segunda-feira, 8 de novembro de 2010

O PASSADO PASSA, de Marcelo Rubens Paiva






Não foi apenas por comodidade que sua historia com H durou tanto tempo. Depois de dez anos casado, e acometido pela doença diagnosticada “síndrome de tristeza pós-separação”, foi H quem apareceu e mereceu toda a atenção. E dedicação. Tão previsível, diriam os adivinhos das relações.


Faca as contas. Ele, com 38 anos. Ela, com 17. Se conheceram num restaurante. Ele era amigo do pai dela, com quem foi jantar. H apareceu na sobremesa, com os olhos mais brilhantes do que as velas das mesas, e a saia mais curta do que o expresso do local.



Ele era mais do que amigo do pai. Trabalharam juntos. Mais que trabalharam. Ele foi o seu primeiro patrão. Não apenas um. Definição: foi o seu mentor. Quem disse, no primeiro dia de trabalho, a frase com a qual ele passou amoldar a sua vida: “Você vai errar, mas, contanto que seja ousado, erre mais.”



Ouse, a regra que tomou para si em todos os trabalhos que realizou. Ouse, o verbo que dita as suas decisões ate hoje.



A pequena H teve apenas um homem-garoto antes dele. Vivia a histeria impregnada numa Lolita: num minuto, o mundo parece perfeito, no outro, uma desgraça; num instante, pensa em se jogar pela janela, no outro, ama tudo e todos a sua volta.



Uma inconstância hormonal que transforma as ninfetas em surpresas fascinantes, intrigantes, excitantes; pequenos furacões que se dissipam e largam para trás o céu claro.



Foi a primeira com quem ele foi para a cama depois de uma década casado e fiel.O cheiro mais doce de todas as mulheres. A inexperiência compensada pelo fogo.Um corpo atrás de aprendizado e consumo. Já escrevi uma vez: “Transar com uma ninfeta e como nadar numa piscina em dia de chuva.”



Ela não sabia nada, mas queria tudo.



Os pais apoiaram a relação incomum, já que ele era uma ancora de confiança para a garota a deriva. A família e amigos dele o condenaram: é uma criança; idade da sua sobrinha; vai fazê-la sofrer; o que você ganha em troca?



Só sexo? Claro que não. H lhe fazia bem.H curava as suas queimaduras.H dormia abraçada. H mostrava novas bandas, baladas, bares.H tinha uma ética e bondade,talvez fruto de uma pureza contaminada pela inocência, que contrastava com o mundo em volta.



Ele a ensinou a dirigir. Ia buscar na faculdade de Belas Artes. Levou aos melhores filmes. Tirou seu passaporte.Foram juntos para Nova York. Comeram nos melhores restaurantes. E ensinou a gozar.



O tempo passou. Um mês. Um semestre. Um ano.



Por vezes, H o envergonhava, especialmente numa roda com os amigos dele, em que ela falava uma bobagem digna da idade, diante de casais que, nos bastidores, desdenhavam a situação.



Suas expressões divertiam todos: “que fofinho”;“que uó”; “tipo assim...”; “sussa”. Suas opiniões eram radicais: ou tudo era lindo ou nojento.



Como uma pequena Maiakovski (“vosso trigésimo século ultrapassara o exame de mil nadas, para que o pai seja pelo menos o Universo, e a mãe pelo menos a Terra”), queria revolucionar o mundo, mas não sabia exatamente como furar o bloqueio da opressão.



Claro que um dia a verdade apareceu. Ele sentiu falta de alguém mais maduro, com as mesmas experiências. Apaixonou-se por uma advogada. E teve de cortar as asas de H. Afirmou, com convicção, que ela era linda e incrível, mas que não daria certo.



“É a diferença de idade?”, ela perguntou. Ele nem precisou responder. “Quem sabe quando você tiver 30 anos, a gente recomeça.”



Ela foi profética: “Você nunca vai encontrar uma mulher que o amou tanto quanto eu.”



Ele se casou coma advogada. Durou quatro anos. Se casou com uma jornalista. Durou dois. Se casou com uma atriz. Durou um. H deu para todos os amigos e os dele, se casou com uma guitarrista de uma banda punk,namorou uma cantora da MPB, se casou com um cocainômano, caiu de bêbada em todos os bares, abriu negócios que faliram, engordou, emagreceu, perdeu o pai, a mãe se mudou para Brasília, viveu com amigas e amigos.



Nunca perderam o contato. Nunca deixou de visitá-la nos aniversários dela. Nunca deixou de dar conselhos e carinho. E sempre se lembravam do pacto rindo. Que se cumpriu 13 anos depois.



Ambos estavam em sintonia; na mesma ressaca de recentes separações. Foi por acaso que ele ligou, e ela propôs: “To com fome de você. Vamos dormir juntos?”



Chegou à casa em que ainda havia objetos de decoração que ela dera no passado. Dormiram na mesma cama em que tantas vezes transaram.



A intimidade daqueles corpos mais gastos era a mesma. E se ela antes tinha dificuldades para gozar, agora dominava o descontrole e controlava seu prazer. Ainda uma ninfeta num corpo moldado pela idade.



Dormiram três noites seguidas. Ela sugeriu receitas para a nova empregada dele na terceira manhã. Perguntou se poderia levar alguns travesseiros, pois aqueles eram “uó”.



Mas nada de final feliz. Ela viajou para Brasília no Dia das Mães. Não ligou quando voltou. Ele esperou uns dias e perguntou, por torpedo, se ela não voltaria nunca. Ela não respondeu. Por que?



Ela não saberia a resposta. Descobriu que o passado passa. E ele aprendeu que é importante que passe, pois também nunca mais a procurou.





(OESP/14/8/2010)


(Ilustração: Edward Munch – puberty)




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