sexta-feira, 27 de dezembro de 2024
O LEVIANO, de Saadi de Xiraz
Conheci um negociante que possuía cinquenta camelos, sessenta escravos e vinte fâmulos. Uma tarde, na ilha de Kich, ele arrastou-me ao seu quarto, onde me importunou com incessante parolagem:
– Tenho tal associado no Turquestão, e tal entreposto no Indostão. Este papel que vês é uma escritura de arrendamento. Para tal negócio, Fulano é o meu procurador.
De repente anunciou-me:
– Tenciono ir a Alexandria: o clima dessa cidade é muito saudável.
Pôs-se a refletir.
– Não! – gritou subitamente. – Não irei a Alexandria. O mar do Ocidente é muito agitado. Ó Saadi, eu tenho na cabeça outras viagens. Quando as tiver feito, abandonarei o comércio e ficarei sentado a um canto de casa, até o derradeiro dia.
– Bem! Mas quais são os teus projetos?
– Quero exportar enxofre persa para a China, louça chinesa para a Grécia, brocados gregos para a Índia, aço indiano para Alepo, espelhos de Alepo para o Iêmene, panos de riscado do Iêmene para a Pérsia...
Continuou assim, por muito tempo. Afinal, notou que eu já não o escutava.
– E as tuas intenções, Saadi? – perguntou-me. – Gostaria muito de conhecê-las.
– Só tenho uma intenção: a de contar-te esta breve história: Um dia, na Síria, um agitado da tua espécie caiu do camelo e machucou os rins. Corri para ele e disse-lhe: – “Aonde vais, agora? Para que endereço devo mandar a tua bagagem? Ao Paraíso ou para o Inferno?”
(O Jardim das Rosas. Saadi. Tradução de Aurélio Buarque de Holanda, a partir da edição francesa traduzida por Franz Toussaint)
(Ilustração: Paul Zenker - ilustration pour Le jardin des roses de Saadi)
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