sábado, 2 de maio de 2015
A POMBA E A ESTRUMEIRA, de Raul Pompeia
Eu quero um noivo rico...
Que não seja formoso!... Formosa já sou eu... Quero um noivo de ouro, de ouro
como o bezerro. Adoro tudo que é de ouro: as joias, as moedas e o bezerro
mosaico. Quando durmo, sobre o meu corpo os sonhos entornam douradas
cascatas... As auroras são belas para mim, porque têm diademas de ouro. Ama-se
geralmente a montanha pela verdura basta e frondosa, que a reveste; eu amo a
montanha, porque sinto lá dentro da crosta granítica, o espesso filão dourado.
Há quem adore o ciciar do córrego, cachoeirando-se pelas pedrinhas afora; eu
acho apenas adorável o ribeiro, quando rola palhetas de ouro nas areias do
leito... Com o ouro faz-se o domínio e funde-se o trono. Os imperadores romanos
faziam esculpir em ouro as próprias figuras...
Os raios do sol são de
ouro.
Enfim, eu serei
conquistada pelo ouro... A formosura tem a glória de valer o grande metal e de
poder trocar-se por ele.
A mulher que se deixa
conquistar pelo ouro passa a ser conquistadora; a fraqueza da formosura
transfunde-se na onipotência do metal... De que serviria a nós outras,
mulheres, a beleza, se a beleza não fosse ouro no mercado da vida e se o ouro
não exigisse o formoso róseo da nossa carne para mais fino realce?!... Os homens
dominam pela matéria, que é o ouro, nós dominamos pelo ideal, que é a sedução.
A aliança dos dous domínios faz o domínio supremo... Esta é a verdade. Por
isso, eu quero um noivo rico. Um noivo de ouro; de ouro maciço como o bezerro
do velho testamento... Pertenço a quem mais der!... O calão vulgar da canalha
chama isso vender-se...
Eu vendo-me!
Eu estava horrorizado. E
ela dizia a brilhante catadupa de blasfêmias com aqueles mimosos lábios, que eu
supusera feitos para o murmúrio doce das santas confidências da virtude e do
amor...
Como era horrível a
lagarta amarela do ouro, a sair por entre as rosas daquela boca!
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Diante de nós, lá embaixo,
no jardim, haviam acumulado a um canto uma grande porção de estrume.
Sobre o estrume, uma pomba
branca, de lindos pés sanguíneos e sanguíneo bico, revolvia com as unhas o
monte infecto, procurando alimento...
Fez-me estremecer o
epigrama da casualidade.
(Contos)
(François-Émille
Barraud - les songes creux)
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