quarta-feira, 17 de novembro de 2021

MONSIEUR MONOD NO SABE CANTAR / MONSIEUR MONOD NÃO SABE CANTAR, de Blanca Varela

 




querido mío

te recuerdo como la mejor canción

esa apoteosis de gallos y estrellas que ya no eres

que ya no soy que ya no seremos

y sin embargo muy bien sabemos ambos

que hablo por la boca pintada del silencio

con agonía de mosca

al final del verano

y por todas las puertas mal cerradas

conjurando o llamando ese viento alevoso de la memoria

ese disco rayado antes de usarse

teñido según el humor del tiempo

y sus viejas enfermedades

o de rojo

o de negro

como un rey en desgracia frente al espejo

el día de la víspera

y mañana y pasado y siempre



noche que te precipitas

(así debe decir la canción)

cargada de presagios

perra insaciable ( un peu fort)

madre espléndida (plus doux)

paridora y descalza siempre

para no ser oída por el necio que en ti cree

para mejor aplastar el corazón

del desvelado

que se atreve a oír el arrastrado paso

de la vida

a la muerte

un cuesco de zancudo un torrente de plumas

una tempestad en un vaso de vino

un tango



el orden altera el producto

error del maquinista

podrida técnica seguir viviendo tu historia

al revés como en el cine

un sueño grueso

y misterioso que se adelgaza

the end is the beginning

una lucecita vacilante como la esperanza

color clara de huevo

con olor a pescado y mala leche

oscura boca de lobo que te lleva

de Cluny al Parque Salazar

tapiz rodante tan veloz y tan negro

que ya no sabes

si eres o te haces el vivo

o el muerto

y sí una flor de hierro

como un último bocado torcido y sucio y lento

para mejor devorarte



querido mío

adoro todo lo que no es mío

tú por ejemplo

con tu piel de asno sobre el alma

y esas alas de cera que te regalé

y que jamás te atreviste a usar

no sabes cómo me arrepiento de mis virtudes

ya no sé qué hacer con mi colección de ganzúas

y mentiras

con mi indecencia de niño que debe terminar este cuento

ahora ya es tarde

porque el recuerdo como las canciones

la peor la que quieras la única

no resiste otra página en blanco

y no tiene sentido que yo esté aquí

destruyendo

lo que no existe



querido mío

a pesar de eso

todo sigue igual

el cosquilleo filosófico después de la ducha

el café frío el cigarrillo amargo el Cieno Verde

en el Montecarlo

sigue apta para todos la vida perdurable

intacta la estupidez de las nubes

intacta la obscenidad de los geranios

intacta la vergüenza del ajo

los gorrioncitos cagándose divinamente en pleno cielo

de abril

Mandrake criando conejos en algún círculo

del infierno

y siempre la patita de cangrejo atrapada

en la trampa del ser

o del no ser

o de no quiero esto sino lo otro

tú sabes

esas cosas que nos suceden

y que deben olvidarse para que existan

verbigracia la mano con alas

y sin mano

la historia del canguro -aquella de la bolsa o la vida-

o la del capitán encerrado en la botella

para siempre vacía

y el vientre vacío pero con alas

y sin vientre

tú sabes

la pasión la obsesión

la poesía la prosa

el sexo el éxito

o viceversa

el vacío congénito

el huevecillo moteado

entre millones y millones de huevecillos moteados

tú y yo

you and me

toi et moi

tea for two en la inmensidad del silencio

en el mar intemporal

en el horizonte de la historia

porque ácido ribonucleico somos

pero ácido ribonucleico enamorado siempre



Tradução de Angélica Freitas:



meu querido

me lembro de ti como a melhor canção

essa apoteose de galos e estrelas que já não és

que já não sou que já não seremos

e contudo sabemos muito bem ambos

que falo pela boca pintada do silêncio

com agonia de mosca

no final do verão

e por todas as portas mal fechadas

conjurando ou chamando esse vento aleivoso da memória

esse disco arranhado antes de usar

tingido segundo o humor do tempo

e suas velhas doenças

ou de vermelho

ou de preto

como um rei em desgraça na frente do espelho

na véspera

e amanhã e depois de amanhã e sempre



noite que te precipitas

(assim deveria dizer a canção)

carregada de presságios

cadela insaciável (un peu fort)

mãe esplêndida (plus doux)

parideira e descalça sempre

para não ser escutada pelo néscio que em ti crê

para melhor esmagar o coração

do desvelado

que se atreve a ouvir o passo arrastado

da vida

da morte

uma casca de mosquito uma torrente de plumas

uma tempestade num copo de vinho

um tango



a ordem altera o produto

erro do maquinista

podre técnica continuar vivendo tua história

ao contrário como no cinema

um sonho grosso

e misterioso que se adelgaça

the end is the beginning

uma luzinha vacilante como a esperança

cor de clara de ovo

com cheiro de peixe e más intenções

obscura boca-de-lobo que te leva

de Cluny ao Parque Salazar

esteira rolante tão veloz e tão negra

que já não sabes

se és ou te fazes de vivo

ou de morto

e sim uma flor de ferro

como um último bocado torto e sujo e lento

para melhor devorar-te



meu querido

adoro tudo o que não é meu

tu por exemplo

com tua pele de asno sobre a alma

e essas asas de cera que te dei

e que jamais te atreveste a usar

não sabes como me arrependo de minhas virtudes

já não sei o que fazer com a minha coleção de chaves falsas

e mentiras

com minha indecência de menino que deve terminar este conto

agora já é tarde

porque a recordação como as canções

a pior a que quiseres a única

não resiste a outra página em branco

e não tem sentido que eu esteja aqui

destruindo

o que não existe



meu querido

apesar disso

tudo continua igual

o arrepio filosófico depois do chuveiro

o café frio o cigarro amargo O Lodo Verde

no Montecarlo

continua livre para todos os públicos a vida perdurável

intacta a estupidez das nuvens

intacta a obscenidade dos gerânios

intacta a vergonha do alho

os pardaizinhos cagando divinamente em pleno céu

de abril

Mandrake criando coelhos em algum círculo

do inferno

e sempre a patinha de caranguejo presa

na trapaça do ser

ou do não ser

ou de não quero isto mas aquilo

tu sabes

essas coisas que nos acontecem

e que devem ser esquecidas para que existam

por exemplo a mão com asas

e sem mão

a história do canguru – aquela da bolsa ou a vida –

ou a do capitão preso na garrafa

para sempre vazia

e o ventre vazio mas com asas

e sem ventre

tu sabes

a paixão a obsessão

a poesia a prosa

o sexo o êxito

ou vice-versa

o vazio congênito

o ovinho pintado

entre milhões e milhões de ovinhos pintados

tu e eu

you and me

toi and moi

tea for two na imensidão do silêncio

no mar intemporal

no horizonte da história

porque ácido ribonucleico somos

mas ácido ribonucleico apaixonado sempre





(Ilustração: Javier Marín)



Nenhum comentário:

Postar um comentário