sexta-feira, 29 de março de 2019

CHEIRO DE ESPÁDUA, de Alberto de Oliveira







“Quando a valsa acabou, veio à janela,

Sentou-se. O leque abriu. Sorria e arfava,

Eu, viração da noite, a essa hora entrava

E estaquei, vendo-a decotada e bela.



Eram os ombros, era a espádua, aquela

Carne rosada um mimo! A arder na lava

De improvisa paixão, eu, que a beijava,

Hauri sequiosa toda a essência dela!



Deixei-a, porque a vi mais tarde, oh! ciúme!

Sair velada da mantilha. A esteira

Sigo, até que a perdi, de seu perfume.



E agora, que se foi, lembrando-a ainda,

Sinto que à luz do luar nas folhas, cheira

Este ar da noite àquela espádua linda!”



(Poesias, 3ª série, 1913.)



(Ilustração: Diego Velasquez - Venus, 1648)

terça-feira, 26 de março de 2019

O PODER – GÊNESE E EVOLUÇÃO, de Wagner Mourão Brasil








O homem carrega dentro de si o caráter predador que o marca desde quando, nas selvas do Plioceno, seu primeiro ancestral desceu das árvores e pôs-se sobre os próprios pés, há alguns milhões de anos. No chão, exposto aos perigos de um mundo hostil, encontrou sua primeira arma, um tosco porrete que ampliou o alcance de seu braço e multiplicou sua força. Com o passar dos milênios, em algum dia de seu passado ele percebeu que possuía um cérebro – um cérebro não só capaz de sugerir-lhe artimanhas que o punham a salvo das feras que o espreitavam na selva primitiva, como também de engendrar meios eficazes de abatê-las. Milhares e milhares de anos se passaram até que, em um dia qualquer de seu remoto passado, ele descobriu que pensava: imagino-o sentado em uma pedra, confuso e aturdido, a cogitar ensimesmado sobre aquela voz interior que o instigava, dirigia suas ações e o habilitava a conceber estratégias. Certamente o que experimentava era em tudo diferente do que até então o norteara, os instintos, fogo interno que o induzia a ranger os dentes e eriçava-lhe os pelos quando acuado. Ao longo dos milênios e em lenta evolução, ele foi aos poucos desenvolvendo aptidões: conceber ideias, concatenar pensamentos, formular conceitos, elaborar juízos, abstrair. 

Em algum estágio dessa sua lenta evolução, em um lampejo que lhe descortinaria o futuro na escuridão de seu remotíssimo passado, ele intuiu o que viria a ser seu mais intenso desiderato: a exata noção, não mais fortuita e imediata, mas consolidada e de longo alcance, do que fosse o poder, somatório de pulsões que garantiria aos mais sagazes e ferozes o lugar mais confortável do ecúmeno primitivo, os melhores nacos de carne, o maior número de fêmeas (com o que muitos da espécie ainda se comprazem). No entanto, o que mais o caracterizou foi sua ferrenha resolução de suplantar inimigos, exterminar, subjugar, escravizar ou excluir membros do bando, esse longínquo precursor das empresas da agora chamada pós-modernidade[i]. 

Lentamente esse homem evoluiu; e descobriu-se contraditório: se por um lado emociona-se com poemas encadeados em estrofes comoventes transmitidas oralmente de geração a geração, por outro, voraz e ávido por dominar, lança-se com ferocidade a cruentas batalhas, e passa a fio de espada homens, mulheres e crianças, sem condescendência ou remorso. Se essa conflituosa e emaranhada teia de emoções, instintos e razão nunca deixou de caracterizá-lo, com o tempo ele amainou-se, recalcando seus instintos primitivos sob o manto do cristianismo – ou antes, sob o pavor que o fogo do inferno lhe infundia. 

Por outro lado, à medida que se distanciava das catacumbas romanas, amealhava riquezas por toda a Terra e sobrepunha-se ao poder de reis e conquistadores, constituindo-se em Poder Supremo, a Igreja de Cristo aos poucos se corrompia pela prática de imoralidades que condena, pela venda de indulgências e benesses no céu. Em nome de Deus, prevaleceram a atrocidade e o fanatismo religioso que a tudo justificava: por mais de trezentos anos a Terra foi iluminada pelas fogueiras da Inquisição, enquanto papas infalíveis, mas corruptos, cardeais mundanos e sacerdotes venais entregavam-se a todos os vícios associados à palavra concupiscência, sem que fossem queimados nas mesmas fogueiras a que condenavam supostos hereges, aqueles que indigitavam sua ilicitude e homens de ciência que refutavam seus dogmas arcaicos e inconsistentes. Diante de tais ministros, e de tal Deus em nome de quem se praticou tanta ruína, o poder da Igreja e suas verdades absolutas, o pavor do Inferno e seus demônios, o direito divino dos reis, foram naturalmente perdendo sua face assombradora, cedendo lugar, a cada novo ciclo, ao predomínio da razão; à noção de que todos deveriam ser iguais perante as leis, aspiração jamais alcançada nas leis dos homens. Assim nasceu o projeto do Iluminismo, alicerçado no poder da razão, nos ideais de liberdade, igualdade e fraternidade, no liberalismo econômico da florescente burguesia de meados do século XVIII. 

A chegada do século XIX, que o século das Luzes acalentara, marcou o breve período de redenção e glória do homem aqui retratado, quando uma fina crosta de solidariedade recobriu-o por um curto período, humanizando-o. “A suavidade era uma das metáforas principais da época. As mentes do século XIX discordavam de quase tudo, exceto de o quanto os repugnava a aspereza. Entre uma coisa e outra, seja na tela de um pintor acadêmico ou nos mundos naturais e sociais, havia sempre um sfumato, uma transição. Marx, Hegel e Darwin concordavam em que a mudança era, se não regular, ao menos suave. ... Era mais como o desenvolvimento perigosamente complexo, mas completamente harmônico, de uma sinfonia de Brahms. Tal qual um balé clássico, seu andamento era o legato”[ii]. 

O Oitocentos, como às vezes é lembrado, foi sem dúvida o século em que o intelecto humano quebrou todos os paradigmas do que se entende por “excelência”: a matemática conheceria sua época de ouro; a física avançaria mais que em toda a sua história pregressa, deixando de ser uma única ciência para subdividir-se em diversos ramos inter-relacionados; o romantismo, o modernismo, o impressionismo, o realismo e outros ismos predominaram nas artes e nas ciências que, no final do século e início do seguinte, conheceriam seu período mais efervescente, a Belle Époque. Nas ciências, na literatura, na pintura, na escultura, na música erudita e na ópera, poucos foram os gênios que não nasceram ao longo do século ou nele não atingiram sua maturidade criativa. 

Mais que tudo, o século XIX também foi marcado, como nenhum outro antes ou depois, pelas preocupações humanitárias que caracterizaram os idealistas alemães, os socialistas utópicos e, mais que esses, a Marx e Engels, defensores intransigentes dos proletários e espoliados; de Sigmund Freud, que investigou os mistérios da mente; de Charles Darwin, que formularia a teoria da evolução das espécies, e tantos outros. Hans Christian Andersen, com sua empatia pelos párias e infelizes, ensinou crianças e adultos a se postarem do lado certo das equações dicotômicas que norteiam condutas e relações sociais: o bem triunfa sobre o mal, o edificante sufoca o solerte, o amor sobrepõe-se ao ódio. 

Por outro lado, o século em cujo transcorrer se repugnava a aspereza foi também aquele no qual as luzes do Iluminismo e da filosofia quase se apagaram; no qual a mão invisível do liberalismo de Adam Smith – que impediria os governos inglês e francês de se imiscuírem nos negócios privados –, consolidou a Revolução Industrial e seus salários aviltantes, as condições de vida miseráveis, as jornadas de trabalho de até 16 horas a que eram submetidos homens, mulheres e crianças. 

Na filosofia, “as duas tendências dominantes subordinavam-se à ciência: o positivismo francês, associado à escola do curioso Augusto Comte, e o empirismo inglês, de John Stuart Mills, sem mencionar o medíocre pensador, cuja influência era maior que a de qualquer outro no mundo, Herbert Spencer (1820-1903)”[iii]. 

No mundo do trabalho, “uma nova miséria urbana se desenvolveu, mais visível, chocante e, sob certo aspecto, mais extrema do que a miséria rural do Antigo Regime.”[iv] Em meados do século, “em Manchester, 60.000 pessoas viviam em pátios e 40.000 em porões. Em 1.500 desses porões, três pessoas dormiam numa mesma cama; em outros 738, quatro que descansavam em um só colchão, e nos demais 281, cada cama era compartilhada por cinco pessoas. Uma espécie de tina esvaziada pelas manhãs era usada como privada. Para um de seus distritos havia 33 tinas servindo a 7.000 pessoas.”[v] 

Tanta miséria e tanta exploração do trabalho humano levaram aos movimentos e sublevações que marcaram a Europa: o luddismo (1811) e o cartismo (1837) na Inglaterra; a revolta dos tecelões da Silésia (1844); o insurgimento dos servos da Galícia austríaca (1846). Na França: a Revolução de Fevereiro de 1848, quando trabalhadores miseráveis e camponeses esfomeados[vi] puseram abaixo o reinado de Luiz Felipe e sublevaram-se contra o império multinacional dos Habsburgo[vii]; as Jornadas de junho de 1848 e a posterior instalação da efêmera Segunda República (1848-1952), encerrada pelo golpe de Luis Napoleão Bonaparte (1851), celebrizado no “18 Brumário de Luis Bonaparte”, de Karl Marx. Não menos importante e ao mesmo tempo trágico foi o advento da efêmera Comuna de Paris em 1871, a primeira república proletária da História – a que sonhou com um mundo igualitário e conquistas sociais –, reprimida com rigorosa ferocidade pelo governo francês de Thiers, instalado em Versalhes. 

Alexis de Tocqueville, um monarquista, classificou a insurreição de junho de 1848 como “a maior e mais singular” da história da França, embora a trate com certa ironia e nela enxergue ilegitimidade – como todo bom aristocrata. As causas que provocaram o que se testemunhou em junho de 1848 na Europa – também em Pernambuco, no Brasil – transborda das fronteiras do século XIX, renascem com maior força a partir do terceiro quartil do século XX e se robustece nos primeiros anos do século XXI, o das desigualdades avassaladoras. “[Foi] A maior”, escreve Tocqueville, “pois durante quatro dias mais de 100 mil homens nela se engajaram, e cinco generais pereceram; a mais singular, pois os insurgentes combateram sem gritos de guerra, sem lideres, sem bandeira e, não obstante, com um conjunto maravilhoso e com uma experiência militar que assombrou os mais antigos oficiais.” O que mais a distinguiu dentre todos os acontecimentos do gênero ocorridos nos sessenta anos que a precederam “foi que ela não teve por objetivo mudar a forma de governo, mas alterar a ordem da sociedade. Não foi, para dizer a verdade, uma luta política (no sentido que até então tínhamos dado à palavra), mas um combate de classe, uma espécie de guerra civil. Isso caracterizou a Revolução de Fevereiro quanto ao fatos, do mesmo modo que as teorias socialistas a haviam caracterizado quanto às ideias; ou antes, elas saíram naturalmente dessas ideias, como o filho sai da mãe; e nela não se deve ver mais que um esforço brutal e cego, mas poderoso, dos operários para escapar das necessidades de sua condição (que lhes havia sido descrita como uma opressão ilegítima) e para abrir a fórceps um caminho em direção àquele bem-estar imaginário (que lhes havia sido mostrado de longe como um direito). Foi essa mistura de cúpidos desejos e de falsas teorias que, depois de desencadear a insurreição, tornou-a tão formidável. Havia-se assegurado às pessoas pobres que o bem dos ricos era de alguma maneira o produto de um roubo cujas vítimas eram elas. Da mesma forma foi-lhes dito que a desigualdade das fortunas era tão contrária à moral e à sociedade quanto à natureza. É preciso assinalar ainda que essa insurreição terrível não foi fruto de certo número de conspiradores, mas a sublevação de toda uma população contra outra. As mulheres nela tomaram parte tanto quanto os homens. Enquanto estes combatiam, elas preparavam e traziam as munições; e quando, ao final, tiveram de se render, foram as últimas a se decidir. ... Contavam com a vitória para o bem-estar de seus maridos e para a educação de suas crianças.”[viii] 

As jornadas de 1848 fracassaram em seu intento[ix], pois quase tudo o que foi conquistado, exceto pelo pouco que se ganhou na França, voltou aos seus antigos lugares. Hoje, 1848 é só um marco do “triunfo de uma sociedade que acreditou [e nisto foi bem sucedida] que o crescimento econômico repousava na competição da livre iniciativa privada, no sucesso de comprar tudo no mercado mais barato (inclusive o trabalho) e vender no mais caro”[x]. 

No que restou do século que marcou o período que assinala o abandono definitivo das teses humanitárias e do Iluminismo – o século XX –, percebe-se que as equações dicotômicas do bem já há muito trocaram seus sinais; que o homem voltou a acreditar (como o Iago do Otello de Verdi) que a morte é uma velha tolice, e dá vazão a seus mais infrenes instintos de destruição. “Visto que este século nos ensinou e continua a ensinar que os seres humanos podem aprender a viver nas condições mais brutalizantes e teoricamente intoleráveis, não é fácil apreender a extensão do regresso, por desgraça cada vez mais rápido, ao que nossos ancestrais do século XIX teriam chamado padrões de barbarismo”, escreve Eric Hobsbawm[xi] ao analisar as contradições do conturbado século XX, que se tornam ainda mais intoleráveis nos primeiros anos do século XXI, quando o homem muda seus métodos e refina-se, pois agora ele dizima por razões puramente contábeis e por meio da mais desenfreada e cúpida especulação financeira que nada produz, exceto dinheiro, desigualdade e quebra de direitos humanitários. No ambiente fútil por onde circula, o homem da virada do século XX para o século XXI mostra seu lado prosaico ao exibir, ostensivamente, bricabraques modernos e caros, riqueza e símbolos fátuos a ele associados. E como a nuance entre o bom gosto e a ostentação tornou-se imperceptível, o exercício do ridículo que tão bem caracteriza parte dessa estranha raça de ensoberbecidos conquistadores evoluiu: se identificam origens nobiliárquicas, as logomarcas deixam seus nichos recônditos para ocupar lugares de destaque no vestuário ou nos objetos de sua estima – seus produtos de marca –, que apenas comprovam que a distinção, antes um predicado do intelecto, desce do altar da cabeça e vai até os chinelos, que também já possuem suas grifes. Como bem notou Thorstein Bunde Veblen no apagar das luzes do século XIX, “a assinatura da força pecuniária daqueles que querem impressionar” – mais pelo que têm e representam do que pelo que são, o que nos remete a Arthur Schopenhauer e aos seus Aforismos para a Sabedoria na Vida[xii] – “deve ser escrita em caracteres que possam ser lidos por quem por eles passa correndo.”[xiii]. 

Ora, buscando ser pioneiros ao adquirir tudo o que seja a última versão de qualquer coisa nesse universo de obsoletismo programado, muitos se esquecem da adequação do estilo à silhueta, e pouco se importam que venham todos a assemelhar-se ou aos lírios do campo ou aos cogumelos. Mas “essa sociedade, formada por um conjunto de indivíduos egocentrados sem conexão entre si, em busca apenas da própria satisfação (o lucro, o prazer e seja lá o que for), estava sempre implícita na teoria capitalista”[xiv]. E quando posta lado a lado com a antiga nobreza dos Luíses da França, esta parece-nos muitíssimo menos agressiva, embora fosse muito mais fútil: desfilava extravagâncias, vaidades e sobranceira indiferença à miséria circundante, e era infensa ao pensamento filosófico de sua época. E estava longe de ser tão violenta, pois o que a notabilizava eram os trajes e costumes exóticos, os sapatos altos e coloridos, as perucas polvilhadas e os batons, os pós de arroz e as rendas e os babados, perfumes de variados aromas para encobrir-lhes o mau cheiro, e um total alheamento ao sofrimento do povo miserável e esfomeado a sua volta. 1789, cuja repetição parece agora remota, separou boa parte daquelas cabeças vazias de seus corpos emproados, mas não marcou-lhes o fim. Em 1971, quando já eram perceptíveis os sinais de que findava o ciclo de prosperidade experimentado nos pós-guerra (1945-1975), período em que, pela primeira vez, o crescimento econômico e os avanços sociais beneficiaram praticamente a todos – industriais, empresários e trabalhadores –, foi fundado o Fórum Econômico Mundial de Genebra, que a cada ano transforma a Montanha Mágica celebrizada por Thomas Mann numa nova Versalhes[xv]. Desde então, no topo de seus picos cobertos de neve, longe de rodopiar ao som do minueto ou da gavota, o mais seleto estrato da nobreza da Era Global passou a discutir e a pôr em prática as doutrinas neoliberais da Escola de Chicago - cujo primeiro laboratório vivo foi o Chile da Ditadura Pinochet; o thatcherism de Margareth Thatcher e a reagonomics[xvi] de Ronald Reagan; a agenda neoliberal, a reengenharia e tantas outras doutrinas que concorreram para a esgarçadura das relações entre patrões e empregados. Seus objetivos, o desmonte do estado de bem-estar social, a desregulamentação da economia, a eliminação drástica de empregos e a subjugação total dos trabalhadores a regimes de trabalho que apontam de volta para os eventos trágicos da Revolução Industrial do século XVIII. Seus arautos, teóricos da nova administração que bem merecem ser também chamados de “respeitáveis professores da Lúgubre Ciência”[xvii], invadiram os ambientes das corporações e revistas de negócios com seu linguajar esotérico; disseminaram teorias que encheram os olhos de governantes e dirigentes de empresa carentes de boas ideias e sedentos por transfixar o peito dos trabalhadores com as lanças pontiagudas lá engendradas. Sob sua inspiração, executivos de todos os escalões administrativos passaram a exercitar um palavreado esotérico e mesclado de uma enxurrada de termos e locuções do idioma inglês, como se panaceia fosse capaz de finalmente desembaraçar o novelo enigmático da administração dos negócios rumo ao lucro seguro, incessante e ascendente. 

Mais que neologismos a insinuar desemprego, esse novo linguajar e as práticas a ele associadas minaram irremediavelmente a confiança e o respeito que permeavam os fossos entre os níveis hierárquicos das empresas. Consequentemente, perdeu-se de vez a certeza de que se manteria no emprego quem fosse competente no que fazia, assíduo e responsável, pois as empresas do novo capitalismo alardeiam desprezar o profissional de longa experiência, e dispensam a lealdade que ele lhes devotava no passado. Permanência fugaz, submissão a longas jornadas não remuneradas, doação da própria alma, renúncia ao lazer, conformidade a salários em queda livre, intranquilidade, insegurança, estresse, desespero e surda revolta são as novas palavras de ordem, uma estranha mealha de competências. 

O abandono pelos governos das teses acordadas em Bretton Woods e das políticas de bem estar social; sua total rendição à desregulamentação dos mercados; o advento da reengenharia e os malefícios da globalização – esta última não mais entendida como nos tempos dos fisiocratas e, depois, nos de Marx, mas pela transferência de fábricas inteiras para países de mão de obra barata, senão miserável – trouxeram como corolário o desvio acelerado rumo à estratosfera das curvas dos salários e bonificações de presidentes e altos executivos das empresas. Concomitantemente, as curvas que assinalam as tendências dos níveis de emprego, dos salários dos trabalhadores e investimentos governamentais em políticas de bem-estar social se inflectiram e ainda se inflectem aceleradamente rumo ao chão. A esse respeito, matéria publicada no blog estadunidense ThinkProgress.org revela que em 2012 a média dos salários dos presidentes das 500 empresas estadunidenses que compõem o índice S&P 500 (Standard & Poor 500) era 354 vezes maior que a média dos salários dos trabalhadores. Entre 1960 e 1980, a relação havia passado de 20/1 para 30/1, chegando a 400/1 na virada do milênio. Da matéria afloram informações ainda mais espantosas: em 2013, depois de um corte drástico em seus ganhos em relação ao ano anterior, o então presidente da Coca Cola auferiu salário anual de 18,2 milhões de dólares; no mesmo ano, nos Estados Unidos, a média anual de salários dos CEOs atingiu pela primeira vez a marca de 10,5 milhões de dólares. Por outro lado, enquanto na primeira década do século XXI as remunerações dos presidentes de empresa correram soltas, os salários reais da classe trabalhadora foram achatados, embora sua produtividade tenha aumentado drasticamente. No fim das contas, como as bonificações por desempenho e as opções de compra de ações pelos CEOs são dedutíveis do imposto de renda, cada contribuinte termina por subsidiar a diferença entre seu salário e os salários dos presidentes das empresas em que trabalham. Finalmente a parte mais espantosa: mesmo quando deixam de cumprir suas metas, CEOs de empresas estadunidenses recebem polpudas bonificações por desempenho.[xviii] 

Diante de tal quadro, é inescapável a comparação entre o que acontece nos primórdios do século XXI e o que aconteceu nas seis primeiras décadas do século XIX, “quando os salários dos operários estagnaram em níveis muito baixos — próximos ou mesmo inferiores aos do século XVIII e aos dos séculos anteriores. Essa longa fase de estagnação salarial, observada tanto no Reino Unido quanto na França, é ainda mais impressionante quando se leva em conta que o crescimento econômico se acelerou nesse período. ... O que se observa nos anos 1870-1914 é tão somente uma estabilização da desigualdade em nível extremamente elevado. Em certos casos, é possível identificar uma espiral de disparidade acompanhada de concentração progressiva da riqueza. É muito difícil dizer o que teria acontecido com essa trajetória se os choques econômicos e políticos deflagrados na Primeira Guerra Mundial não tivessem ocorrido.”[xix] Também é muito difícil dizer-se, neste início do século XXI, sobre o que poderá acontecer em um mundo dominado por empresas que pagam exorbitâncias a seus dirigentes, cortam empregos e reduzem os salários e direitos de seus trabalhadores a níveis inimagináveis. 

“Algo sinistro começou a acontecer nos Estados Unidos em 2006”[xx]. Assim, em tom sombrio, David Harvey abre o primeiro capítulo de seu livro “O Enigma do Capital e as Crises do Capitalismo”, trazendo à lembrança uma outra abertura famosa: “Um fantasma ronda a Europa – o fantasma do comunismo”[xxi]. Qualquer dessemelhança não é aqui mera falta de coincidência, pois o fantasma que atualmente assombra não só a Europa, mas o mundo todo, não é o comunismo, mas o capitalismo desregulado. 

Prossigamos, pois, na companhia desse autor – não vale a pena reelaborar o que ele escreve para fugir das aspas: 

“A taxa de despejos em áreas de baixa renda de cidades antigas, como Cleveland e Detroit, repentinamente explodiu. Contudo, as autoridades e a mídia não deram atenção porque as pessoas afetadas eram de baixa renda, principalmente afro‑americanos, imigrantes (hispânicos) ou mães solteiras. Os afro‑americanos, em especial, vinham tendo dificuldades com o financiamento de habitações desde o fim dos anos 1990. Entre 1998 e 2006, antes de a crise imobiliária bater com seriedade, estima‑se que perderam entre 71 bilhões e 93 bilhões de dólares em ativos ao se envolver com empréstimos conhecidos como subprime. Mas nada foi feito. ... Até o fim de 2007, quase 2 milhões de pessoas perderam suas casas e outros 4 milhões corriam o risco de ser despejados. Os valores das casas despencaram em quase todos os EUA e muitas famílias acabaram devendo mais por suas casas do que o próprio valor do imóvel. Isso desencadeou uma espiral de execuções hipotecárias que diminuiu ainda mais os valores das casas. ... As pessoas por trás do financiamento da catástrofe das hipotecas inicialmente pareceram não se abalar. Em janeiro de 2008, os bônus em Wall Street somaram 32 bilhões de dólares, apenas uma fração menor do que o total em 2007. Esta foi uma recompensa notável pela destruição do sistema financeiro mundial. As perdas dos que estão na base da pirâmide social quase se igualaram aos extraordinários ganhos dos financistas na parte superior. ... Investidores incautos em todo o mundo, como fundos de pensão, pequenos bancos regionais europeus e governos municipais da Noruega à Flórida, que haviam sido atraídos para investir em carteiras de hipoteca com ‘muita garantia de retorno’, terminaram segurando pedaços de papel sem valor e incapazes de cumprir suas obrigações ou pagar seus empregados. [...] O banco de investimentos Lehman Brothers desabou em 15 de setembro de 2008, pouco depois alguns funcionários e banqueiros do Tesouro, incluindo o secretário do Tesouro, que era um ex‑presidente da Goldman Sachs e atual diretor executivo da Goldman, surgiram de uma sala de conferências com um documento de três páginas exigindo 700 bilhões de dólares para socorrer o sistema bancário, prenunciando um Armageddon nos mercados. Era como se Wall Street tivesse iniciado um golpe financeiro contra o governo e o povo dos Estados Unidos. ... Na primavera de 2009, o Fundo Monetário Internacional estimava que mais de 50 trilhões de dólares em valores de ativos (quase o mesmo valor da produção total de um ano de bens e serviços no mundo) haviam sido destruídos. A Federal Reserve [o Banco Central norte-americano] estimou em 11 trilhões de dólares a perda de valores de ativos das famílias dos EUA apenas em 2008. Naquele período, o Banco Mundial previa o primeiro ano de crescimento negativo da economia mundial desde 1945.” 

Essa é a história resumida do que aconteceu nos Estados Unidos e em grande parte da Europa , e esse é o mundo em que vivemos depois que conglomerados financeiros desregulados passaram a produzir desastres, deles saindo ilesos por serem Grandes Demais para Falhar. Como se nada houvessem produzido de ruim ao redor do mundo, em 2009 os banqueiros de Wall Street decidiram distribuir bonificações de quase 20 bilhões de dólares entre eles, enquanto o estado da economia norte-americana se deteriorava e depois de o governo estadunidense gastar bilhões de dólares para socorrê-los. Sua iniciativa levou o presidente Barack Obama a rotulá-los de “desavergonhados”[xxii]. Quanto às vítimas do desastre por eles produzido, estas, eram pequenas demais para merecer qualquer tipo de ajuda, após perderem suas economias, seus bens, seus lares, seus empregos, sua dignidade. Assim evoluiu o mundo capitalista entre 1973 e 2008, período em que o capitalismo foi sendo aos poucos desregulado enquanto sofria seguidas crises, a maioria delas envolvendo instituições financeiras; assim ainda é o mundo capitalista em que vivemos, e assim continuará a ser e nada vai mudá-lo, pois, conforme escrito nos contos de fadas do neoliberalismo, executivos que dirigem empresas e conglomerados financeiros privados são suficientemente responsáveis e capazes de andar por conta própria, sem a severa vigilância dos governos. 

“De agora em diante, os banqueiros reinarão na França”, disse o banqueiro e político francês Jacques Lafitte após ajudar a alta burguesia a instalar no trono Luis Filipe de Orleans, o rei burguês. Embora somente a pequena burguesia e o proletariado houvessem lutado nas ruas de Paris ao longo dos ‘três dias gloriosos’ de julho de 1830, quando derrubaram o rei Carlos X, o absolutismo por ele revivido e a velha ordem aristocrática, somente uma parcela da alta burguesia assumiu o poder: os representantes do capital financeiro. 

Dobrando-se a fita do tempo onde são gravados os eventos da História no ponto que assinala o esplendor do Império Bizantino – o século de Justiniano I e Teodora – , ouvir-se-á do outro lado, no marco que faceia o alvorecer do Século XXI, a voz de Homero a proclamar as palavras com que Aquiles diz ao comandante da campanha grega na tomada de Troia, Agamémnone, o mesmo que um trabalhador – neoliberalizado, terceirizado, de contrato zero ou não –, poderia dizer, se pudesse, ao seu patrão: 

“É bem verdade que a parte mais dura dos prélios sangrentos 

a estes meus braços compete; mas quando se passa à partilha, 

sempre o quinhão mais valioso te cabe, enquanto eu me contento 

com recolher-me ao navio, alquebrado, com paga mesquinha”[xxiv]. 



Notas: 


[i] “Em geral, a pós-modernidade representa uma fase do capitalismo marcada por algumas características econômicas e ideológicas distintas (a “era da informação”, a produção enxuta, a “acumulação flexível”, o “capitalismo desorganizado”, o consumismo, etc.). Mais particularmente, porém, ela é marcada por certas formações culturais resumidas na formulação “pós-modernismo”, cujo traço isolado de maior destaque é o questionamento do “projeto iluminista”. (WOOD, Ellen Meiksins. A Origem do Capitalismo. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 2001. p. 121). 

[ii] EVERDELL, William. Os Primeiros Modernos. São Paulo: Editora Record. 2000. p. 22. 

[iii] HOBSBAWN, Eric. A Era do Capital. 1848-1875. São Paulo: Editora Paz e Terra. 2000. p.350. 

[iv] PIKETTY, Thomas. O Capital no Século XXI. Rio de Janeiro: Editora Intrínseca. 2014. p. 

[v] ROSEN, George. Uma História da Saúde Pública. Trad. de Marcos F. S. Moreira. São Paulo: Unesp, 1994. p. 166-167. 

[vi] “... Os que fizeram a revolução foram inquestionavelmente os trabalhadores pobres. Foram eles que morreram nas barricadas urbanas [...] Foi sua fome que alimentou as demonstrações que se transformaram em revoluções”. HOBSBAWN, Eric. Op. cit. p. 35. 

[vii] “Alguns contemporâneos conceberam as jornadas de junho de 1848, esse primeiro embate de vulto entre a república liberal e o proletariado insurrecto de Paris, como um genocídio social, uma tentativa sem precedentes de exterminar toda uma classe da sociedade” [...] “Assim, pode-se compreender o acontecimento das jornadas de junho, que parecem absolutamente inimagináveis num século XIX civilizado, como o paradigma da vida moderna, como o fruto tão monstruoso quanto natural do cotidiano burguês”. OEHLER, Dolf. O Velho Mundo Desce aos Infernos. São Paulo: Companhia das Letras. 1999. pp. 10, 23. 

[viii] TOCQUEVILLE, Alexis. Lembranças de 1848 – As Jornadas Revolucionárias de Paris. São Paulo: Editora Schwarcz Ltda. 2011. pp. 187-188. 

[ix] “Desde então, não iria mais ocorrer nenhuma revolução social geral do tipo buscado antes de 1848 nos países ‘avançados do mundo’[...] A revolução industrial (inglesa) havia destruído a revolução política (francesa)”. HOBSBAWN, Eric. Op. cit. p. 21. 

[x] HOBSBAWN, Eric. Op.cit. p. 19. 

[xi] HOBSBAWN, Eric. A Era dos Extremos, O Breve Século XX 1914-1991. São Paulo. Companhia das Letras. 1996. p. 22. 

[xii] “Aristóteles (Eth. Nicom. I,8) dividiu os bens da vida humana em três classes – os exteriores, os da alma e os do corpo. Conservando disso apenas essa divisão em três, direi que o que fundamenta as diferenças na sorte dos mortais pode-se reduzir a três determinantes básicas que são: 1. Aquilo que se é: portanto, a personalidade em sentido amplo. Assim, compreende esse título a saúde, a força, a beleza, o temperamento, o caráter moral, a inteligência e o seu cultivo. 2. Aquilo que se tem: assim, a propriedade e a posse, em todos os sentidos. 3. Aquilo que se representa: Sabe-se que por essa expressão compreende-se o que se é na ideia de outrem, portanto, como se é por eles representado. Consiste, pois na opinião que de nós formam, e divide-se em honra, posição e fama.” SCHOPENHAUER, Arthur. Aforismos para a Sabedoria na Vida. São Paulo. Editora Melhoramentos. p. 21. 

[xiii] VEBLEN, Thorstein. The Theory of the Leisure Class. Hazleton: Pennsylvania State University Electronic Classic Series. 2003. p. 59. 

[xiv] HOBSBAWN, A Era do Capital. 1848-1875. São Paulo: Editora Paz e Terra. 2000. p. 25. 

[xv] Richard Sennett é quem associa Davos a Versalhes, ao traçar um perfil acerbo dos que por lá circulam: “Davos dedica-se ao aquecimento econômico global, o centro de conferências cheio de ex-comunistas louvando as virtudes do livre comércio e do consumo conspícuo”, ele diz. “Poucas das pessoas que conheci em Davos começaram a vida ricas ou poderosas como se tornaram depois. É um reino de conquistadores. [...] O Homem de Davos pode ser implacável e ganancioso, mas só essas qualidades animais não bastam para explicar os traços de caráter dos magnatas da tecnologia, dos capitalistas de risco e dos especialistas em reengenharia empresarial ali reunidos”. SENNETT, Richard. A Corrosão do Caráter. São Paulo: Editora Record. 2000. pp. 69-73. 

[xvi] Thatcherism e reaganomics: neologismos associados às políticas neoliberais da primeira-ministra inglesa Margareth Thatcher, que governou a Inglaterra no período 1979-1990, e Ronald Reagan, presidente dos Estados Unidos no período 1981-1989. 

[vii] Assim Thomas Carlyle referiu-se aos economistas Ricardo e Malthus, e à sua ciência, a Economia. Apud GALBRAITH, John Kenneth. The Affluent Society. New York: Menthor Books. 1958. p. 31. 

[xviii] PYKE, Alan. “Americans Have No Idea How Much Less They Make Than Their Companies’ CEOs”. Internet: ThinkProgress.org. 24/09/2014. 

[xix] PIKETTY, Thomas. Op. cit. 

[xx] HARVEY, David. O Enigma do Capital e as Crises do Capitalismo. São Paulo. Boitempo Editorial. 2011. p. 9-13. 

[xxi] MARX, Karl, ENGELS, Friedrich. Op. cit. 

[xxii] STOLBERG, Sheril Gay, LABATON, Stephen. Obama Calls Wall Street Bonuses ‘Shameful’. New York: New York Times. 29/01/2009. 

[xxiv] HOMERO. Ilíada. Tradução de Carlos Alberto Nunes. São Paulo: Editora Ediouro. 2000. Canto I, v. 165-168 



(Ilustração: Bernard Buffet (1928-1999) -1998) 


sábado, 23 de março de 2019

LA MORT D’UNE LIBELLULE / A MORTE DE UMA LIBÉLULA, de Anatole France








Um jour que voyais ces sveltes demoiselles,

Comme nous les nommons, orgueil des calmes eaux,

Réjouissant l’air pur de l’éclat de leurs ailes,

Se fuir e se chercer par-dessous les roseaux,



Um enfant, l’oeil en feu, vint jusque dans la vase,

Pousser son filet vert, à travers les iris,

Sur une libellule; et le réseau de gaze

Emprisonna le vol de l’insecte surprise.



Le fin corsage vert fut percé d’une épingle;

Mais la frêle blessée, en un farouche effort

Se fit jour, et, prenant ce vol strident qui cingle,

Emporta vers les joncs son épingle e sa mort.



Il n’eût pas convenu que, sur une liève infame,

As beauté s’étalât aux yeux des écoliers:

Elle ouvrit pour mourir ses quatre ailes de flamme

Et son corps se sécha dans les joncs familiers.



Tradução de Cunha e Silva Filho:



Certa vez, vi essas esbeltas mocinhas,

Como as chamamos, orgulho das águas calmas,

Deliciando-se no ar puro do brilho de suas asas

Evadirem-se e se procurarem por sobre os caniços.



Uma criança, o olho afogueado, veio até ao vaso,

E, através dos íris uma rede verde, estender

Sobre uma libélula e a rede de gaze

Impedir do inseto surpreendido o voo.



Foi, por um alfinete espetado, o fino corpinho verde;

Porém, a frágil criatura ferida, com um enorme esforço,

Alento recobrou e, alçando voo, estridente singrou,

Em direção aos juncos, levando o alfinete e a morte.



Sobre uma cortiça infame, não lhe convinha,

Aos olhos dos escolares, a beleza exibir:

Abriu, então, pra morrer, as quatro asas de chama

E, nos juncos familiares, o corpo secou.



(Ilustração: Nathalie Penet – libellule)




quarta-feira, 20 de março de 2019

O POETA COMO HERÓI: PESSOA E CARLYLE [1], de Leyla Perrone-Moisés







Sabemos que, em sua adolescência, Fernando Pessoa foi um leitor admirativo de Thomas Carlyle. O escritor escocês constava no currículo escolar do jovem poeta [2] , e em sua biblioteca continuou constando, através dos anos, o livro Sartor, Resartus. Heroes Past and Present [3]. Esta obra permaneceu viva na memória do poeta, que a refere em alguns escritos. Por exemplo: ele cita a mesma frase do Carlyle em dois fragmentos do Livro do desassossego [4].

Em seu livro Fernando Pessoa na África do Sul, Alexandrino E. Severino dedicou um capítulo à influência de Carlyle sobre Pessoa, em particular no que concerne ao papel do poeta no governo da nação. O que aqui pretendo examinar é, de modo mais geral, a concepção do poeta como herói, e as diversas posições assumidas por Pessoa, como homem e como poeta, com respeito a essa concepção.

A concepção do poeta como herói foi introduzida pelos românticos alemães e levada para a Inglaterra por Thomas Carlyle. Em suas famosas conferências “The Hero as Man of Letters” e “The Poet as Hero”[5], ambas de 1840, Carlyle observava que os heróis de tipo divino ou profético pertenciam a tempos remotos e já não eram cultuados no mundo moderno. E ele propunha que se considerassem os escritores como os heróis das novas eras.

Curiosamente, a primeira conferência, “The Hero as Man of Letters”, contém mais informações sobre a concepção do poeta como herói do que a segunda, intitulada precisamente “The Poet as Hero”. Nesta segunda conferência, o ensaísta apenas exemplifica sua tese, apontando Shakespeare, Goethe e Dante como heróis nacionais de seus respectivos países. É na primeira, portanto, que nos deteremos.

As principais ideias expostas por Carlyle são as seguintes:

1) A difusão da imprensa trouxe uma nova forma de heroísmo que se manterá nas eras futuras;

2) O escritor deve ser encarado como a mais importante das pessoas modernas;

3) A vida de um escritor nos permite conhecer melhor o tempo que o produziu e no qual viveu;

4) A função do escritor é a mesma que as eras passadas atribuíam ao Profeta, ao Sacerdote e à Divindade;

5) A Literatura é uma forma de revelação.

6) A sociedade contemporânea oferece condições difíceis para o escritor, do ponto de vista moral e material; no entanto, ela deveria reconhecer sua importância e dar-lhe o governo das nações.

7) Essa sociedade é miserável e “pestilenta”, mas vai melhorar no futuro; o ceticismo moral e intelectual deve ser vencido, porque “o homem vive por acreditar em alguma coisa, não por debater e discutir sobre muitas coisas” [“A man lives by believing something, not by debating and arguing about many things.”].

8) Não devemos pensar em salvar o mundo, porque Deus cuidará disso. Devemos olhar para nós mesmos e cumprir o “dever de ficar em casa” [“the ‘duty of staying home’”].

9) O Herói-Homem-de-Letras merece ser adorado e seguido por adoradores. Mas permanece tranquilo e indiferente à celebridade.

10) O Herói-Homem-de-Letras não é um vitorioso, mas um herói que tombou [“a fallen Hero”].

Examinemos, agora, em que medida Fernando Pessoa adotou essas ideias de Carlyle. Em sua juventude, ele mantinha a convicção romântica de que a literatura era uma forma de revelação, de que o poeta tinha uma missão transcendente a cumprir e uma vocação imperiosa a honrar: “a terrível e religiosa missão que todo homem de gênio recebe de Deus com o seu gênio” (carta a Armando Cortes Rodrigues, 19/01/1915).

Como afirmava Carlyle, Pessoa acreditava que os homens de letras (“os homens do sonho”) deviam ter um papel relevante no governo das nações. Em outra carta ao mesmo destinatário (02/09/1914), o poeta dizia estar escrevendo uma “Teoria da República Aristocrática”, à maneira de Carlyle.

Em vários pontos de sua obra, Pessoa lamentou que o mundo de seu tempo não permitisse mais a aliança do sonho com a ação, como ocorrera em Portugal, na era dos Descobrimentos. Esse ideal heroico permanece, em sua obra poética e ensaística, sob a forma de utopia messiânica. É em Mensagem que o poeta celebra os heróis de seu país, como inspiração para um futuro “império” português. Sabemos, porém, que as propostas de Pessoa não concerniam diretamente à res publica, e que o Quinto Império por ele anunciado seria um império cultural.

A visão de sua época como uma época de decadência também é fartamente expressa em sua obra. A vulgarização da imprensa, como qualquer vulgarização, o desgostava. O pequeno número de suas publicações, em contraste com a espantosa abundância de seus textos inéditos, mostra ao mesmo tempo a alta conta em que tinha o Livro e a baixa expectativa com relação ao público virtual. No Livro do desassossego, podemos ler: “Publicar-se – socialização de si próprio. Que ignóbil necessidade! Mas ainda assim que afastada de um acto – o editor ganha, o tipógrafo produz. O mérito da incoerência ao menos.” (LD 216) [“To be published – the socialization of oneself. (Contemptible necessity! But still not involving an act, since it is the editor who earns, the printer who produces.) It at least has the merit of incoherence.[6]”]

Entretanto, os textos pessoanos mostram o quanto a situação se agravou desde o início do século XIX. Carlyle era cristão, acreditava num Deus providencial. Pessoa considerava o cristianismo uma doença de nossa civilização. Ele viveu o tempo da ausência dos deuses, do silêncio dos oráculos, tempo em que o Poeta não era mais o Profeta e o Sacerdote, mas apenas um emissário sem credenciais.

Ainda religioso, Carlyle acreditava na Verdade com V maiúsculo e considerava a sinceridade como a principal qualidade do Poeta. Pessoa não acreditava na existência de uma verdade única, e relativizou ao extremo a sinceridade do poeta. Finalmente, Carlyle era otimista quanto ao futuro, enquanto Pessoa incorre, muitas vezes, no pecado de niilismo condenado pelo escritor escocês. Quando, no fim de Mensagem, ele escreve “É a Hora!”, essa Hora oculta no nevoeiro é mais uma aspiração do que uma crença. Mais adequada ao poeta, porque mais constante, é a constatação de Álvaro de Campos: “Os deuses vão-se, como forasteiros. / Como uma feira acaba a tradição. / Somos todos palhaços e estrangeiros. / A nossa vida é palco e confusão.”

Assim como Carlyle, Pessoa não acreditava nos programas políticos redentores, em especial os programas socialistas. Sua concepção da sociedade é aristocrática, baseada em valores que a massa não poderia absorver. Por isso, os heterônimos cumpriam “the duty of staying home”. Todos são caseiros: Álvaro de Campos fica “em casa sem camisa”; Alberto Caeiro permanece em sua casa da colina; Ricardo Reis, fica sentado à beira-rio ou beira-mar, contemplando; Bernardo Soares é, literalmente, “o da mansarda”. A diferença é que Carlyle deixava o mundo a cargo da providência divina, e Pessoa, em suas várias encarnações, é predominantemente cético.

O Herói-Homem-de-Letras de Carlyle é indiferente à celebridade. Segundo ele, a celebridade é apenas a luz de uma vela [“celebrity is but the candle-light”]. Embora sonhasse eventualmente com ela, o homem Pessoa jamais a buscou, deixando a fama “para as atrizes e os produtos farmacêuticos” (Ultimatum de Álvaro de Campos).

Em vários pontos de sua obra, Pessoa se autoqualifica como um Anti-Herói: “Não sou nada, nunca serei nada”, “sou reles, sou vil como toda a gente” (Álvaro de Campos), “sou ninguém” (Fernando Pessoa “ele mesmo” e Bernardo Soares). No Livro do desassosego, lemos: “Fui génio mais que nos sonhos e menos que na vida. A minha tragédia é esta. Fui o corredor que caiu quase na meta, sendo, até aí, o primeiro.” (LD 279). [“I was a genius in more than dreams and in less than life. That is my tragedy. I was the runner who led the race until he fell down, right before the finishing line[7]. Reencontramos, aí, o “herói que tombou” (“the fallen Hero”) de Carlyle. Os três Heróis-Homens-de-Letras de Carlyle - Johnson, Rousseau e Burns – foram, em suas existências, heróis decaídos, confrontados à pobreza material e à incompreensão da sociedade, como Pessoa.

Todos os comentaristas de Carlyle observam a natureza trágica do herói-escritor, que num período de crise da sociedade só pode ser um “Meio-Herói” [“Half-Hero”]. A tentativa de enaltecer esse novo tipo de herói é ela mesma falida. Resta apenas um consolo: esses heróis decaídos tombaram por nós, abrindo caminho para nós [“They fell for us too, making a way for us”.]. Bernardo Soares também tenta reverter a falência em vitória: “Façamos de nossa falência uma vitória, uma coisa positiva e erguida, com colunas, majestade e aquiescência espiritual.” (LD 290) [“Let’s make our failure into a victory, into something positive and lofty, endowed with columns, majesty and our mind’s consent.” [8].

Como Carlyle, ele recorre a Rousseau para ilustrar essa idéia:

Rousseau é o homem moderno, mas mais completo que qualquer homem moderno. Das fraquezas que o fizeram falir tirou – ai dele e de nós! – as forças que o fizeram triunfar. O que partiu dele venceu, mas nos lábaros de sua vitória, quando entrou na cidade, viu-se que estava escrita, em baixo, a palavra ‘Derrota’. No que dele ficou para trás, incapaz do esforço de vencer, foram as coroas e os ceptros, a majestade de mandar e a glória de vencer por destino incerto. (LD 243) [Rousseau is the modern man, but more complete than any modern man. From the weaknesses that made him fail, he extracted – alas for him and for us! – the forces that made him triumph. The part of him that came forth conquered, but on his victory banners, when he entered the city, there appeared the word ‘Defeat’. In the part of him that stayed behind, incapable of struggling to conquer, there were crowns and sceptres, the majesty of rule and the glory of conquest – his by an inner destiny. (BD 143)]

Pessoa pertence a uma linhagem de heróis decaídos, ou gênios desqualificados da alta modernidade. O fragmento acima citado nos remete ao texto de Baudelaire sobre Edgar Poe, que assim se inicia: “Há, na literatura de cada país, homens que trazem a palavra infortúnio escrita, em caracteres misteriosos, nas rugas sinuosas de sua fronte”[9]. Baudelaire foi leitor de Carlyle, e é certamente este que está por detrás de sua interpretação de Poe, e que o faz dizer: “Edgar Poe, bêbado, pobre, perseguido, pária, agrada-me mais do que, calmo e virtuoso, um Goethe ou um Walter Scott”[10]. Baudelaire faz a mesma comparação que Carlyle, equiparando o poeta a Cristo, que sofreu por nós, e considerando-o como um santo cuja intercessão podemos solicitar.

Onde Baudelaire vai mais longe que Carlyle e os românticos, abrindo a modernidade a um poeta como Pessoa, é quando ele ousa afirmar que Poe foi grande como caricatura, como malabarista, como farceur[11]. Isto é, como Anti-Herói, a condição que resta ao poeta num ambiente hostil à poesia, um ambiente que não lhe concede mais um lugar de destaque e lhe nega até mesmo as condições de uma vida material digna.

Walter Benjamin retomou essa definição do poeta como herói da modernidade em Charles Baudelaire, um lírico no auge do capitalismo[12]. Diz ele: “O poeta encontra o lixo da sociedade nas ruas e, no próprio lixo, seu assunto heroico”; e cita Baudelaire, “despedindo-se deste mundo onde o sonho e a ação vivem a sós”. Creio ser dispensável mostrar a afinidade dessas considerações com as do Livro do desassossego. Incógnito na multidão da sociedade de massa, o poeta é um anti-herói, visto como um homem qualquer (“sem auréola”, dizia Baudelaire, “sem grinalda”, dizia Álvaro de Campos), um homem até mesmo desprezado por sua condição pouco relevante. Mas, paradoxalmente, por isso mesmo o poeta é um herói. Sua persistência na atividade poética é um ato de heroísmo na sociedade moderna.

Hoje, num outro século e outro milênio, Pessoa foi, postumamente, erigido à condição de gênio da literatura moderna. Pelo menos num texto, ele tinha previsto sua celebridade futura:

Eu, porém, que na vida transitória não sou nada, posso gozar a visão do futuro a ler esta página, pois efectivamente a escrevo; posso orgulhar-me, como de um filho, da fama que terei, porque, ao menos, tenho com que a ter. E quando penso isto, erguendo-me da mesa, é com uma íntima majestade que a minha estatura invisível se ergue acima de Detroit, Michigan, e de toda a praça de Lisboa. (LD 163) [I, however, who in this transitory life am nothing, can enjoy the thought of the future reading this very page, since I do actually write it; I can take pride – like a father in his son – in the fame I will have, since at least I have something that could bring me fame. And I think this, rising from the table, my invisible and inwardly majestic stature rises above Detroit, Michigan, and over all the commercial district of Lisbon[13].]

Não apenas Pessoa foi reconhecido como um dos maiores poetas do século XX, mas tornou-se personagem de romances, de filmes, de peças de teatro e até de balés. Como figura humana, foi transformado em ícone, inspirador de grandes artistas plásticos. Na sociedade de consumo que é a nossa, tornou-se também boneco de louça e ilustração de tshirts para turistas. Pessoa, que era tão discreto em sua aparência e em seu comportamento, acabou sendo uma caricatura dele mesmo. Isto é “celebridade”, no sentido vulgar de figura conhecida.

Será esta a única acepção de Herói que a época atual permite? Carlyle, apoiando-se em considerações anteriores de Fichte[14], apontava a difusão da imprensa, na forma do mercado livreiro e do jornalismo, como uma das razões da vulgaridade do tempo em que viveram seus Heróis-Homens-de-Letras, Johnson, Rousseau e Burns: “Aquele não era um tempo de Fé – um tempo de Heróis! A própria possibilidade de Heroísmo tinha sido, como foi, formalmente abandonada em todas as mentes. O Heroísmo foi-se para sempre; Trivialidade, Formulismo e Lugar-Comum vieram para ficar.” [“That was not an age of Faith, - an age of Heroes! The very possibility of Heroism had been as it were, formally abnegated in the minds of all. Heroism is gone forever; Triviality, Formulism and Commonplace were come forever.”]. O que dizer, então, do poeta em nossa época de mercado e internet? Carlyle caracteriza seu tempo como “estes dias estridentes” [“these loud-shrieking days”]. E o nosso, então, como chamá-lo? As coisas pioraram ou, como disse Jorge Luis Borges, todo homem considera sua época um “mau tempo para viver”[15].

Em seu último curso no Collège de France, Roland Barthes afirmava que a grande literatura está em vias de morrer, na prática e no ensino. Barthes olhava com admiração e nostalgia os grandes escritores do passado, e observava, em nossos dias:

“Desaparecimento dos líderes literários; esta é ainda uma noção social; o líder [é uma] figura na organização da Cultura. Na comunidade dos escritores, uma outra palavra se impõe, menos social, mais mítica: herói. Baudelaire acerca de Poe: ‘um dos maiores heróis literários’. É essa Figura – ou essa Força - do Herói literário que hoje se desvitaliza. Se pensarmos em Mallarmé, em Kafka, em Flaubert, e mesmo em Proust, o que é o ‘heroísmo”? Uma espécie de exclusividade absoluta concedida à literatura: monomania, ideia fixa; mas também, dito de outra forma, uma transcendência, termo pleno de uma alternativa em que o outro termo seria o mundo: a literatura é Tudo, ela é o Tudo do mundo.[16]”.

Assim foi a Literatura para Pessoa, um mundo maior do que o mundo. E por isso acedeu à celebridade, no sentido nobre da conquista universal de leitores. Não são muito numerosos, atualmente, os indivíduos para quem a literatura é uma atividade sublime e um poeta é um herói. Mas eles continuam existindo, e nós, aqui reunidos, fazemos parte dessa confraria. Uma confraria ainda moderna? Ou ainda romântica?

Carlyle já tinha consciências de que fazia o elogio de uma classe condenada de escritores. Diz ele: “São antes as Tumbas de três Heróis Literários que tenho de mostrar a vocês. Aqui estão os escombros monumentais sob os quais estão enterrados três heróis espirituais. Muito fúnebre, mas também grande e cheio de interesse para nós.” [“It is rather the Tombs of three Literary Heroes that I have to show you. There are the monumental heaps, under wich three spiritual heroes lie buried. Very mournful, but also great and full or interest for us”.] Podemos dizer que Pessoa jaz, hoje em dia, sob uma montanha de comentários. Toda celebração é uma “Tumba”. É fúnebre, mas também grande.
A conferência “The Hero as Man of Letters” se encerra com esta espantosa metáfora:

Segundo Richter, na ilha de Sumatra há uma espécie de lanterna [?], grandes pirilampos que as pessoas prendem em espetos, para iluminar com eles o caminho, à noite. Eles podem, assim, deslocar-se com uma agradável radiância, que podem admirar. Honra seja feita aos Pirilampos!” [“Richter says, in the Island of Sumatra there is a kind of ‘Light-chafers’, large Fire-flies, wich people stick upon spits, and illuminate the ways with at night. Persons of condition can thus travel with a pleasant radiance, wich they may admire. Great honor to the Fire-flies!”].

O texto se encerra com uma adversativa irônica: “Mas - !” [“But - !]. Podemos ler este “Mas -!” da seguinte maneira: apesar de sua preciosa luminosidade, os grandes escritores são desprezados, e mesmo sacrificados pela burguesia. No elogio do poeta como heróis já havia o germe do ceticismo que encontraríamos mais tarde em seu leitor português.

As considerações de Carlyle sobre os grandes escritores coincidem com suas ideias políticas conservadoras. O elogio dos heróis literários é correlato ao elogio dos grandes homens, como motores da História. Tendo pesquisado as várias fases da Revolução Francesa, e escrito um extenso relato desta, Carlyle chegara à conclusão de que as revoluções terminam em desordem e terror, e que o povo não é capaz de instalar uma democracia. O mesmo ceticismo com relação às massas e ao operariado se manifesta em vários pontos da obra de Pessoa. Até mesmo a defesa da escravatura pelo historiador escocês, coerente com suas convicções elitistas, encontrou algum eco na obra do poeta. Já tem sido demonstrado, por vários estudiosos, que as ideias políticas de Pessoa são complexas, variadas ao longo do tempo e frequentemente paradoxais. Mas algumas de suas posições são recorrentes, e estas são as de um liberal individualista e aristocrático. Outros pensadores ingleses contribuíram para esse ideário, mas não se pode descartar a influência de Carlyle como uma das primeiras e mais persistentes.


Notas:

1 Tradução inédita da comunicação apresentada no Colóquio “Fernando Pessoa, Influences, Dialogues, Responses”, no King’s College de Londres, em dezembro de 2008. Publicado em Mariana Gray de Castro (org.), Fernando Pessoa’s Modernity without Frontiers- Influences, Dialogues, Responses, London, Boydel & Brewer Ltd., 2013.

2 Ver Alexandrino E. Severino, Fernando Pessoa na África do Sul, Lisboa, Publicações Dom Quixote, 1983.

3 Thomas Carlyle, Sartor, Resartus. Heroes Past and Present. London: Chapman and Hall, 1903.

4 Livro do desassossego, org. Richard Zenith, São Paulo, Companhia das Letras, 1999, p. 155: “ ‘Qualquer estrada’, disse Carlyle, ‘até esta estrada de Entepfuhl, te leva até o fim do mundo’”; e p. 398: “Qualquer estrada, esta mesma estrada de Entepfuhl, te levará até o fim do mundo”. Esta obra será doravante designada pela sigla LD. [Carlyle: “Any road, this simple Entepfuhl road, will lead you to the end of the world” (Sartor Resartus, Book 2, Chap. 2 “Idyllic”)].

5 Cito a partir da “Sterling Edition” das Complete Works de Carlyle (escaneada no “Project Gutenberg”)

6 Pessoa, The Book of Disquietude, tr. Richard Zenith, Manchester, Carcanet Press, 1991, p. 126. Esta obra será doravante designada pela sigla BD.

7 Book of Disquiet, trad. Richard Zenith, UK, Penguin, 2001, p. 249.
8 Idem, p. 261.

9 Charles Baudelaire, Edgar Allan Poe, sa vie et ses ouvrages, in Oeuvres complètes, Paris, Seuil, 1968, p.319 : « Il existe dans la littérature de chaque pays des hommes qui portent le mot guignon écrit en caracteres mystérieux dans les plis sinueux de leur front. »

10 “Edgar Poe, ivrogne, pauvre, persécuté, paria, me plaît plus que calme et vertueux, un Goethe ou un W. Scott » (idem, p. 336).

11 Idem, p. 347.

12 Walter Benjamin, Ein Lyriquer im Zeitalter des Hochcapitalismus, Frankfurt am Main, Zurkampf Verlag, 1969 [Wlater Benjamin, Obras escolhidas III, Charles Baudelaire um lírico no auge do capitalismo, trad. J.C. Martins Barbosa & H. Alves Baptista, São Paulo, Brasiliense, 1989.]

13 Book of Disquiet, p. 130.

14 Johann Gottlieb Fichte, Über das Wesen des Gelehrten (Sobre a natureza do homem de letras, Conferência 10).

15 Borges escreveu em algum lugar: “Le tocó, como a todos, malos tiempos para vivir”.

16 Roland Barthes, La préparation du roman I et II, Paris, Seuil-IMEC, 2003, p. 357. [A preparação do romance 1 e 2, São Paulo, Martins Fontes, 2005, p. 313.]



(Ilustração:  Almada Negreiros - Fernando Pessoa)