segunda-feira, 15 de julho de 2013

OS SEXOS, de Dorothy Parker






O rapaz de gravata extravagante olhou nervosamente para a jovem vestida de babados, ao seu lado no sofá. Ela examinava o seu lencinho com tal interesse que era como se aquela fosse a primeira vez que via um e tivesse se encantado pela sua forma, material e possibilidades. O rapaz pigarreou, produzindo um ruído baixinho e sincopado, sem necessidade e sem sucesso.

- Quer um cigarro? - perguntou.

- Não, obrigada - disse ela. - Imensamente obrigada, de qualquer maneira.

- Perdão, só tenho desta marca - disse ele. Você tem da marca que gosta?

- Não sei, talvez tenha - disse ela. - Mas obrigada assim mesmo.

- Porque, se não tiver, não me custaria mais que um minuto para ir à esquina
e comprar um maço.

- Oh, obrigada, mas eu não lhe daria este trabalho por nada deste mundo -disse ela. - É extremamente gentil da sua parte oferecer-se para isso, mas muito obrigada.

- Droga, quer parar de ficar me agradecendo o tempo todo? - disse ele.

- Realmente - disse ela -, eu não sabia que estava dizendo nada inconveniente. Mil perdões se o magoei. Sei como a gente se sente quando é magoada. Nunca imaginei que fosse um insulto dizer "obrigada" a alguém. Não estou exatamente habituada a ouvir alguém gritar comigo quando digo "obrigada".

- Não gritei com você! - gritou ele.

- Ah, não? - disse ela. - Sei.

- Meu Deus - disse ele -, só lhe perguntei se podia ir lá fora comprar cigarros para você. É motivo para você subir pelas paredes?

- Quem está subindo pelas paredes? - disse ela. - Eu apenas não sabia que era um crime dizer que jamais sonharia em lhe dar esse trabalho. Talvez eu seja muito burra ou coisa assim.

- Afinal, quer ou não quer que eu vá lá fora lhe comprar cigarros? - disse ele.

- Pelo amor de Deus - disse ela -, se quer tanto ir, não se sinta na obrigação de ficar aqui. Não se sinta amarrado.

- Ora, não seja assim, tá bom? - disse ele.

- Assim como? - disse ela. - Não estou sendo assim nem assado.

- O que há com você? - disse ele.

- Ué, nada - disse ela. - Por quê?

- Você está esquisita esta noite - disse ele. - Mal me dirigiu a palavra desde que cheguei.

- Peço-lhe mil perdões se não está se divertindo - disse ela. - Por favor, não se sinta obrigado a ficar se está se aborrecendo. Aposto que há milhões de outros lugares onde você se divertiria muito mais. Acontece que eu deveria ter pensado um pouco melhor antes. Quando você disse que viria aqui esta noite, desmarquei um monte de compromissos para ir ao teatro ou algo assim. Mas não faz a mínima diferença. Preferia até que você fosse se divertir em outro lugar. Não é muito agradável ficar sentada aqui, achando que vou matar alguém de tédio.

- Não estou morrendo de tédio! - ele urrou. - E não quero ir a lugar nenhum! Por favor, querida, qual é o problema? Me conte.

- Não tenho a menor idéia do que você está falando - ela disse. - Não há o menor problema. Não sei o que você quer dizer com isso.

- Sabe, sim - disse ele. - Há algum problema. Foi alguma coisa que eu fiz?

- Deus do céu - disse ela -, não é absolutamente da minha conta qualquer coisa que você faça. Seja o que for, eu jamais teria o direito de criticá-la.

- Quer parar de falar desse jeito, por favor? - disse ele.

- Falar de que jeito? - disse ela.

- Você sabe muito bem - disse ele. - Do mesmo jeito com que você falou comigo ao telefone hoje. Estava tão ranzinza quando liguei que tive até medo de falar.

- Perdão - disse ela. - Como é que eu estava mesmo?

- Está bem, desculpe - disse ele. - Retiro a expressão. É que, às vezes, você me enche o saco.

- Lamento - ela disse -, mas não estou habituada a ouvir esse tipo de linguagem. Ninguém nunca falou assim comigo, em toda a minha vida.

- Já lhe pedi desculpas, não pedi? - ele gemeu. - Juro, querida. Não sei como pude dizer uma coisa dessas. Vai me perdoar, vai?

- Oh, claro - disse ela. - Pelo amor de Deus, não fique se desculpando. Não faz a menor diferença. Só achei engraçado ver alguém que sempre considerei uma pessoa educada entrar na minha casa e usar um palavreado como este. Mas não faz a mínima diferença.

- Bem, acho que nada do que eu diga faz a menor diferença para você - ele disse. - Você parece magoada comigo.

- Eu, magoada com você? - ela esse. - Não sei de onde você tirou essa idéia. Por que eu estaria magoada com você?

- É o que eu gostaria de saber - disse ele. - Não vai me dizer o que houve? Fiz alguma coisa para magoá-la, querida? Do jeito que você estava no telefone, fiquei preocupado o dia inteiro. Nem consegui trabalhar direito.

- Eu certamente não gostaria de saber que estou interferindo no seu trabalho - disse ela. - Sei que muitas garotas fazem esse tipo de coisa sem a menor cerimônia, mas eu acho terrível. Não é muito agradável ficar aqui ouvindo que estou interferindo no trabalho de alguém.

- Eu não disse isso! - ele berrou.

- Ah, não? - ela disse. - Bem, foi o que entendi. Deve ser a minha estupidez.

- Acho que o melhor mesmo é ir embora - disse ele. - Nada dá certo. Tudo que eu digo só serve para chateá-la cada vez mais. Quer que eu vá?

- Por favor, faça exatamente o que estiver com vontade de fazer - ela disse. A última coisa que eu gostaria de fazer seria obrigá-lo a ficar quando você prefere ir a outro lugar. Por que não vai a algum lugar onde não se aborreça tanto? Por que não vai à casa de Florence Leaming, por exemplo? Tenho certeza de que ela adoraria recebê-lo.

- Não quero ir à casa de Florence Leaming! - ele zurrou. - O que eu iria fazer na casa de Florence Leaming? Ela é um pé!

- Ah, é? - disse ela. - Não era o que você parecia pensar na festa de Elsie, ontem à noite, como eu notei. Ou não teria conversado com ela a noite toda, sem tempo para mais ninguém.

- Exatamente, e sabe por que eu estava conversando com ela? - disse ele.

- Bem, suponho que você a ache bonita - disse ela. - Algumas pessoas acham. É perfeitamente natural. Há quem a ache bonita.

- Não sei se ela é feia ou bonita - disse ele. - Se ela entrasse agora por esta porta, não sei se a reconheceria. Só fui conversar com ela porque você não me deu a mínima atenção ontem à noite. Eu me dirigia a você e você só sabia dizer, "Oh, como vai?" O tempo todo: "Oh, como vai?" E virava as costas imediatamente.

- Eu não lhe dava a mínima? - ela se espantou. - Oh, mas é tão engraçado! É engraçadíssimo! Não se importa que eu ria, não?

- Pode rir até engasgar - ele disse. - Mas que é verdade, é.

- Bem, no instante em que você chegou, começou a fazer um fuzuê por causa de Florence Leaming, como se o resto do mundo não existisse. Vocês dois pareciam estar se divertindo tanto que eu jamais teria me intrometido.

- Meu Deus - ele disse -, a tal moça Florence-não-sei-das-quantas veio falar comigo antes que eu visse qualquer conhecido. O que você queria que eu fizesse? Que lhe desse um soco no nariz?

- Bem, certamente, não o vi tentar - disse ela.

- Mas me viu tentar falar com você, não viu? - disse ele. - E o que você fez? Ficou repetindo "Oh, como vai?" Aí a tal Florence apareceu de novo e me segurou. Florence Leaming! Acho ela horrível. Quer saber o que eu acho dela? Que é uma pateta.

- Bem - disse ela -, claro que essa sempre foi a impressão que tive de Florence, mas sabe-se lá? Há quem a ache linda.

- Ora - disse ele -, como ela poderia ser linda estando na mesma sala que você?

- Nunca vi um nariz tão feio - disse ela. - Tenho pena de qualquer garota com um nariz como aquele.

- Pois é, um nariz horroroso - disse ele. - Já o seu nariz é lindo. Puxa, como o seu nariz é bonito!

- Ora, que nada - ela disse. - Você está louco.

- Ah, é? - ele disse. - E os seus olhos? E o seu cabelo e a sua boca? E olhe que mãos você tem! Venha cá, me empreste uma dessas mãozinhas. Ai, que mão! Quem tem as mãos mais gostosas do mundo? Quem é a garota mais gostosa do mundo?

- Não sei - ela disse. - Quem?

- Não sabe! - ele riu. - Claro que sabe.

- Não - ela disse. - Quem? Florence Leaming?

- Florence Leaming, uma ova - ele disse. - Está puta comigo por causa de Florence Leaming! E eu sem dormir a noite toda e sem conseguir trabalhar o dia inteiro porque você não falava comigo! Uma garota como você se preocupando com um estupor como Florence Leaming!

- Acho que você é completamente louco - disse ela. - Não estava preocupada.  O que o fez pensar que eu estava? Você é louco. Oh, minhas pérolas novas. Deixe-me tirá-las primeiro. Pronto.



(Tradução de Ruy Castro)



(Ilustração: Damian Klaczkiewicz)


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