sábado, 6 de julho de 2013

VOCÊ: BRASIL, de Jorge Barbosa








Eu gosto de você, Brasil,

porque você é parecido com a minha terra.

Eu bem sei que você é um mundão

e que a minha terra são

dez ilhas perdidas no Atlântico,

sem nenhuma importância no mapa.

Eu já ouvi falar de suas cidades:

A maravilha do Rio de Janeiro,

São Paulo dinâmico, Pernambuco, Bahia de Todos-os-Santos.

Ao passo que as daqui

Não passam de três pequenas cidades.

Eu sei tudo isso perfeitamente bem,

mas Você é parecido com a minha terra.




E o seu povo que se parece com o meu,

que todos eles vieram de escravos

com o cruzamento depois de lusitanos e estrangeiros.

E o seu falar português que se parece com o nosso falar,

ambos cheiros de um sotaque vagaroso,

de sílabas pisadas na ponta da língua,

de alongamentos timbrados nos lábios

e de expressões terníssimas e desconcertantes.

É a alma da nossa gente humilde que reflete

A alma das sua gente simples,




Ambas cristãs e supersticiosas,

sortindo ainda saudades antigas

dos sertões africanos,

compreendendo uma poesia natural,

que ninguém lhes disse,

e sabendo uma filosofia sem erudição,

que ninguém lhes ensinou.




E gosto dos seus sambas, Brasil, das suas batucadas.

dos seus cateretês, das suas toadas de negros,

caiu também no gosto da gente de cá,

que os canta dança e sente,

com o mesmo entusiasmo

e com o mesmo desalinho também...

As nossas mornas, as nossas polcas, os nossos cantares,

fazem lembrar as suas músicas,

com igual simplicidade e igual emoção.




Você, Brasil, é parecido com a minha terra,

as secas do Ceará são as nossas estiagens,

com a mesma intensidade de dramas e renúncias.

Mas há no entanto uma diferença:

é que os seus retirantes

têm léguas sem conta para fugir dos flagelos,

ao passo que aqui nem chega a haver os que fogem

porque seria para se afogarem no mar...




Nós também temos a nossa cachaça,

O grog de cana que é bebida rija.

Temos também os nossos tocadores de violão

E sem eles não havia bailes de jeito.

Conhecem na perfeição todos os tons

e causam sucesso nas serenatas,

feitas de propósito para despertar as moças

que ficam na cama a dormir nas noites de lua cheia.

Temos também o nosso café da ilha do Fogo

que é pena ser pouco,

mas — você não fica zangado —

é melhor do que o seu.




Eu gosto, de Você, Brasil.

Você é parecido com a minha terra.

O que é é tudo e à grande

E tudo aqui é em ponto mais pequeno...

Eu desejava ir-lhe fazer uma visita

mas isso é coisa impossível.

Eu gostava de ver de perto as coisas

espantosas que todos me contam

de Você,

de assistir aos sambas nos morros,

de esta cidadezinha do interior

que Ribeiro Couto descobriu num dia de muita ternura,

de me deixar arrastar na Praça Onze

na terça-feira de Carnaval.

Eu gostava de ver de perto um lugar no Sertão,

e de apertar a cintura de uma cabocla — Você deixa? —

e rolar com ela um maxixe requebrado.

Eu gostava enfim de o conhecer de mais perto

e você veria como é que eu sou bom camarada.




Havia então de botar uma fala

ao poeta Manuel Bandeira

de fazer uma consulta ao Dr. Jorge de Lima

para ver como é que a poesia receitava

este meu fígado tropical bastante cansado.

Havia de falar como Você

Com um i no si

— “si faz favor —

de trocar sempre os pronomes para antes dos verbos

— “mi dá um cigarro!”.




Mas tudo isso são coisas impossíveis, — Você sabe?

Impossíveis.





(No ritmo dos tantãs; antologia poética dos países africanos de língua portuguesa; poeta cabo-verdiano)




(Ilustração: Di Cavalcanti)

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