lhe devia. De fato, quando pendurei o fone sentia-me realmente alegre. Era um alívio enorme não precisar pagar aquela dívida. Quanto ao desaparecimento de Luke, não me causava o menor aborrecimento. Pelo contrário, permitir-me-ia fazer uma visita à sua irmã, Lottie, que eu sempre desejara foder, mas nunca conseguira por uma ou outra razão. Agora podia imaginar-me subindo até lá durante o dia e apresentando-lhe minhas condolências. O marido estaria no escritório e nada haveria para interferir. Imaginei-me abraçando-a, confortando-a. Não há como lidar com uma mulher quando ela está de luto. Podia vê-la abrindo bem os olhos – tinha olhos belos, grandes e cinzentos – enquanto eu a empurrava para o sofá. Era o tipo da mulher que dá uma trepada com você fingindo ao mesmo tempo que fala sobre música ou coisa semelhante. Não gostava da realidade crua, dos fatos nus, por assim dizer. Ao mesmo tempo, tinha presença de espírito suficiente para enfiar uma toalha embaixo do corpo a fim de não manchar o sofá. Eu a conhecia por dentro e por fora. Sabia que a melhor ocasião de agarrá-la era agora, agora que estava sentindo uma pequena febre de emoção pela morte de seu querido Luke – de quem não tinha muito boa opinião, diga-se de passagem. Infelizmente era domingo e o marido certamente estaria em casa. Voltei para a cama e lá fiquei deitado pensando primeiro em Luke e em tudo quanto ele fizera por mim, depois, nela, Lottie. Lottie Somers – esse o nome – sempre me pareceu um lindo nome. Combinava com ela perfeitamente. Luke era duro como um cabo de vassoura, com uma cara que só parecia ter ossos e impecável além de toda descrição. Ela era exatamente o contrário – mole, redonda, falava arrastado, acariciava as palavras, movia-se languidamente, usava eficientemente os olhos. Ninguém diria que eram irmão e irmã. Fiquei tão excitado pensando nela que tentei agarrar minha mulher. Mas coitada, com seu complexo de puritanismo, fingiu-se horrorizada. Ela gostava de Luke. Não chegava a dizer que fosse um bom sujeito, porque não era de seu feitio dizer tal coisa, mas insistiu em que era um amigo sincero, leal, verdadeiro etc. Eu tinha tantos amigos leais, sinceros e verdadeiros que para mim isso não representava mais que bosta de cavalo. Finalmente tivemos tal discussão a respeito de Luke que ela sofreu um ataque de histerismo e começou a chorar e soluçar – na cama, ainda por cima. Isso deu fome. A idéia de chorar do desjejum parecia-me monstruosa. Desci e preparei para mim um maravilhoso desjejum. Enquanto comia, ria-me comigo mesmo, de Luke, dos cento e cinquenta dólares que sua morte repentina apagara de minhas contas, de Lottie e da maneira como me olharia quando chegasse o momento... e finalmente, mais absurdo que tudo pensei em Maxie, Maxie Schnadig, o amigo leal de Luke, em pé ao lado da cova com uma grande coroa e talvez jogando um punhado de terra sobre o caixão quando o tivessem baixando. Não sei por que isso me parecia tão ridículo, mas parecia. Maxie era um simplório. Eu o tolerava apenas porque era bom para uma mordida de vez em quando. E havia também sua irmã Rita. Eu o deixava convidar-me para ir à sua casa de vez em quando, fingindo que me interessava por seu irmão que era desequilibrado. A comida era sempre boa e o irmão idiota realmente divertido. Parecia um chimpanzé e falava como um chimpanzé. Maxie era simples demais para suspeitar que eu estava simplesmente me divertindo. Pensava que eu sentia genuíno interesse por seu irmão.





(Trópico de Capricórnio, tradução de Aydano Arruda)






(Ilustração; Bill Feigenbaum - american flyer)









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