CAMPBELL: O animal tem poderes que o ser humano não tem. O xamã, por exemplo, frequentemente manterá um animal consigo, isto é, o espírito de alguma espécie de animal, que lhe dará sustentação e o guiará.
MOYERS: Mas quando começam a ser capazes de imaginar e ver beleza, e a criar beleza, fora dessa relação, então os seres humanos se tonam superiores aos animais, não se tornam?
CAMPBELL: Bem, não creio que o xamã pense tanto em superioridade quanto em igualdade. Ele pede conselho aos animais, e o animal se torna um modelo para a vida. Nesse caso, é superior. Às vezes o animal se torna o doador de um ritual, como nas lendas sobre a origem do búfalo. Por exemplo, você pode ver essa igualdade na lenda básica da tribo dos pés negros, que é a lenda da origem das suas danças rituais do búfalo, por meio das quais eles invocam a cooperação dos animais no jogo da vida.
MOYERS: Que lenda é essa?
CAMPBELL: Bem, essa história se origina das dificuldades de encontrar alimento para um grupo tribal de grande porte. Um modo de conseguir carne para o inverno é conduzir uma manada de búfalos até o alto de um rochedo, de modo que todos eles caiam e possam ser facilmente esquartejados no PE do rochedo. Isso é conhecido como “cachoeira de búfalo”.
Esta história, muito, muito antiga, sobre uma tribo de pés negros que não conseguia levar os búfalos até o alto do rochedo. Os búfalos se aproximavam e, então mudavam de direção. Assim parecia que a tribo não teria nada para comer, no inverno.
Um dia, uma jovem levantou-se cedo, para buscar água para a família, e por acaso olhou para o rochedo onde estavam os búfalos. Ela então disse: “Ah, se vocês chegarem lá em cima, eu me casarei com um de vocês”.
Para sua surpresa, todos se puseram em marcha. Bem essa foi a surpresa número 1. A surpresa número 2 foi quando um dos búfalos, o xamã da manada, se aproximou e disse: “Muito bem, menininha, agora vamos”.
“Oh, não”, ela diz.
“Oh, sim, diz ele, “você fez uma promessa. Nós mantivemos nossa parte do trato. Olhe para todos os meus parentes aqui – mortos. Agora nós iremos”.
Bem, quando a família acorda, olha ao redor e... onde está Minnehaha? O pai se abaixa para examinar o chão – você sabe, os índios podem ver pelas marcas dos pés – e diz: “Ela se foi com um búfalo. E eu vou trazê-la de volta”.
Então ele veste seus mocassins, apanha arco e flecha, e tudo o mais, e parte na direção das planícies. Já tinha caminhado uma boa distância quando acha melhor sentar e descansar um pouco. Ele então se senta, e enquanto pensa no que deveria fazer, aparece-lhe uma pega, um daqueles pássaros espertos que têm qualidades xamânicas.
MOYERS: Qualidades mágicas.
CAMPBELL: Sim. E o índio diz à pega: “Ó belo pássaro, minha filha fugiu com um búfalo? Você a viu? Poderia procurar aí ao redor, para ver se a encontra em algum lugar nas planícies?”
E a pega diz: “Bem, há uma bela jovem com um búfalo, agora mesmo, logo ali, bem perto”.
“Bem”, diz o homem, “você poderia ir dizer a ela que seu pai está aqui, no lamaçal do búfalo?”
Então a pega sai voando e encontra a jovem lá entre os búfalos, que estão todos dormindo, enquanto ela costura, ou algo parecido. A pega se aproxima e diz: “Seu pai está ali no lamaçal, à sua espera”.
“Oh”, ela diz, “isso é terrível. Isso é muito perigoso. Esses búfalos vão matar-nos. Diga-lhe para esperar, e eu aparecerei. Tentarei dar um jeito nisso.”
Então o búfalo seu esposo, que estava atrás dela, acorda, pega o próprio chifre e diz: “Vá até o lamaçal e me traga algo para beber”.
Ela apanha o chifre e vai, e ali está seu pai. Ele a toma pelo braço e diz: “Venha!”
Mas ela diz: “Não, não, não! Isto é um tremendo perigo. Toda a manada viria logo atrás de nós. Eu vou dar um jeito nisso. Agora deixe-me voltar”.
Assim ela apanha a água e volta. E o búfalo diz: “Fe, fi, fo, fum, eu sinto o cheiro do sangue de um índio” – você sabe, esse tipo de coisas. E ela diz: “Não, nada disso”. E ele diz: “Ah, sim, com certeza”! Então ele dá um berro de búfalo, e todos os búfalos se levantam, começam a executar uma lenta dança de búfalos com as caudas erguidas, e depois se põem em marcha e pisoteiam aquele pobre homem até a morte, até que ele desapareça inteiramente, transformado num monte de pedaços. E se vão. A jovem chora e seu esposo búfalo diz: “Você está chorando?”
“Sim”, ela diz, “ele é meu papai”.
“Bem”, ele diz, “e nós? As nossas crianças lá estão, ao pé do rochedo, nossas esposas, nossos pais... e você chora por causa do seu paizinho.” Bem, ele aparentemente era um tipo de búfalo que se compadecia, e disse: “Está bem, se você conseguir trazer seu papai de volta à vida eu os deixarei ir”.
Então ela se volta para a pega e diz: “Por favor, saia bicando por aí e veja se encontra um pedacinho do papai”. A pega assim o faz e retorna, por fim, com uma vértebra, apenas um ossinho. E a jovem diz “Isto é o bastante”. Então ela coloca o osso no chão, cobre-o com sua manta e canta uma canção vivificadora, uma canção mágica, muito poderosa. E então... isso mesmo, surge um homem de sob a manta. Ela espia: “É papai, e está bem!” Mas ela ainda não está respirando. Ela canta mais algumas estrofes da canção que estava cantando e ele se ergue.
Os búfalos ficam espantados, e dizem: “Bem, por que você não faz isso para nós? Ensinaremos a vocês a nossa dança de búfalo, e quando vocês tiverem matado nossas famílias, vocês dançarão essa dança e cantarão essa canção, todos voltaremos a viver de novo”.
E aí está a ideia básica – através do ritual, atinge-se aquela dimensão que transcende a temporalidade, aquela dimensão da qual a vida provém e para a qual retorna.
MOYERS: O que aconteceu há cerca de cem anos, quando o homem branco veio e dizimou esse animal que era objeto de reverência?
CAMPBELL: Foi uma violação sacrílega. Em muitas das pinturas que George Catlin fez, no início do século passado, das grandes planícies do oeste, você vê centenas, milhares de búfalos, por toda parte. Então, em cinquenta anos, os desbravadores de fronteiras, equipados com rifles de repetição, dizimaram manadas inteiras, tomando só as peles, para vender, e abandonando os corpos ali, apodrecendo. Isso foi um sacrilégio.
MOYERS: Isso transformou o búfalo, de “alguém”...
CAMPBELL: ... em “coisa”.
MOYERS: Os índios se dirigiam aos búfalos como “vós”, em sinal de reverência.
CAMPBELL: Os índios se dirigiam a todo ser vivente como “vós” – as árvores, as pedras, tudo. Você também pode se dirigir a qualquer coisa como “vós”, e se o fizer sentirá a mudança na sua própria psicologia. O ego que vê um “vós” não é o mesmo que vê uma “coisa”. E quando se entra em guerra com outro povo, o objetivo da empresa é transformar esse povo em “coisas”.
O Búfalo já é um animal bonito, aqui, o vi mais Belo e...Poderoso.
ResponderExcluirPostagem formidável, Sidney
Um abrço,
Lúcia
P.S. Cheguei aqui, procurando, no google,
"mãe com filho no colo"...vi a pintura Mário Garcia Paiva e li o post. Pergunto: posso usar
a a imagem em uma postagem de meu blog?
Aguardo resposta...
Eu vou, mas volto <<<<