quinta-feira, 12 de dezembro de 2019

DIVINA COMMEDIA: CONTE UGOLINO (INFERNO: CANTO XXXIII) / A DIVINA COMÉDIA: CONDE UGOLINO (INFERNO: CANTO XXXIII), de Dante Alighieri



La bocca sollevò dal fiero pasto

quel peccator, forbendola a’capelli

del capo ch’elli avea di retro guasto.



Poi cominciò: «Tu vuo’ ch’io rinovelli

disperato dolor che ’l cor mi preme

già pur pensando, pria ch’io ne favelli.



Ma se le mie parole esser dien seme

che frutti infamia al traditor ch’i’ rodo,

parlar e lagrimar vedrai insieme.



Io non so chi tu se’ né per che modo

venuto se’ qua giù; ma fiorentino

mi sembri veramente quand’io t’odo.



Tu dei saper ch’i’ fui conte Ugolino,

e questi è l’arcivescovo Ruggieri:

or ti dirò perché i son tal vicino.



Che per l’effetto de’ suo’ mai pensieri,

fidandomi di lui, io fossi preso

e poscia morto, dir non è mestieri;



però quel che non puoi avere inteso,

cioè come la morte mia fu cruda,

udirai, e saprai s’e’ m’ha offeso.



Breve pertugio dentro da la Muda

la qual per me ha ’l titol de la fame,

e che conviene ancor ch’altrui si chiuda,



m’avea mostrato per lo suo forame

più lune già, quand’io feci ’l mal sonno

che del futuro mi squarciò ’l velame.



Questi pareva a me maestro e donno,

cacciando il lupo e ’ lupicini al monte

per che i Pisan veder Lucca non ponno.



Con cagne magre, studiose e conte

Gualandi con Sismondi e con Lanfranchi

s’avea messi dinanzi da la fronte.



In picciol corso mi parieno stanchi

lo padre e ’ figli, e con l’agute scane

mi parea lor veder fender li fianchi.



Quando fui desto innanzi la dimane,

pianger senti’ fra ’l sonno i miei figliuoli

ch’eran con meco, e dimandar del pane.



Ben se’ crudel, se tu già non ti duoli

pensando ciò che ’l mio cor s’annunziava;

e se non piangi, di che pianger suoli?



Già eran desti, e l’ora s’appressava

che ’l cibo ne solea essere addotto,

e per suo sogno ciascun dubitava;



e io senti’ chiavar l’uscio di sotto

a l’orribile torre; ond’io guardai

nel viso a’ mie’ figliuoi sanza far motto.



Io non piangea, sì dentro impetrai:

piangevan elli; e Anselmuccio mio

disse: "Tu guardi sì, padre! che hai?".



Perciò non lacrimai né rispuos’io

tutto quel giorno né la notte appresso,

infin che l’altro sol nel mondo uscìo.



Come un poco di raggio si fu messo

nel doloroso carcere, e io scorsi

per quattro visi il mio aspetto stesso,



ambo le man per lo dolor mi morsi;

ed ei, pensando ch’io ’l fessi per voglia

di manicar, di subito levorsi



e disser: "Padre, assai ci fia men doglia

se tu mangi di noi: tu ne vestisti

queste misere carni, e tu le spoglia".



Queta’mi allor per non farli più tristi;

lo dì e l’altro stemmo tutti muti;

ahi dura terra, perché non t’apristi?



Poscia che fummo al quarto dì venuti,

Gaddo mi si gittò disteso a’ piedi,

dicendo: "Padre mio, ché non mi aiuti?".



Quivi morì; e come tu mi vedi,

vid’io cascar li tre ad uno ad uno

tra ’l quinto dì e ’l sesto; ond’io mi diedi,



già cieco, a brancolar sovra ciascuno,

e due dì li chiamai, poi che fur morti.

Poscia, più che ’l dolor, poté ’l digiuno».



Quand’ebbe detto ciò, con li occhi torti

riprese ’l teschio misero co’denti,

che furo a l’osso, come d’un can, forti.



Ahi Pisa, vituperio de le genti

del bel paese là dove ’l sì suona,

poi che i vicini a te punir son lenti,



muovasi la Capraia e la Gorgona,

e faccian siepe ad Arno in su la foce,

sì ch’elli annieghi in te ogne persona!



Ché se ’l conte Ugolino aveva voce

d’aver tradita te de le castella,

non dovei tu i figliuoi porre a tal croce.



Innocenti facea l’età novella,

novella Tebe, Uguiccione e ’l Brigata

e li altri due che ’l canto suso appella.




Tradução de José Pedro Xavier Pinheiro:
 




Do fero cevo os lábios desprendendo,

Na coma o pecador os enxugava

Desse crânio, a que estava atrás roendo.



“Queres de infanda mágoa” — começava —

Renove a dor, que, só pensando a mente,

Antes que falte, o coração me agrava.



“Mas se a voz minha deve ser semente,

Que ao traidor, que eu devoro a infâmia brote.

Falar, chorar, verás conjuntamente.



“Não sei quem sejas, não sei como note

Tua presença aqui, por Florentino

Te ouvindo a língua, é força que te adote.



“Saber deves que fui Conde Ugolino,[1]

Que Arcebispo Rogério aquele há sido:

Direi qual nos juntou cruel destino.



“Contar não hei mister como iludido

Por minha confiança, em cárcer posto.

Fui morto por maldade deste infido.



“Não conheces, porém, que atroz desgosto

O meu fim precedera: atenção presta,

Quanto ofendido fui verás exposto.



“Por vezes da prisão por breve fresta,

Torre da fome — após o meu tormento,

Que há de a outros ainda ser funesta



“Brilhava a lua em pleno crescimento,

Quando o véu do futuro horrível sonho

Rasgou, do exício meu pressentimento.



“Este, como senhor, então suponho

Ao monte, que ver Lucca a Pisa obstava[2]

Lobo e pequenos seus correr medonho.



“Magros cães, destros, feros açulava

Dos Gualandis, Sismondis e Lanfrancos[3]

A companha, que à frente cavalgava.



“Em breve o pai e os filhos, lassos, mancos,

Já dos famintos galgos mal feridos,

Dar pareciam últimos arrancos.



“Desperto ao primo alvor; dos meus queridos

Filhos que eram comigo, choro soa:

Pedem pão, stando ainda adormecidos.



“És cruel, se a tua alma não magoa

O prenúncio da dor, que me aguardava:

Se não choras, que pena há que te doa?



“Despertaram; e a hora já chegava

Em que alimento escasso nos traziam:

O sonho a cada qual nos aterrava.



“Da horrível torre à porta então se ouviam

Martelos cravejar: eu mudo e quedo

Nos filhos encarei, que esmoreciam.



“Não chorava; era o peito qual penedo.

Choravam eles, e Anselmuccio disse:

Assim nos olhas, pai? Do que hás tu medo?”



“Nem lágrimas, nem voz dei, que se ouvisse,

No dia e noite, que seguiu-se lenta,

Até que ao mundo novo sol surgisse.



“Quando a luz inda escassa se apresenta

No doloroso cárcer, meu semblante

Nos quatro rostos seus se representa.



“Mordi-me as mãos de angústia delirante.

Eles, cuidando ser a fome o efeito,

De súbito e com gesto suplicante,



“Disseram: “Menos mal nos será feito

Nutrindo-te de nós, pai; nos vestiste

Desta carne: ora sirva em teu proveito”.



“Contendo-me, evitei lance mais triste.

Em silêncio dois dias se passaram...

Ah! por que, terra esquiva, não te abriste?



“Do quarto dia os lumes clarearam:

Gaddo caiu-me aos pés desfalecido:

“Pai me acode!” os seus lábios murmuraram.



“Morreu; e, qual me vês, eu vi, perdido

O sizo, os três, ao quinto e ao sexto dia,

Um por um se extinguir exinanido.



“Apalpando os busquei — cego os não via

Dois dias, os seus nomes repetindo:

Da fome mais que a dor, pôde a agonia”.



Calou-se e os torvos olhos retorquindo,

Como de antes cravou no crânio os dentes

E os ossos, qual mastim, foi destruindo.



Ah! Pisa, opróbrio aos povos residentes

Na bela terra, onde o si ressona!

Pois te não vêm punir vizinhas gentes.



Presto a Capraia mova-se e a Gorgona

Do Arno à foz, entupindo-lhe a saída

Teu povo assim pereça, que se entona.



E se foi a Ugolino atribuída

De entregar teus castelos à maldade,

Por que à prole em tal cruz tirar a vida?



Tebas moderna! Pela tenra idade

Ugoccione e Brigata inocentes eram

E os irmãos, em que usaste a feridade.



Notas

1. Conde Ugolino, della Gherardesca, de Pisa, foi acusado pelo arcebispo de Pisa, Ruggiero degli Ubaldini, de ter traído a sua cidade natal. Preso com dois filhos e dois netos numa torre, onde todos morreram de fome. [N. T.]

2. Monte, San Giuliano, entre Pisa e Luca. [N. T.]

3. Galandis etc., famílias pisanas. [N. T.]


(Ilustração: William Blake - Il conte Ugolino)



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