sexta-feira, 15 de janeiro de 2016

MORTE DE MOEMA, de Olga Savary





A tempestade serenara

mas um cruel manitó

sobre o cortejo do vento

cravara a sombra da Morte.

Nem bem o raio da aurora

rasgara o luto do céu

um anhangá ou anhanguera

de luto os ares empanam

dando ao litoral o corpo

da índia que o amor

a vida entrega a Tupã.

Ainda paira a lembrança

dos olhos molhados,

dos seios emersos

e os lábios da jovem

– pelo branco apaixonada,

que enfastiado se vai-

soluçante a implorar

ao indiferente amado:

“Preciso de ti.

Chamei da manhã à noite,

o Sol ouviu-me chamar-te,

a Lua ouviu o teu nome

mas nem assim entendeste,

não atendeste ao chamado,

não pudeste me escutar.”

O barco a afastar-se,

pior que curare,

levou o ingrato

que breve a esqueceu.

Atrás dele nada a índia

até já não ter mais fôlego

e desalentar.

E ouvia-se ainda

num vago murmúrio:

“Eu não te esqueci.”

Sua fala em voz baixa

o mar bravo devora.

Digo-lhe eu, a Autora:

Este amor te mata.

Tudo bem, o amor

é mais forte que o fogo

mais forte que a água,

o homem não destrói

nem pode apagar,

mas este amor te mata.

Repetiam ondas

às conchas de seus ouvidos:

“Te mata, te mata.”

Nadar assim que nem louca

desafia-lhe o limite

e eis os cabelos grossos.

igual crina de cavalo,

nem branca nem negra,

não sorri mais encantada

pra nossos guizos, miçangas,

facas, espelhinhos,

a pele toda pintada

de tinta preta e vermelha

(urucum e jenipapo).




Lentamente e rápido

o Brasil pra trás,

sua pátria agora é o mar.

Carrasca consigo,

mouca, não ouve a ressaca

das grandes massas de água:

está vestida de sonho.

Uma onda mais brava

pode lhe ser colar

ou forca.

De primazia terrestre,

desmancha-se na água

do Mar-Oceano,

Os olhos mortiços

da bela aimoré

(ou tupinambá)

abandonam o sonho

no sonho das águas,

fechando-se ao enleio

de um sono fatal.

Aquela que era moça

no mar vira peixe

mas peixe sem mexer,

peixe que não nada. Nada.

Do mar alto, altas ondas

a tomaram das águas,

espumas a arrebatam

do remoinho das vagas,

dedos ávidos erguiam

este âmbar encharcado

dos cabelos enluarados,

dedos se erguiam de espumas,

espumas cheias de dedos

tal gravura oriental.

Rolando nas ondas

da viva procela

por fim chega à praia

o corpo trigueiro

da índia já morta.

Maré negra veio dar

à praia, fera com ela.

E a praia a recebeu

com toda a fina pompa

das garras brancas.

Agarra-se à índia

a salsugem da praia,

cravando-a na areia.

E ali ela ficou

parada como a sonhar.

A vaga que a trouxe,

sem querer deixá-la,

a nudez lhe afaga

gemendo espumas.

As aves da mata,

crescidas com ela,

emudecem o canto,

chorando-lhe a sorte.

O orvalho da madrugada

alerta vira lágrima

de esperança na face

da jovem afogada.

Do flanco delgado

descera o enduape,

da fronte resvala

o acangatara

e desfazem-se as penas

num rito de dor.

Os cabelos de âmbar

colados à rocha

o rosto da índia

inda tornam mais pálido.

Os braços inertes,

fatal abandono,

suplicam ainda:

“Preciso de ti.”

E eu a Autora,

crítica, lhe digo:

Este amor te mata.

No ar consternado

da praia deserta

agora é só sombra

a natureza

antes em festa

e adeja a gaivota

na orgia da morte.

– Tupã, tu que a amaste,

revive-lhe o riso

que já te prendeu

E vós, ó irmãos,

cessai o festim!

Refreai os golpes

da ivirapema

e o canitar rompei

num rasgo de dor.

Tomai da cauaba

e ao chão atirai

o ardente cauim.

É finda a alegria

e aos pés de Tupã

jaz a taça partida:

sem mais vista, olfato,

audição ou tato,

esplendor da paixão,

Moema está morta.





(Ilustração: escultura de Rodolfo Bernardelli: Moema; foto da internet)















Nenhum comentário:

Postar um comentário