sexta-feira, 13 de outubro de 2023

ELE CONSERTA RÁDIOS PENSANDO!, de Richard Feynman

 


Quando eu tinha 13 ou 14 anos, montei um laboratório em minha casa. Era uma velha caixa de embalagem feita de madeira na qual preguei algumas prateleiras. Eu tinha um aquecedor no qual colocava banha e fritava batatas o tempo todo. Também tinha uma bateria e um banco de lâmpadas.

Para fazer o banco de lâmpadas, fui a uma loja que vendia tudo entre cinco e dez centavos, * comprei alguns bocais que podiam ser aparafusados a uma base de madeira e liguei-os com pedaços de fio de campainha. Ao fazer diferentes combinações com interruptores em série ou em paralelo -, eu sabia que podia obter diferentes voltagens. Mas o que não havia percebido era que a resistência de uma lâmpada depende de sua temperatura, de modo que os resultados dos meus cálculos não eram iguais àquela coisa que saía do circuito. Mas não importava, e quando as lâmpadas estavam em série, todas meio acesas, elas brilhaaaaaaaaavam, muito bonito - era o máximo!

Eu havia colocado um fusível no sistema, de modo que, se eu causasse um curto-circuito, o fusível queimaria. Agora eu precisava de um fusível que fosse mais fraco que o doméstico, e então construí os meus próprios, pegando folhas de estanho e enrolando-as em um fusível velho queimado. Ligada ao meu fusível, havia uma lâmpada de cinco watts, e deste modo, quando o fusível queimasse, a carga do carregador que estava sempre alimentando a bateria acenderia a lâmpada, que estava no painel de controle, atrás de um pedaço de papel de bala marrom (que parece vermelho quando há uma lâmpada por trás dele). Então, se alguma coisa queimasse, eu poderia olhar o painel e veria uma grande mancha vermelha no lugar onde o fusível tivesse queimado. Era divertido!

Eu gostava de rádios. Comecei com um rádio de galena** que comprei na loja, e costumava ouvi-lo com um par de fones de ouvido à noite na cama, quando ia dormir. Quando meus pais saíam e só voltavam tarde da noite, iam até meu quarto e tiravam os fones de ouvido - e ficavam preocupados com o que se passava na minha cabeça enquanto eu dormia.

Nessa época, inventei um alarme contra ladrões que era uma coisa muito simplória: havia apenas uma bateria grande e uma campainha conectadas por um fio. Quando a porta de meu quarto era aberta, empurrava o fio contra a bateria e fechava o circuito, disparando a campainha.

Uma noite, meus pais voltaram para casa depois de uma noitada, e muito, muito quietamente, para não me acordar, abriram a porta do meu quarto para tirar meus fones de ouvido. De repente, a terrível campainha disparou, fazendo uma barulheira infernal - bong bong bong bong!!! Pulei da cama gritando:

"Funcionou! Funcionou!"

Eu tinha uma bobina Ford - uma bobina indutora de centelha tirada de um automóvel - e os terminais centelhadores no topo do meu painel. Bastava eu colocar um tubo Raytheon RH, que continha gás argônio, entre os terminais, e a centelha criava um brilho roxo no vácuo - era simplesmente o máximo!

Um dia, eu estava brincando com a bobina Ford, fazendo furos em um papel com as faíscas quando o papel pegou fogo. Não pude mais segurá-lo, porque ele estava queimando perto dos meus dedos; então, joguei-o em uma cesta de lixo de metal que estava cheia de jornais. Os jornais queimam rapidamente, você sabe, e dentro do quarto a chama parecia bem grande. Fechei a porta para que minha mãe - que estava jogando bridge com algumas amigas na sala - não percebesse que havia fogo no meu quarto, peguei uma revista e coloquei-a em cima do cesto para abafar o fogo.

Depois de apagar o fogo, tirei a revista de cima do cesto, só que então o quarto começou a encher-se de fumaça. A cesta ainda estava muito quente para que eu pudesse pegá-la, e então, peguei a cesta com dois alicates e segurei-a do lado de fora da janela para dispersar a fumaça.

No entanto, como lá fora ventava terrivelmente, o vento reavivou o fogo, mas agora a revista estava fora de alcance. Então puxei a cesta em chamas para dentro de novo, e percebi que havia cortinas na janela - era muito perigoso!

Bem, peguei a revista, apaguei o fogo novamente e desta vez mantive a revista perto de mim enquanto jogava pedaços incandescentes da cesta de lixo na rua, dois ou três andares abaixo. Aí saí do meu quarto, fechei a porta atrás de mim e falei para a minha mãe: "Estou saindo para brincar", enquanto a fumaça dispersava, lentamente, pelas janelas.

Também fiz algumas coisas com motores elétricos e construí um amplificador para uma fotocélula que comprei, que podia fazer soar uma campainha quando eu punha a mão na frente da célula. Não consegui fazer tudo que queria porque minha mãe estava sempre me mandando lá para fora, para brincar. Mas, frequentemente, eu estava em casa, mexendo e remexendo em meu laboratório.

Eu comprava rádios em bazares de caridade. Eu não tinha dinheiro, mas eles não eram muito caros - eram rádios velhos, quebrados, e eu os comprava e tentava consertá-los. Geralmente, o defeito era muito simples - um fio óbvio que estava solto, ou alguma bobina que estava queimada ou com o enrolamento meio desfeito, assim eu conseguia consertar alguns deles. Uma noite, consegui sintonizar a rádio WACO em Waco, Texas, em um rádio desses – foi muito excitante!

Neste mesmo rádio a válvula fui capaz de ouvir, em meu laboratório, uma estação de Schenectady, chamada WGN. Nessa época, nós - eu, meus dois primos, minha irmã e a criançada da vizinhança - ouvíamos pelo rádio, no pé da escadaria, um programa chamado Eno Crime Club - sal de frutas Eno -, era o programa! Pois bem, descobri que podia ouvir este programa lá em cima, no meu laboratório, pela WGN, uma hora antes de ele ser transmitido de Nova York! Logo, eu sabia o que ia acontecer, e quando estávamos todos ao redor do rádio, lá embaixo, ouvindo o Eno Crime Club eu dizia: "Sabe, há muito tempo que não ouço falar do fulano de tal. Aposto que ele vai aparecer e resolver esta situação."

Dois segundos depois, tchan-tchan-tchan-tchan ..., ele aparece! Todos ficaram assombrados, e previ um par de outras coisas. Mas eles perceberam que devia haver algum truque nisso - ou seja, que, de alguma forma, eu já sabia. Então confessei que eu podia ouvir o programa antes, lá em cima no meu laboratório.

Naturalmente, você sabe qual foi o resultado. Agora eles não podiam esperar o horário normal. Todos tinham de sentar lá em cima, no meu laboratório, com aquele pequeno rádio desconjuntado, por quase meia hora, ouvindo o Eno Crime Club, de Schenectady.

Nessa época, morávamos em uma casa grande, que foi deixada por meu avô para os filhos, mas além da casa eles não tinham muito dinheiro. Era muito grande, de madeira, e eu passei uma fiação por toda a parte de fora e coloquei tomadas em todos os cômodos. Assim eu podia ouvir os meus rádios, que estavam lá em cima no meu laboratório. Também tinha um alto-falante - não o alto-falante completo, mas a parte sem a corneta grande.

Um dia, quando estava com meus fones de ouvido, liguei-os ao alto-falante e descobri algo: se pusesse meu dedo no alto-falante podia ouvi-lo no fone de ouvido; se arranhasse o alto-falante poderia ouvir nos fones de ouvido. Então descobri que o alto-falante podia funcionar como um microfone, nem era preciso baterias. Na escola, estávamos falando sobre Alexander Graham Bell, e então fiz uma demonstração do alto-falante e dos fones de ouvido. Na época eu não sabia, mas acho que era o tipo de telefone que ele originalmente usou.

Agora eu tinha um microfone e podia transmitir lá de cima da casa para baixo e lá de baixo para cima, usando os amplificadores de meus rádios de bazar de caridade. Naquela época, minha irmã Joan, nove anos mais nova do que eu, então com dois ou três anos, gostava de ouvir um sujeito no rádio chamado Tio Don. Ele cantava musiquinhas sobre "crianças boazinhas", coisas assim, e lia as cartas enviadas por pais dizendo que: "Fulana de tal está fazendo aniversário este sábado na Avenida Flatbush, 25."

Um dia minha prima Francis e eu sentamos Joan e dissemos a ela que havia um programa especial que ela deveria ouvir. Então corremos lá para cima e começamos a transmitir: "Aqui é o Tio Don. Conhecemos uma garotinha muito bacana, chamada Joan, que mora em New Broadway. O aniversário dela está chegando - não hoje, mas em tal dia. Ela é uma garota muito bonita." Cantamos uma musiquinha e depois fizemos uma música "Deedle leet deet, doodle doodle loot doot; deedle deedle leet, doodle loot doot doo ... ". Fizemos tudo que tínhamos combinado e, quando terminamos, fomos lá para baixo:

- Como é? Gostou do programa?

- Foi bom - ela disse -, mas por que você fez a música com a boca?

Um dia recebi um telefonema:

- O senhor é Richard Feynman?

- Sim.

- Aqui é do hotel. Temos um rádio que não funciona e gostaríamos de consertá-lo. Achamos que o senhor pode fazê-lo.

- Mas sou apenas um garoto - eu disse - não sei como ...

- Sim, sabemos disso, mas de qualquer modo gostaríamos que senhor viesse aqui.

Era um hotel que minha tia estava gerenciando, mas eu não sabia disso. Fui lá -eles ainda contam a história - com uma chave de fenda grande no bolso traseiro. Bem, eu era pequeno, logo, qualquer chave de fenda parecia grande em meu bolso.

Fui até onde estava o rádio e tentei consertá-lo. Não sabia nada sobre o defeito, e havia um faz-tudo no hotel, mas nem ele nem eu percebemos o botão solto do potenciômetro - que serve para aumentar o volume -, e por isso o eixo não girava. O faz-tudo saiu, passou a lima em algo e consertou o rádio.

O outro rádio que tentei consertar até então não funcionava de modo algum. Este foi fácil: não estava ligado direito. À medida que os consertos ficavam mais complicados, eu ficava cada vez melhor e mais sofisticado. Comprei um miliamperímetro em Nova York e transformei-o em um voltímetro com diferentes escalas, usando os comprimentos corretos (que eu calculei) de fios de cobre muito finos. Não era muito preciso, mas era bom o bastante para dizer se as coisas estavam no ponto certo nas diferentes conexões daqueles aparelhos de rádio.

O principal motivo pelo qual as pessoas me contratavam era a Depressão.

Eles não tinham dinheiro para mandar seus rádios para o conserto, e ouviam falar desse menino que faria um preço mais barato. Assim, eu subia em telhados para consertar antenas e todo o tipo de coisa. Tive uma série de dificuldades crescente. Por fim, peguei trabalhos do tipo converter um aparelho de corrente contínua em corrente alternada; foi muito difícil evitar o chiado no sistema, e não o montei muito bem. Não devia ter topado aquele trabalho, mas eu não podia adivinhar que seria tão difícil.

Um trabalho foi realmente sensacional. Na época, eu estava trabalhando para um tipógrafo. Um homem que o conhecia sabia que eu estava tentando conseguir trabalhos de consertar rádios, e mandou uma pessoa até a tipografia para me buscar. O cara era obviamente pobre - seu carro estava caindo aos pedaços - e fomos à sua casa, que ficava em uma parte pobre da cidade. No caminho, pergunto: "Qual o problema do rádio?"

Ele responde: "Quando eu o ligo, ele faz um barulho. Depois, o barulho para e tudo funciona bem, mas eu não gosto do barulho."

Penso comigo mesmo: "Que diabos! Se ele não tem dinheiro, acho que pode aguentar um barulhinho por um tempo."

O tempo todo, no caminho para sua casa, ele fica dizendo coisas como: "Você sabe alguma coisa sobre rádios? Como conhece rádios - você é só um garotinho!"

Ele vai pelo caminho todo me colocando para baixo, e eu pensando: "Qual é o teu problema? O rádio faz só um barulhinho."

Mas, quando chegamos lá, fui até o rádio e liguei-o. Barulhinho? Meu Deus! Não é de se estranhar que o pobre homem não suportasse o barulho. A coisa começou a rugir e tremer -wuh buh buh buh buh. Uma tremenda baru1heira. Então ele parou e começou a tocar direito. Comecei a pensar: "Como isto pode acontecer?"

Começo a andar de um lado para o outro, pensando, e descubro que uma das causas poderia ser as válvulas estarem esquentando na ordem errada, ou seja, se o amplificador estivesse todo quente, as válvulas prontas, mas sem nada para alimentá-las, ou se houvesse um retro circuito alimentando-as, ou algo errado na parte inicial - a parte de frequência de rádio -, e desse modo estivesse fazendo um monte de barulho, captando alguma coisa. E quando o circuito de frequência de rádio finalmente sintonizasse e as voltagens da grade da válvula se ajustassem, ficaria tudo bem.

Então o cara disse: "O que você está fazendo? Você vem para consertar o rádio, mas só fica andando de um lado para o outro!"

Digo: "Estou pensando!" E aí comento comigo mesmo: "Tudo bem, retire as válvulas e inverta completamente a ordem no aparelho." (Muitos aparelhos de rádio naquele tempo usavam as mesmas válvulas em diferentes lugares - acho que eram as 212 ou as 212-A.) Daí mudei as válvulas de lugar e fiquei na frente do rádio, e o rádio quieto como um cordeirinho, mas após aquecer, funcionou perfeitamente, sem barulho.

Quando uma pessoa demonstra uma reação negativa em relação a você, mas você consegue algo desse tipo, geralmente ela muda completamente, e para me compensar ele me conseguiu outros trabalhos, e comentava com todo mundo que gênio incrível que eu era, dizendo: "Ele conserta rádios pensando!" Toda essa ideia de parar e pensar para consertar um rádio - um garotinho para e pensa, e descobre como fazê-lo - ele nunca imaginou ser possível.

Os circuitos de rádio eram muito mais simples de se entender naquela época, porque tudo ficava exposto quando se abria o aparelho. Depois de desmontar o aparelho (era um grande problema achar os parafusos certos), você podia ver que aqui tinha um resistor, ali tinha um capacitor, aqui isso, ali aquilo; eles eram todos marcados. Se estivesse pingando cera do capacitor, ele estava muito quente, e você poderia dizer que o capacitor estava queimado. Se tivesse carvão em um dos resistores, já se sabia onde estava o problema. Ou, se não se soubesse qual era o problema ao olhá-lo, era só testá-lo com seu voltímetro e ver qual era a voltagem entre os terminais. A voltagem nas grades das válvulas era sempre cerca de 1,5 a 2 volts, e as voltagens nas placas eram de 100 ou 200, corrente contínua. Então, para mim não era difícil consertar um rádio desde que visse o que estava acontecendo dentro dele, e consertava o que não estava funcionando direito ou o que não funcionava.

Às vezes, demorava bastante tempo. Lembro-me de uma vez em particular quando levei uma tarde inteira para descobrir uma resistência queimada que não era evidente. Este caso específico aconteceu com uma amiga da minha mãe, naquela época eu tinha tempo - não tinha ninguém atrás de mim perguntando: "O que você está fazendo?" Ao contrário, perguntavam: "Você quer um pouco de leite ou um pedaço de bolo?" Finalmente, o consertei, porque tinha, e ainda tenho, persistência. Se começo um quebra-cabeça, não consigo parar. Se a amiga de minha mãe tivesse dito "não se preocupe, é muito trabalho", eu teria explodido, pois queria resolver o maldito problema, já que tinha ido tão longe. Tenho de continuar para descobrir, afinal de contas, qual é o problema.

É uma compulsão pelo quebra-cabeça. É o que me faz querer decifrar hieróglifos maias, tentar abrir cofres. Lembro que no curso secundário, no primeiro período, um sujeito vinha até mim com um problema de geometria, ou algum problema proposto para a sua turma avançada de matemática. Eu não conseguia parar até que resolvesse tudo - levava de quinze a vinte minutos. Mas, durante o dia, outras pessoas vinham a mim com o mesmo problema, e eu o resolvia em questão de segundos para eles. Então, para o primeiro que me trouxesse o problema, eu resolvia em vinte minutos, enquanto havia cinco outros caras que achavam que eu era um supergênio.

Assim, adquiri ótima reputação. Durante o ensino médio, todos os quebra-cabeças conhecidos pelo homem devem me ter sido apresentados. Todo maldito enigma maluco que as pessoas inventavam eu conhecia.



*Nota do Revisor Técnico: Até meados do século XX existiam lojas populares nos Estados Unidos, chamadas "Five and ten stores", que vendiam uma grande variedade de produtos de cinco a dez centavos.

** Nota do Revisor Técnico: Rádio de galena era um receptor de rádio simples formado por uma antena, um sintonizador e um detector que consistia de um cristal de galena.



(O senhor está brincando, sr. Feynman!, tradução de Cláudia Bentes David)



(Ilustração: Prabhdeep Singh - Richard Feynman)

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