quinta-feira, 6 de junho de 2024

OS NEONAZISTAS NÃO GOSTAM DE MIM, de José António Baço

 


Se está publicado... é público.

Mas hoje em dia, em tempos de Internet, o texto pode chegar aos lugares mais surpreendentes. Um dia destes fui alertado por um e-mail a recomendar que visitasse um certo blog:

- Tem uma crônica tua lá. Mas acho que não vais gostar. Lê os comentários...

Fui ao tal blog e vi que realmente havia um texto meu, publicado aqui neste espaço faz algum tempo. Era uma crônica que, em tom de brincadeira, ensinava uns "truques" aos brasileiros que quisessem imigrar para Portugal. E recomendava que tentassem parecer com os portugueses:

- A melhor maneira é desaparecer na multidão, tentar ficar o mais parecido possível com os nativos.

E, claro, exagerava alguns estereótipos dos portugueses. Ter bigode, cuspir no chão, andar com os pelos do peito à mostra. Tudo na brincadeira.

Mas os idiotas não têm senso de humor. E ninguém consegue ser mais idiota do que um neonazista. O tal blog era frequentado por alguns desses skinheads imbecis que andam por aí a defender a tal "raça branca" e querem ver os estrangeiros fora da Europa.

Os comentários feitos por eles, como era de esperar, destilam ódio e violência. E como os textos contêm ofensas pessoais, vou reproduzir aqui apenas as partes mais genéricas. É o suficiente para perceber o grau de indigência mental desses cretinos.

O sujeito mais incomodado, que assina com o singelo nome de Adolf4Ever, não economiza palavrões (por isso a transcrição que segue está cheia de pontinhos):

- Brasileiros filhos da p..., vêm pra cá f... com esta m... toda. Sim, porque são um bando de marginais e criminosos. E ainda por cima tratam mal quem os acolhe. Filho de uma p... Volta pra casa, nojento.

Ah... o Adolf não sabe que eu sou português.

Outro sujeito, que assina com o nome Xixaboi, exacerba o seu ódio contra os brasileiros:

- Desgraçados, hipócritas e ingratos! Houve um tempo em que ainda pensava que os brasileiros seriam gente... Mas chego à conclusão de que não passam de ladrões, paneleiros e p...

Paneleiros, fique a saber, são homossexuais.

E a malhação continua. Um tal Micas dá um jeitinho de falar também nos africanos, que estão sempre na mira dos neonazistas:

- Brazucas dum cabrão, nunca vi maiores calões. Não querem fazer a ponta de um corno. São piores que os pretos. O vosso sustento são as vossas mulheres, essas p... que vêm para cá atacar para vos encher o c..., seus paneleiros.

Eu traduzo. "Calões" significa folgados, pessoas que não gostam de trabalhar. Não fazer a "ponta de um corno" é não trabalhar. "Atacar" é ir para a prostituição. "Encher o c...", neste caso, significa ganhar dinheiro.

E até uma professora chamada Shana (sem risos, por favor) entrou na dança:

- Até hoje discordei de quem vos apelidava de ingratos. Mas estou a rever as minhas teorias. É que, enquanto eu sou professora e me mato a trabalhar para conseguir ter alguma coisa, vocês chegam aqui e é só facilidades. Mas acho que até tem razão. Deus deu-vos boas bundas. Para alguma coisa deve ter sido!

O que dizer? Essa gente não gosta dos meus textos. Só posso sentir orgulho.

É como diz o velho deitado: "Você não gosta de mim? Ainda bem".



(Ilustração: Raffaello Gambogi - gli emigranti, 1894)


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