sábado, 25 de julho de 2015

A MELANCOLIA ROMÂNTICA, de Chateaubriand





Falta falar de um estado de alma que, segundo nos parece, ainda não foi devidamente observado: é aquele que precede o desenvolvimento das paixões, quando as nossas faculdades, vigorosas, ativas, intactas, mas reprimidas se exercem apenas sobre si mesmas, mas sem finalidade nem propósito. Quanto mais os povos avançam na civilização, mais este estado de melancolia das paixões aumenta, porque acontece então uma coisa lamentável: o grande número de exemplos que se oferecem, a enorme quantidade de livros que tratam do homem e dos seus sentimentos proporcionam conhecimento, mas não experiência. A impossibilidade de qualquer fruição gera o desengano; restam ainda os desejos, mas só se tem desilusões. A imaginação é rica, abundante e maravilhosa; a existência, pobre, árida e desolada. Habita-se, com o coração pleno, um mundo vazio e, sem se ter usufruído nada, está-se desenganado de tudo.

A amargura que este estado de espírito infunde à vida é inacreditável; o coração dá mil voltas e contorce-se sobre si mesmo para esgotar as forças que sente que lhe são inúteis. Os antigos pouco conheceram desta inquietude secreta, desta acrimônia das paixões sufocadas que fermentam ao mesmo tempo: uma grande participação política, os jogos no ginásio e no Campo de Marte, as disputas no Fórum e na praça pública preenchiam todos os momentos da vida e não deixavam espaço para o tédio do coração.

Por outro lado, eles não eram propensos aos exageros, às esperanças, aos medos sem motivo, à mobilidade das idéias e dos sentimentos, à perpétua inconstância que não é senão um desgosto constante, disposições estas que adquirimos no convívio com as mulheres. As mulheres, além da paixão direta que despertam nos povos modernos, influem ainda em outros sentimentos. Elas têm na sua maneira de ser um certo abandono que transferem para nós; elas tornam o nosso caráter viril menos decidido e as nossa paixões, amolecidas ao contato com as delas, assumem qualquer coisa de simultaneamente inseguro e terno.

Enfim, os gregos e os romanos, porque quase não desviavam a sua atenção para além dos limites desta vida e porque não suspeitavam de prazeres mais perfeitos do que os deste mundo, não eram levados como nós às meditações e aos desejos, pela própria característica dos seus cultos. Concebida para as nossas misérias e necessidades, a religião cristã oferece-nos permanentemente o duplo quadro dos pesares da terra e das alegrias celestiais e, por este modo, produz no coração uma fonte de males presentes e de esperanças longínquas de onde provêm fantasias inesgotáveis. O cristão considera-se sempre um viajante que atravessa um vale de lágrimas aqui na terra e que só terá repouso no túmulo. O mundo não é o objeto dos seus desejos, porque ele sabe que "o homem poucos dias vive" e que este objeto lhe escaparia em pouco tempo.

As perseguições sofridas pelos primeiros fiéis aumentaram neles a mágoa pelas coisas da vida. As invasões bárbaras levaram-na ao auge e o espírito humano adquiriu, assim, uma impressão de tristeza e um tom de misantropia que nunca mais se desvaneceu completamente. Por toda a parte se construíram conventos para onde se retiraram os infelizes desiludidos com o mundo e as almas que preferiam ignorar certos sentimentos da vida e sujeitarem-se a vê-los traídos cruelmente. Mas nos dias de hoje, em que faltaram os mosteiros, ou a virtude que a eles conduz, as almas ardentes sentiram-se estrangeiras entre os homens. Desgostosas com a sua época, apavoradas pela religião, permaneceram no mundo sem se entregarem ao mundo: tornaram-se, então, presa de mil quimeras; vimos surgir então essa melancolia condenável que se engendra no seio das paixões, quando estas paixões sem propósito se consomem a si mesmas num coração solitário.




(Ilustração: Javier Arizabalo)


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