quarta-feira, 26 de maio de 2010

O LOBO E O CORDEIRO, de La Fontaine






Na água limpa de um regato,

matava a sede um cordeiro,

quando, saindo do mato,

veio um lobo carniceiro.




Tinha a barriga vazia,

não comera o dia inteiro.

- Como tu ousas sujar

a água que estou bebendo?

- rosnou o Lobo a antegozar

o almoço. - Fica sabendo

que caro vais me pagar!




- Senhor - falou o Cordeiro -

encareço à Vossa Alteza

que me desculpeis mas acho

que vos enganais: bebendo,

quase dez braças abaixo

de vós, nesta correnteza,

não posso sujar-vos a água.




- Não importa. Guardo mágoa

de ti, que ano passado,

me destrataste, fingido!

- Mas eu nem tinha nascido.

- Pois então foi teu irmão.

- Não tenho irmão, Excelência.

- Chega de argumentação.

Estou perdendo a paciência!




- Não vos zangueis, desculpai!

- Não foi teu irmão? Foi o teu pai

ou senão foi teu avô.

Disse o Lobo carniceiro.

E ao Cordeiro devorou.



Onde a lei não existe, ao que parece,

a razão do mais forte prevalece.





(Tradução de Ferreira Gullar)




(Ilustração: o lobo e o cordeiro, de W. Aractingy)

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