sábado, 3 de junho de 2023

ROÇA, Manuela Margarido

 



A noite sangra

no mato,

ferida por uma aguda lança

de cólera.

A madrugada sangra

de outro modo:

é o sino da alvorada

que desperta o terreiro.

E o feito que começa

a destinar as tarefas

para mais um dia de trabalho.



A manhã sangra ainda:

salsas a bananeira

com um machim de prata;



capinas o mato

com um machim de raiva;

abres o coco

com um machim de esperança;

cortas o cacho de andim

com um machim de certeza.



E à tarde regressas

a senzala;

a noite esculpe

os seus lábios frios

na tua pele

E sonhas na distância

uma vida mais livre,

que o teu gesto

há-de realizar.



(Ilustração: Olavo Amado - mulheres na feira - São Tomé e Príncipe, 2005)

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