domingo, 30 de agosto de 2015

O ENIGMA DA NATUREZA ÉTICA - NÓS SOMOS MORAIS, IMORAIS OU AMORAIS?, de Michael Shermer





No final da década de 1830, em suas meditações sobre as implicações de sua hipótese evolucionária ainda em germe, Darwin escreve em seu Caderno M: "Aquele que entender o babuíno faria mais pela metafísica do que Locke." E: "Nossa ascendência, tal é a origem de nossas paixões más!! - O Diabo sob a forma de babuíno é nosso avô!" (in Barrett, 1974, pp. 57, 63).

Darwin foi o primeiro psicólogo evolucionista e eticista. Herbert Spencer veio logo depois com The Data of Ethics [Os Dados da Ética], no qual ele entusiasticamente aplicava a seleção darwiniana às escolhas morais. Thomas Huxley (1899) e Alfred Russel Wallace (1870), no entanto, eram céticos quanto ao alcance da teoria evolutiva no campo da ética, questionando que vantagem seletiva um sistema ético teria dado a um indivíduo ou espécie.

Pela época da 1.ª Guerra Mundial, o estudo da ética evolucionista esteve em sério declínio, junto com o próprio darwinismo. Entre as duas guerras ela foi revista por Julian Huxley & C. H. Waddington em conjunção com a moderna síntese, mas voltou a morrer após a 2.ª Guerra Mundial, em parte como resultado da visão extremamente anti-hereditária da psicologia e das ciências sociais (uma resposta compreensível à eugenia feita pelos nazistas e ao holocausto).

E assim ela permaneceu dormente por 30 anos até que, em 1975, o biólogo de Harvard Edward O. Wilson publicou sua obra magna de 700 páginas, Sociobiology: The New Synthesis [Sociobiologia: A Nova Síntese]. Ironicamente, só o capítulo final tratava de seres humanos ("Homem: Da Sociobiologia para a Sociologia"), e era apenas numa seção curta, que mal chegava a duas páginas, que o leitor de fato encontrava ética. Mas o que é dito, quando é dito e quem diz importam na ciência, e isto é o que Wilson dizia: "Os cientistas e os humanistas devem considerar juntos a possibilidade de que chegou a hora de remover temporariamente a ética das mãos dos filósofos e biologizá-la."

Como a solitária linha de Darwin no final de A Origem das Espécies -- "a luz será lançada sobre a origem do homem e sua história" --, a frase de Wilson disparou um tiro ouvido por todo o mundo intelectual. Elogios consideráveis, mas consideravelmente mais dor se abateu sobre Wilson, incluindo um jarro d'água lançado sobre sua cabeça no encontro da American Association for the Advancement of Science (AAAS) [Associação Americana para o Avanço da Ciência] no Sheraton Park Hotel em Washington, D.C., 1978. Stehphen Jay Gould repreendeu os manifestantes, dizendo-lhes que suas ações eram o que Lênin havia desprezado com o rótulo de "Esquerdismo Infantil", enquanto o antropólogo Napoleon Chagnon tentava retirá-los do palco dos conferencistas. Wilson deixou sua caneta dar a resposta, mais tarde naquele mesmo ano, com On Human Nature [Da Natureza Humana] (ganhando um Prêmio Pulitzer no processo), no qual ele sucintamente lançou o desafio (p. 7):

Acima de tudo, se não por outro motivo além para nosso próprio bem estar físico, a filosofia ética não pode ser deixada nas mãos dos que são meramente sábios. Embora o progresso humano possa ser obtido pela intuição e pela força de vontade, só o conhecimento empírico duramente conquistado de nossa natureza biológica nos permitirá fazer as escolhas ótimas entre os critérios de progresso que competem entre si. 

O desafio foi aceito por Donald Symons (1979), Robert Axelrod (1984), Robert Trivers (1985), Michael Ruse (1986), Robert Richards (1987), Richard Alexander (1987), John Maynard Smith (1992), James Q. Wilson (1993), W. D. Hamilton (1996), Frans De Waal (1996), e muitos outros. (Cf. The Moral Animal de Robert Wright, 1994, para uma instigante história da ética evolucionista; The Temptations of Evolutionary Ethics, de Paul Farber, 1994, para uma história acadêmica e crítica; Vaulting Ambition, de Philip Kitcher's, 1995, para uma forte crítica; e Issues in Evolutionary Ethics, de Paul Thompson, 1995, para uma antologia das obras mais importantes na área, a favor e contra).

O Gene Egoísta (1976), de Richard Dawkins [N.T.: Disponível em português], foi especialmente influente em levar as pessoas a pensar sobre a aplicação da ciência e da evolução ao comportamento humano, incluindo o comportamento moral. Para o conceito de genes como portadores de informação, Dawkins adicionou o de "memes", portadores culturais de informação que vão além da biologia e ainda assim agem de forma muito parecida com a dos genes em termos de propagação, seleção e mutação. Ele até tratou as ideias religiosas como memes-vírus que, à maneira dos vírus de computador, invadem nosso software mental, destruindo nossos programas para o pensamento e o comportamento racionais.



(Publicado em Skeptic, vol. 4, n.º 2, 1996, pp. 78-87. Tradução de Rodrigo Farias)



(Ilustração: escultura de Alberto Giacometti - foto de autor não identificado)














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