quarta-feira, 16 de janeiro de 2019

DE MÃE, de Conceição Evaristo









O cuidado de minha poesia

aprendi foi de mãe,

mulher de pôr reparo nas coisas,

e de assuntar a vida.



A brandura de minha fala

na violência de meus ditos

ganhei de mãe,

mulher prenhe de dizeres,

fecundados na boca do mundo.



Foi de mãe todo o meu tesouro

veio dela todo o meu ganho

mulher sapiência, yabá,

do fogo tirava água

do pranto criava consolo.



Foi de mãe esse meio riso

dado para esconder

alegria inteira

e essa fé desconfiada,

pois, quando se anda descalço

cada dedo olha a estrada.



Foi mãe que me descegou

para os cantos milagreiros da vida

apontando-me o fogo disfarçado

em cinzas e a agulha do

tempo movendo no palheiro.



Foi mãe que me fez sentir

as flores amassadas

debaixo das pedras

os corpos vazios

rente às calçadas

e me ensinou,

insisto, foi ela

a fazer da palavra

artifício

arte e ofício

do meu canto

da minha fala.





(Poemas da recordação e outros movimentos)



(Ilustração: Makiwa Mutomba - Zimbawe - the lost schoolbag)






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