Acordo com a boca iluminada pelas pérolas da morte
e o meu sorriso é uma sinistra floração,
impetuosa gargalhada a atravessar a eternidade
Acordo inteira para o luto das manhãs
como um fresquíssimo cadáver,
com este corpo de mulher a rodear-se de corais
e esta cabeça baptismal que se levanta finalmente das águas
Quando as ervas amanhecem sobre a casa
e os galos sangram sobre as fúnebres artérias do meu sopro
Quando as larvas adoecem a roseira do outono
e a luz estala por mistério sob a língua
Ou quando range bruscamente este infecundo coração
eu quero apenas sucumbir sobre o teu rosto de
rapaz evaporado entre flores,
alvorecer em tuas mãos como um junquilho
e atravessar sobre um cavalo muito negro as regiões
bombardeadas do teu sono
onde despontam as amoras dos defuntos
Por vezes tenho aves esmagadas sob as plantas dos pés
Por vezes sofro e apodreço como um anjo
vascular,
um animal renunciando sobre a neve
e só levanto quando o sol é um batimento de chicotes,
uma lâmpada enfiada nos pulmões,
um flash branco a impregnar-se nos meandros dolorosos
dos ossos
Por vezes posso ouvir-te do outro lado da parede tumular
Posso escutar-te quando as águas estremecem
Quando à sombra já fraqueja o veio amargo do sorriso
ou quando à boca desaguam sangradouros,
bandos lívidos de pombos que debicam os nossos
sexos por baixo
e nos descarnam os espíritos
— Os peitos que inauguram o amor dessas crianças
em exílio, que aceleram o bater de uma
cardíaca necrose
Mas à hora em que as cortinas esvoaçam
e os quartos ardem como altíssimas fogueiras em seus
haustos menstruados
e um ar velado purifica as nossas carnes de penumbra
e em minha pele há um registro de perfume,
tu és o homem que fervilha para sempre sob a luz dos girassóis,
o gémeo morto que acendeu os olhos
bíblicos dos pássaros
E é de lacre esta pulseira que nos cola e ossifica os tornozelos
Esta corrente em vibração subcutânea
Este cordão umbilical que nos uniu pelos canais
apodrecidos das gargantas
e costurou eternamente as nossas línguas,
uma à outra,
até que ardêssemos à sombra de abajures fascinados
como um monstro a quem chamaram
bicéfalo
(Ilustração: Catherine Abel - cubist nude orange and purple)
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