sexta-feira, 5 de fevereiro de 2016

TULIPS / TULIPAS, de Sylvia Plath







    

The tulips are too excitable, it is winter here.


Look how white everything is, how quiet, how snowed-in.

I am learning peacefulness, lying by myself quietly

As the light lies on these white walls, this bed, these hands.

I am nobody; I have nothing to do with explosions.

I have given my name and my day-clothes up to the nurses

And my history to the anesthetist and my body to surgeons.


They have propped my head between the pillow and the sheet-cuff

Like an eye between two white lids that will not shut.

Stupid pupil, it has to take everything in.

The nurses pass and pass, they are no trouble,

They pass the way gulls pass inland in their white caps,

Doing things with their hands, one just the same as another,

So it is impossible to tell how many there are.


My body is a pebble to them, they tend it as water

Tends to the pebbles it must run over, smoothing them gently.

They bring me numbness in their bright needles, they bring me sleep.

Now I have lost myself I am sick of baggage——

My patent leather overnight case like a black pillbox,

My husband and child smiling out of the family photo;

Their smiles catch onto my skin, little smiling hooks.


I have let things slip, a thirty-year-old cargo boat

stubbornly hanging on to my name and address.

They have swabbed me clear of my loving associations.

Scared and bare on the green plastic-pillowed trolley

I watched my teaset, my bureaus of linen, my books

Sink out of sight, and the water went over my head.

I am a nun now, I have never been so pure.


I didn’t want any flowers, I only wanted

To lie with my hands turned up and be utterly empty.

How free it is, you have no idea how free——

The peacefulness is so big it dazes you,

And it asks nothing, a name tag, a few trinkets.

It is what the dead close on, finally; I imagine them

Shutting their mouths on it, like a Communion tablet.


The tulips are too red in the first place, they hurt me.

Even through the gift paper I could hear them breathe

Lightly, through their white swaddlings, like an awful baby.

Their redness talks to my wound, it corresponds.

They are subtle : they seem to float, though they weigh me down,

Upsetting me with their sudden tongues and their color,

A dozen red lead sinkers round my neck.


Nobody watched me before, now I am watched.

The tulips turn to me, and the window behind me

Where once a day the light slowly widens and slowly thins,

And I see myself, flat, ridiculous, a cut-paper shadow

Between the eye of the sun and the eyes of the tulips,

And I have no face, I have wanted to efface myself.

The vivid tulips eat my oxygen.


Before they came the air was calm enough,

Coming and going, breath by breath, without any fuss.

Then the tulips filled it up like a loud noise.

Now the air snags and eddies round them the way a river

Snags and eddies round a sunken rust-red engine.

They concentrate my attention, that was happy

Playing and resting without committing itself.


The walls, also, seem to be warming themselves.

The tulips should be behind bars like dangerous animals;

They are opening like the mouth of some great African cat,

And I am aware of my heart: it opens and closes

Its bowl of red blooms out of sheer love of me.

The water I taste is warm and salt, like the sea,

And comes from a country far away as health.




Tradução de Isaias Edson Sidney:





São muito excitáveis as tulipas, é inverno aqui.

Veja como tudo é tão branco, tão quieto, tão gelado.

Aprendo a paz, dentro de mim, em silêncio

Sob a luz que ilumina essas paredes brancas, esta cama, estas mãos.

Não sou ninguém; nada tenho a ver com arrebatamentos.

Junto com meu nome, entreguei minhas roupas às enfermeiras

E minha história aos anestesistas e meu corpo aos cirurgiões.


Aconchegaram minha cabeça ao travesseiro sob o lençol:

Um olho entre pálpebras brancas que não se fecham.

Pupila idiota, que tudo observa.

Não me incomodam as enfermeiras que passam e passam,

Como passam as gaivotas para o interior, elas passam com suas toucas brancas,

Manuseando coisas, são sempre tão iguais,

Que não dá para saber quantas elas são.


Como pedra alisada pelas águas que correm,

Assim elas tratam com cuidado o meu corpo.

Entorpecem-me com suas agulhas, fazem-me dormir.

Estou agora perdida de mim mesma, cansada de tudo -

Minha caixa de couro preto de pílulas para dormir,

Meu marido e o bebê escancaram o riso na foto de família;

Seus risos repuxam minha pele, pequenos anzóis ridentes.


Deixei coisas para trás, um cargueiro de trinta anos

Teimosamente atrelado a meu nome e a meu endereço.

Desinfetaram-me de todas as lembranças afetivas.

Assustada e nua sobre a maca de plástico verde

Assisti meu jogo de chá, minha cômoda de roupas, meus livros

Afundar até perder de vista, e a água cobrir minha cabeça.

Sou agora uma freira, nunca me senti tão pura.


Eu não queria flores, queria apenas

Repousar com as mãos entrelaçadas sob a cabeça e sentir-me inteiramente vazia.

Isso é ser livre, você não imagina como isso é ser livre -

A paz é tão imensa, que você flutua,

E ela nada lhe pede, nem um nome, nada.

É aquilo pelo qual anseiam os mortos; imagino-os

Fechando suas bocas sobre ela, como se fosse uma hóstia consagrada.


As tulipas são, principalmente, tão vermelhas, que me ferem.

Até mesmo através do papel de presente, posso ouvi-las respirar

De leve, através de suas mantas brancas, como um bebê monstruoso.

Essa vermelhidão conversa com minha ferida, e ela corresponde.

Elas são sutis: parecem flutuar, embora me puxem para baixo,

Irritando-me com suas súbitas línguas e sua cor,

Uma dúzia de plúmbeas correntes rubras ao redor de meu pescoço.


Ninguém me vigiava antes, agora sou vigiada.

As tulipas voltam-se para mim, e a janela atrás de mim

Por onde, uma vez ao dia a luz lentamente aumenta e diminui,

E eu vejo a mim mesma, estendida, ridícula, uma sombra recortada numa folha de papel

Entre o olho do sol e os olhos das tulipas,

E eu não tenho rosto, eu tenho tentado apagar a mim mesma.

As vívidas tulipas sugam meu ar.


Antes que elas chegassem, o ar estava suficientemente calmo,

Entrando e saindo, a cada respiração, sem problema.

Então, como um barulho louco, as tulipas preencheram-no.

Agora o ar se enrosca e turbilhona ao redor delas, como um rio

Se enrosca e turbilhona ao redor de um motor vermelho-ferrugem naufragado.

Elas atraíram minha atenção, era tão bom

Passear e descansar sem me comprometer.


Também as paredes parecem estar fervendo.

As tulipas deviam estar atrás das grades, como animais perigosos;

Elas estão se abrindo como a boca de um felino africano,

E eu tomo consciência de meu coração: ele abre e fecha

Seu vaso de flores vermelhas cheio de amor por mim.

A água que provo é quente e salobra, como o mar,

E vem de um país distante como a saúde.



Tradução de Wagner M. Brasil:


As tulipas são excitáveis em demasia, é inverno aqui.
Veja como tudo está branco, quão quieto, quão tomado pela neve.
Estou me familiarizando com a quietude, só e silentemente deitada
Enquanto a luz incide sobre essas paredes, esta cama, estas mãos.
Não sou ninguém; não tenho nada a ver com explosões.
Cedi meu nome e minhas roupas do dia-a-dia às enfermeiras,
E minha história ao anestesista e meu corpo aos cirurgiões.

Apoiaram minha cabeça entre o travesseiro e a dobra do lençol,
Como um olho entre as pálpebras brancas que não se fecharão.
Pupila estúpida, você tem que captar todas as coisas.
As enfermeiras passam e passam, não incomodam,
Passam como passam as gaivotas para o interior com suas toucas brancas,
Fazendo coisas com as mãos, uma à semelhança da outra,
Assim sendo é impossível dizer quantas são.

Meu corpo é um seixo para elas, tratam-no como a água
Aos seixos que deve rolar, alisando-os gentilmente.
Trazem-me torpor em suas agulhas brilhantes, trazem-me o sono.
Agora que me perdi estou farta de bagagem –
Minha maleta de couro envernizado é como uma caixa de remédios,
Meu marido e minha criança sorriem da foto de família;
Seus sorrisos prendem-se à minha pele, pequenos anzóis sorridentes.

Deixei que as coisas me escapassem, um velho cargueiro de trinta anos
Teimosamente pendurado ao meu nome e endereço.
Esfregaram-me até livrar-me de minhas associações amorosas.
Assustada e nua sobre a maca revestida de plástico verde
Observo meu aparelho de chá, minhas cômodas de roupa de cama, meus livros
Submergirem invisíveis, e a água encobriu minha cabeça.
Sou agora uma freira. Nunca havia me sentido tão pura.

Não quis flores, apenas desejei
Deitar-me com as palmas das mãos para cima e sentir-me totalmente vazia.
Quão livre estar assim, você não imagina quão livre –
A paz é tão grande que o atordoa,
E não pede nada, um crachá, algumas bugigangas.
É como os mortos finalmente se vão, afinal; imagino-os
Fechando suas bocas sobre ela, como se à hóstia da comunhão.

Antes de tudo, as tulipas são vermelhas em demasia, machucam-me.
Apesar do papel de presente eu podia ouvi-las respirar
levemente, através de suas faixas, como um bebê horrível.
Sua vermelhidão conversa com minha ferida, esta retribui.
São sutis: parecem flutuar, embora me oprimam,
Irritando-me com suas repentinas línguas e cores,
Uma dúzia de chumbadas vermelhas envolvendo-me o pescoço.

Antes ninguém me observava, agora sou observada.
As tulipas voltam-se para mim, e a janela atrás de mim
Onde uma vez ao dia a luz alarga-se devagar e devagar dilui-se,
E vejo a mim mesma, estendida, ridícula, como um papel recortado
Entre o olho do sol e os olhos das tulipas,
E não tenho face, já quis apagar-me.
As vívidas tulipas consomem meu oxigênio.

Antes que viessem o ar era suficientemente calmo,
Indo e vindo, aspiração por aspiração, sem nenhum alvoroço.
Então as tulipas o saturaram como um ruído intenso.
Agora o ar enrosca-se e turbilhona em volta delas como um rio,
enrosca-se e turbilhona em volta de um motor vermelho-ferrugem submerso.
Elas concentram minha atenção, foi afortunado
brincar e descansar sem comprometer-me.

Também as paredes parecem estar se aquecendo.
As tulipas deveriam ser enjauladas como animais perigosos;
Estão se abrindo como a boca de algum enorme felino africano,
E eu percebo o meu coração: ele se abre e se fecha
Enquanto sua concha vermelha floresce de puro amor por mim.
A água que provo está quente e salgada, como a do mar,
E vem de um país tão distante quanto a saúde.





Tradução de Rodrigo Garcia Lopes e Cristina Macedo:





Tulipas são excitáveis demais, é inverno aqui.

Vê como tudo está branco, tão silencioso, coberto de neve.

Aprendo a paz, deitada sozinha em silêncio



Enquanto a luz se espalha nessas paredes brancas, nesta cama, nestas mãos.

Não sou ninguém; não tenho nada a ver com as explosões.

Dei meu nome e minhas roupas às enfermeiras

Minha história ao anestesista e meu corpo aos cirurgiões.

Apoiaram minha cabeça entre o travesseiro e a dobra do lençol

Como um olho entre duas pálpebras brancas que ficassem abertas.

Pupila tola, tudo ela tem que engolir.

As enfermeiras não se cansam de passar, não me incomodam,

Passam como gaivotas no interior, em seus chapéus brancos,

Fazendo coisas com as mãos, uma igual à outra,

Por isso é impossível dizer quantas são.

Fazem de meu corpo um seixo, que elas cuidam como a água

Cuida dos seixos por onde corre, alisando-os com carinho.

Trazem-me o torpor em suas agulhas brilhantes, trazem-me o sono.

Perdida de mim, estou cansada da bagagem toda —

Meu estojo de couro noturno, caixa preta de comprimidos,

Meu marido e minha filha sorriem na foto de família;

Seus sorrisos fisgam minha pele, pequenos anzóis sorridentes.


Deixei coisas escaparem, navio de carga com trinta anos

Teimosamente se prendendo a meu nome e endereço.

Eles me lavaram de minhas associações amorosas.

Assustada e nua sobre a cama de rodas com travesseiros de plástico verde,

Assisti meu aparelho de chá, minhas roupas de linho, meus livros

Submergirem e sumirem, e a água cobrir minha cabeça.

Sou freira agora, nunca fui tão pura.


Não queria flores, só me deitar

De mãos pra cima e completamente vazia.

Quanta liberdade, você não faz idéia —

A paz é tão imensa que entorpece,

E não pergunta nada, um crachá, coisinhas de nada.

É do que se aproximam os mortos, enfim; e os imagino

Fechando suas bocas sobre ela, como hóstia de comunhão.


Tulipas são vermelhas demais, me machucam.

Mesmo através do celofane as ouço respirando

De leve, através de suas faixas brancas, como um bebê terrível.

Sua vermelhidão conversa com minha ferida, elas combinam.

São tão sutis: parecem flutuar, embora sinta seus pesos,

Me aborrecendo com suas súbitas cores e línguas,

Uma dúzia de chumbadas vermelhas presas no pescoço.


Antes ninguém me observava, agora sou observada.

As tulipas se viram para mim, e para a janela às minhas costas

Onde, uma vez por dia, a luz lentamente se dilata e lentamente se dilui,

E me vejo, estendida, ridícula, uma silhueta de papel

Entre o olho do sol e os olhos das tulipas,

E não tenho face, eu que tanto quis me apagar.

As tulipas vívidas devoram meu oxigênio.


Antes de chegarem havia sossego no ar,

Indo e vindo, a cada alento, sem alvoroço.

Mas as tulipas o ocuparam por inteiro, como um alarme.

Agora o ar se enrosca e redemoinha ao seu redor como o rio

Ao redor de um motor enferrujado e submerso.

Elas concentram minha atenção, foi divertido

Brincar e descansar sem compromisso.


As paredes também parecem se aquecer.

Tulipas deviam estar atrás das grades, como feras perigosas;

Elas se abrem como a boca de um grande felino africano,

E estou consciente de meu coração: ele se abre e se fecha,

Seu bojo vermelho viceja de total amor por mim.

A água que provo é morna e salgada, como a do mar,

E vem de um país distante como a saúde.




(Ilustração: Patricia Coonrod - tulips)


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