quinta-feira, 30 de janeiro de 2014

NARCISO E NARCISO, de Ferreira Gullar






Se Narciso se encontra com Narciso
e um deles finge
que ao outro admira
(para sentir-se admirado),
o outro
pela mesma razão finge também
e ambos acreditam na mentira.
Para Narciso
o olhar do outro, a voz
do outro, o corpo
é sempre o espelho
em que ele a própria imagem mira.
E se o outro é
como ele
outro Narciso,
é espelho contra espelho:
o olhar que mira
reflete o que o admira
num jogo multiplicado em que a mentira
de Narciso a Narciso
inventa o paraíso.
E se amam mentindo
no fingimento que é necessidade
e assim
mais verdadeiro que a verdade. 

Mas exige, o amor fingido,
ser sincero
o amor que como ele
é fingimento.
E fingem mais
os dois
com o mesmo esmero
com mais e mais cuidado
- e a mentira se torna desespero.
Assim amam-se agora
se odiando.
O espelho
embaciado,
já Narciso em Narciso não se mira:
se torturam
se ferem
não se largam
que o inferno de Narciso
é ver que o admiravam de mentira.




(Ilustração: Dionisio Baixeras-Verdaguer - Narcissus in love with his own reflection)





segunda-feira, 27 de janeiro de 2014

OS PÓS-ESCRITOS DO PERDIDO, de Bernardo Soares (Fernando Pessoa)





Invejo — mas não sei se invejo — aqueles de quem se pode escrever uma biografia, ou que podem escrever a própria. Nestas impressões sem nexo, nem desejo de nexo, narro indiferentemente a minha autobiografia sem fatos, a minha história sem vida. São as minhas Confissões, e, se nelas nada digo, é que nada tenho que dizer.

Que há (de alguém) confessar que valha ou que sirva? O que nos sucedeu, ou sucedeu a toda a gente ou só a nós; num caso não é novidade, e no outro não é de compreender. Se escrevo o que sinto é porque assim diminuo a febre de sentir. O que confesso não tem importância, pois nada tem importância. Faço paisagens com o que sinto. Faço férias das sensações. Compreendo bem as bordadoras por mágoa e as que fazem meia porque há vida. Minha tia velha fazia paciências durante o infinito do serão. Estas confissões de sentir são paciências minhas. Não as interpreto, como quem usasse cartas para saber o destino. Não as ausculto, porque nas paciências as cartas não têm propriamente valia. Desenrolo-me como uma meada multicolor, ou faço comigo figuras de cordel, como as que se tecem nas mãos espetadas e se passam de umas crianças para as outras. Cuido só de que o polegar não falhe o laço que lhe compete. Depois viro a mão e a imagem fica diferente. E recomeço.

Viver é fazer meia com uma intenção dos outros. Mas, ao fazê-la, o pensamento é livre, e todos os príncipes encantados podem passear nos seus parques entre mergulho e mergulho da agulha de marfim com bico reverso. Crochê das coisas... Intervalo... Nada...

De resto, com que posso contar comigo? Uma acuidade horrível das sensações, e a compreensão profunda de estar sentindo... Uma inteligência aguda para me destruir, e um poder de sonho sôfrego de me entreter... Uma vontade morta e uma reflexão que a embala, como a um filho vivo... Sim, crochê... e do alto da majestade de todos os sonhos, ajudante de guarda-livros na cidade de Lisboa.

Mas o contraste não me esmaga — liberta-me; e a ironia que há nele é sangue meu. O que devera humilhar-me é a minha bandeira, que desfraldo; e o riso com que deveria rir de mim, é um clarim com que saúdo e gero uma alvorada em que me faço.

A glória noturna de ser grande não sendo nada! A majestade sombria de esplendor desconhecido... E sinto, de repente, o sublime do monge no ermo, do eremita no retiro, inteirado da substância do Cristo nas pedras e nas cavernas do afastamento.

E na mesa do meu quarto sou menos reles, empregado e anônimo, escrevo palavras como a salvação da alma [...] anel de renúcia em meu dedo evangélico, jóia parada do meu desdém extático.

A personagem individual e imponente, que os românticos figuravam em si mesmos, várias vezes, em sonho, a tentei viver, e, tantas vezes, quantas a tentei viver, me encontrei a rir alto, da minha idéia de vivê-la. O homem fatal, afinal, existe nos sonhos próprios de todos os homens vulgares, e o romantismo não é senão o virar do avesso do domínio quotidiano de nós mesmos. Quase todos os homens sonham, nos secretos do seu ser, um grande imperialismo próprio, a sujeição de todos os homens, a entrega de todas as mulheres, a adoração dos povos, e, nos mais nobres, de todas as eras... Poucos (são) como eu habituados ao sonho, são por isso lúcidos bastante para rir da possibilidade estética de se sonhar assim.

A maior acusação ao romantismo não se fez ainda: é a de que ele representa a verdade interior da natureza humana. Os seus exageros, os seus ridículos, os seus poderes vários de comover e de seduzir, residem em que ele é a figuração exterior do que há mais dentro na alma, mas concreto, visualizado, até possível, se o ser possível dependesse de outra coisa que não o Destino.

Quantas vezes eu mesmo, que rio de tais seduções da distração, me encontro supondo que seria bom ser célebre, que seria agradável ser ameigado, que seria colorido ser triunfal! Mas não consigo visionar-me nesses papéis de píncaro senão com uma gargalhada do outro eu que tenho sempre próximo como uma rua da Baixa. Vejo-me célebre? Mas vejo-me célebre como guarda-livros. Sinto-me alçado aos tronos do ser conhecido? Mas o caso passa-se no escritório da Rua dos Douradores e os rapazes são um obstáculo. Ouço-me aplaudido por multidões variegadas? O aplauso chega ao quarto andar onde moro e colide com a mobília tosca do meu quarto barato, com o que me rodeia, e me amesquinha desde a cozinha [...] ao sonho. Não tive sequer reles castelos em Espanha, como os grandes espanhóis de todas as ilusões. Os meus foram de cartas de jogar, velhas, sujas, de um baralho incompleto com que se não poderia jogar nunca; nem caíram, foi preciso destruí-los, com um gesto de mão, sob o impulso impaciente da criada velha, que queria recompor sobre a mesa inteira, a toalha atirada sobre a metade de lá, porque a hora do chá soara como uma maldição do Destino. Mas até isto é uma visão improfícua, pois não tenho a casa de província, ou as tias velhas, a cuja mesa eu tome, no fim de uma noite de família, um chá que me saiba a repouso. O meu sonho falhou até nas metáforas e nas figurações. O meu império nem chegou às cartas velhas de jogar. A minha vitória falhou sem um bule sequer nem um gato antiquíssimo. Morrerei como tenho vivido, entre o bric-à-brac dos arredores, apreçado pelo peso entre os pós-escritos do perdido.



(O Livro do Desassossego)





(Ilustração: escultura de Alberto Giacometti)




sexta-feira, 24 de janeiro de 2014

SONETO DA PERDIDA ESPERANÇA, de Carlos Drummond de Andrade






Perdi o bonde e a esperança.

Volto pálido para casa.

A rua é inútil e nenhum auto

passaria sobre o meu corpo.




Vou subir a ladeira lenta

em que os caminhos se fundem.

Todos eles conduzem ao

princípio do drama e da flora.




Não sei se estou sofrendo

ou se é alguém que se diverte

por que não? na noite escassa



com um insolúvel flautim.

Entretanto há muito tempo

nós gritamos: sim! ao eterno.



(Ilustração: Loic Allemand)


terça-feira, 21 de janeiro de 2014

IMPOSSÍVEL, ABSURDO, ABJETO, RIDÍCULO E, NO ENTANTO, SAGRADO, DIGNO MESMO, "EU TE AMO", de Thomas Mann







Nada é mais estranho, mais melindroso que a relação de pessoas que só se conhecem de vista - que diariamente, em cada hora mesmo, se encontram, se observam; são obrigadas a manter a aparência de indiferente estranheza, sem cumprimento, sem palavra, pela ética ou capricho pessoal. Entre eles há inquietação e curiosidade sobre-excitada, a histeria de uma insatisfeita e artificialmente oprimida necessidade de conhecimento e intercâmbio, e principalmente também uma espécie de respeitoso interesse. Pois o homem ama e respeita o homem enquanto não consegue julgá-lo; e o anseio é o produto de um conhecimento falho.

Uma relação e um conhecimento qualquer tinham que, necessariamente, formar-se entre Aschenbach e o jovem Tadzio, e, com penetrante alegria, o mais idoso pôde verificar que interesse e atenção não ficaram completamente sem ser correspondidos. Por exemplo, que fazia o belo nunca mais vir pelo caminho de madeira atrás da cabinas, quando aparecia de manhã na praia, mas somente pelo caminho da frente, pela areia, passando o local de Aschenbach desnecessariamente perto, quase tocando em sua mesa, sua cadeira, dirigindo-se em passos lentos para a cabina dos seus? Afetava assim a atração, a fascinação de um sentimento superior o seu delicado e distraído objeto? Aschenbach esperava diariamente a chegada de Tadzio, e, de quando em quando, fingia estar ocupado quando isto se dava, deixando o belo passar, aparentemente despercebido. Às vezes levantava os olhos e os seus se encontravam com os dele. Ambos ficavam profundamente sérios quando isto acontecia. Na culta e grave expressão do idoso nada traia uma emoção íntima, mas nos olhos de Tadzio havia um investigar, um perguntar pensativo, seu andar ficava hesitante, olhava para o chão, erguia deliciosamente de novo os olhos, e, quando passava, algo no seu porte parecia expressar que só a educação o impedia de se voltar.

Uma vez, porém, numa noite, foi diferente. Os irmãos poloneses e a governanta faltaram durante a refeição principal na sala grande - Aschenbach notara-o com preocupação. Depois do jantar, muito inquieto sobre o paradeiro deles, andava em traje de noite e chapéu de palha, em frente do hotel, aos pés do terraço, quando, repentinamente, viu as irmãs com aparência de freiras, a preceptora e, quatro passos atrás delas, Tadzio aparecerem sob a luz da lâmpada de arco. Aparentemente vinham da ponte de barcas, depois de terem jantado na cidade, por uma razão qualquer. Sobre a água devia estar fresco; Tadzio usava um casaco à marinheira azul-escuro com botões dourados e na cabeça um boné combinando. Sol e ar marinho não o queimavam, sua pele continuava de um amarelo marmóreo, como no princípio; porém,hoje parecia mais pálido que de costume, fosse por causa da noite fresca ou do empalidecente luar das lâmpadas. Suas sobrancelhas simétricas destacavam-se mais fortes, seus olhos pareciam mais escuros. Estava indizivelmente belo e Aschenbach sentiu, com pena, como já por muitas vezes, que a palavra só consegue louvar a beleza sensual, porém não reproduzi-la.

Não notou a querida imagem; aparecera inesperadamente, não tivera tempo de se acalmar e trazer dignidade para sua expressão. Alegria, surpresa, admiração deviam transparecer abertamente, quando seu olhar encontrou o do desaparecido - e neste segundo aconteceu que Tadzio sorriu: sorriu para ele, falando íntimo, gracioso e sem rodeios, com lábios que no sorriso se abriam lentamente. Era o sorriso de Narciso que se debruça sobre o espelho de água, aquele sorriso profundo, encantador, prolongado, como o qual estende os braços para o reflexo da própria beleza - um sorriso ligeiramente desfigurado pela inutilidade de seu desejo, de beijar os lindos lábios de sua sombra, galante curioso e ligeiramente atormentado, seduzido e sedutor.

Aquele que recebera este sorriso fugiu  com ele como um presente fatídico. Estava tão abalado que se viu obrigado a evitar a luz do terraço e do jardim da frente e procurou, apressado, a escuridão do parque nos fundos. Admoestações estranhamente revoltadas e carinhosas desprendiam-se dele: "Não deve sorrir assim! Ouça, não se deve sorrir assim para ninguém!" Atirou-se sobre um banco, respirou indignado o perfume noturno das plantas. E, inclinado para trás, de braços pendentes, dominado e sentindo-se percorrido por arrepios, murmurou a eterna fórmula do anseio - aqui impossível, absurdo, abjeto, ridículo e, no entanto, sagrado, digno mesmo, ainda aqui: "Eu te amo!"


(A morte em Veneza, tradução de Maria Deling)



(Ilustração: Albert Edwin Fluury - autorritratto - enigma di Narciso)




sábado, 18 de janeiro de 2014

BILHETE, de Mário Quintana





Se tu me amas, ama-me baixinho
Não o grites de cima dos telhados
Deixa em paz os passarinhos
Deixa em paz a mim!
Se me queres,
enfim,
tem de ser bem devagarinho, Amada,
que a vida é breve, e o amor mais breve ainda...




(Ilustração: Weng Ziyang - The First Kiss)





quarta-feira, 15 de janeiro de 2014

AS MULHERES DA MINHA GERAÇÃO, de Santiago Gamboa


 




É o único tema em que sou radical e intolerante, no qual não escuto argumentações: As mulheres da minha geração são as melhores e ponto. Hoje têm quarenta e picos, inclusive cinquenta, e são belas, muito belas, porém também serenas, compreensivas, sensatas e sobretudo diabolicamente sedutoras, isto apesar dos seus incipientes pés-de-galinha ou desta afetuosa celulite que capitoneia suas coxas, mas que as fazem tão humanas, tão reais. Formosamente reais. Quase todas, hoje, estão casadas ou divorciadas, ou divorciados e recasadas, com a intenção de não se equivocar no segundo intento, que às vezes é um modo de acercar-se do terceiro e do quarto intento. Que importa?

Outras, ainda que poucas, mantêm um pertinaz celibatarismo e o protegem como a uma fortaleza sitiada que, de qualquer modo, de vez em quando abre suas portas a algum visitante.

Que belas são, por Deus, as mulheres da minha geração!

Nascidas sob a era de Aquário, com a influência da música dos Beatles, de Bob Dylan, de Lou Reed, do melhor cinema de Kulbrick e do início do boom latino-americano, são seres excepcionais. Herdeiras da revolução sexual da década de 60 e das correntes feministas, que entretanto receberam passadas por vários filtros, elas souberam combinar liberdade com coqueteria, emancipação com paixão, reivindicação com sedução. Jamais viram no homem um inimigo, apesar de que lhe cantaram umas quantas verdades, pois compreenderam que se emancipar era algo mais que colocar o homem para esfregar o banheiro ou trocar o rolo de papel higiênico, quando este tragicamente se acaba, e decidiram pactuar para viver em dupla, essa forma de convivência que tanto se critica, porém, que com o tempo, resulta ser a única possível, ou a melhor, ao menos neste mundo e nesta vida.

São maravilhosas e têm estilo, mesmo quando nos fazem sofrer, quando nos enganam ou nos deixam. Usaram saias indianas aos 18 anos, enfeitaram-se com colares andinos, cobriram-se com suéteres de lã e perderam sua parecença com Maria, a Virgem, em uma noite louca de sexta-feira ou de sábado, depois de dançar El ratón, de Cheo Feliciano, na Teja Corrida ou em Quebracanto, com algum amigo que lhes falou de Kafka, de Gurdjieff e do cinema de Bergman.

No fundo de suas mochilas havia pacotes de Pielroja, livros de Simone de Beauvoir e fitas de Victor Jara, e ao deixar-nos, quando não havia mais remédio senão deixar-nos, dedicavam-nos aquela canção de Héctor Lavoe, que é ao mesmo tempo um clássico do jornalismo e do despeito, e que se chama Teu amor é um jornal de ontem. Falaram com paixão de política e quiseram mudar o mundo, beberam rum cubano e aprenderam de cor canções de Silvio Rodriguez e Pablo Milanez, conheceram os sítios arqueológicos, foram com seus namorados às praias, dormindo em barracas e deixando-se picar pelos pernilongos, porque adoravam a liberdade e, sobretudo, juraram amar-nos por toda a vida, algo que sem dúvida fizeram e que hoje continuam fazendo na sua formosa e sedutora madurez.

Souberam ser, apesar da sua beleza, rainhas bem educadas, pouco caprichosas ou egoístas. Deusas com sangue humano. O tipo de mulher que, quando lhe abrem a porta do carro para que suba, se inclina sobre o assento e, por sua vez, abre a do seu acompanhante por dentro. A que recebe um amigo que sofre às quatro da manhã, ainda que seja seu ex-noivo, porque são maravilhosas e têm estilo, ainda quando nos façam sofrer, quando nos enganam ou nos deixam, pois seu sangue não é tão gelado o suficiente para não nos escutar nessa salvadora e última noite, na qual estão dispostas a servir-nos o oitavo uísque e a colocar, pela sexta vez, aquela melodia do Santana.

Por isso, para os que nascemos entre as décadas de 40 e 60, o dia da mulher é, na verdade, todos os dias do ano, cada um dos dias com suas noites e seus amanheceres, que são mais belos, como diz o bolero, quando está você.

Que belas são, por Deus, as mulheres da minha geração!




(Tradução de Luiz Augusto Michelazzo)



(Ilustração: Jean-Pierre Ceytaire)













domingo, 12 de janeiro de 2014

PRIMEIRO AMOR, de Leandro Soriano








Um amor cego,

só a saudade enxerga.

Verga o peso do nada,

vê a sombra tornar mais claros

o medo de ser tarde,

o fim de uma obra inacabada.

Alheio ao filtro razão

Meu entendimento brilha no lago.

Vago como a lua reflexa,

distorcida na superfície

pelo movimento profundo

do turvo que há em mim.

Hora de pegar o trem,

não sou estação que me prenda.

Sou bilhete de ida que não está à venda.

Nasci clandestino determinado,

nessa trilha já parti.

Vou como quem volta a enxergar o primeiro amor,

Amor com gosto nostálgico,

Parede sem pintura, quadro sem moldura.

Um amor puro, até me seguro,

desse distante não ter .

Não falo do amor paixão, de rolar pelo chão.

Não falo de amor companhia, que na falta angustia.

Não falo do amor materno, tão parente, tão eterno.

Falo do amor impronunciável,

me atrevo a falar e me calo.

Mais amplo é meu silêncio,

refrescado pelo café

nas tardes despedidas de minha vida.

Santa lida que um dia não quer mais terminar.

Mas esse amor tão sem definição

mora em meu coração

divide o amplo espaço

do tédio que sou e faço.

Somos vizinhos,

sem cumprimentos,

apenas um... “tudo bem?”

E passa incontinente,

parece que nem sente

a menção que faço.

Como se fosse lhe dar um abraço.

E o mundo retorcido guarda semelhança

com o todo que é lembrança

desse amor desconhecido.




(Ilustração: Henry Tuke - bath)






quinta-feira, 9 de janeiro de 2014

QUINZE COISAS QUE SEU MÉDICO NÃO VAI TE CONTAR SOBRE LONGEVIDADE, de Emiliano Urbim







Alimentação balanceada, exercícios regulares, álcool sob controle, cigarro à distância, muitas horas de sono. Se tudo isso já faz parte da sua rotina, parabéns: você cumpre alguns dos pré-requisitos para viver mais. Acontece que há muitos outros: bons hábitos e fatores externos que são fundamentais para se chegar a uma "melhor idade" digna do nome.

Boa parte dessas novas regras são desdobramentos de estudos que levam em conta a influência que a sua personalidade e o seu entorno podem ter na sua longevidade.

O principal deles é um estudo da Universidade Stanford, na Califórnia, iniciado pelo médico Lewis Terman em 1921. Naquele ano, ele selecionou um grupo de 1500 crianças para acompanhá-las durante os anos seguintes. Terman faleceu em 1958, mas seus assistentes (e os assistentes deles) seguiram acompanhando todo o grupo durante décadas, na alegria e na tristeza, na riqueza e na pobreza, até que suas mortes os separassem.

Em 2012, as conclusões foram apresentadas. Os conselhos clássicos de se manter ativo, bem alimentado e tranquilo continuam valendo, claro. Mas os pesquisadores chegaram a algumas informações surpreendentes: trabalhar muito é um caminho para viver muito, otimismo demais pode ser prejudicial e a genética não é assim tão deterrninante para prever seu futuro.

Conheça essas e outras lições nas próximas páginas. Afinal, o negócio não é só chegar a 100: é chcgar bem.

1.NUNCA, NUNCA se aposente. Pesquisas que comparam trabalhadores e aposentados da mesma idade mostram: quem parou está pior. Claro, vai depender da sua rotina. Mas como sabemos que a poltrona é tentadora, fique esperto. Não precisa trabalhar muito, nem todo dia - ache um hobby, um curso, um compromisso regular. E, não, assistir TV não conta como hobby.

2. PASSAR FIO DENTAL FAZ BEM. PARA O CORAÇAO. O que uma coisa tem a ver com a outra? Acompanhe o raciocínio: se você não passar fio dental, vai acumular placa bacteriana, que vai causar gengivite, que vai provocar a liberação de substâncias conhecidas como químicos da inflamação, que são os vilões por trás de várias doenças cardíacas. Mas se isso não for argumento suficiente pra você...poxa, gengiva inflamada, dentes em falta e mau hálito não ajudam ninguém na terceira idade.

3. OTIMISMO FAZ MAL À SAÚDE. Enxergar apenas o lado bom das coisas tem seu lado ruim. Pois é: pessoas otimistas tendem a subestimar riscos - um traço de personalidade que pode levar de ultrapassagens ousadas a longas ausências no médico. Além disso, otimismo além da conta deixa você frustrado demais com as dificuldades da vida. Ou seja: com um pé atrás, você vai mais longe.

4. SOCIALIZAR É A FONTE DA JUVENTUDE. Quanto mais velhos, menos saímos de casa. Lute contra isso: a ciência garante que conviver com outros é o gatilho de benefícios físicos e mentais que prolongam a vida.

 5. DEUS AJUDA QUEM VAI À IGREJA. Fato: quem comparece à missa, culto, centro espírita, sinagoga, terreiro etc. em geral vive mais. Dilema: religiosos vivem mais porque rezam ou rezam porque vivem mais? Os dados não permitem concluir se a saúde dos anciãos é beneficiada pela experiência ou se, na verdade, quem tem disposição para ritos religiosos são justamente os mais saudáveis. Moral da história: na dúvida, tenha fé em alguma coisa - nem que seja em Richard Dawkins.

6. BEBA. E não precisa ser tacinha de vinho. Quando o assunto é álcool e longevidade, só se fala em vinho tinto. Preconceito: vinho branco, cerveja, uísque e outros fermentados e destilados também podem fazer bem. Há um índice menor de doenças cardiovasculares relacionado ao consumo diário de até duas doses - e de apenas uma para mulheres, ponto para os homens! Mas beba com moderação. Passou de duas doses, já vira problema.

 7. PALAVRAS CRUZADAS SALVAM VIDAS. Atividades que exercitam seu cérebro mantêm sua inteligência e prolongam sua lucidez. Opções não faltam: palavras cruzadas, xadrez, videogame, sudoku, qual-é-a-música. Detalhe: assim que estiver craque, troque de treino - seus neurônios só mantêm o frescor enfrentando novos desafios.

8. MULHER: O NEGÓCIO É IMITAR. Elas vão mais ao médico, comem melhor, fumam menos, envolvem-se em menos acidentes e, assim, vivem mais. Então, deixe de frescura: seja mais feminino.
  
9. NÃO FIQUE VIÚVO. VOCÊ NÃO SABE SE CUIDAR SOZINHO. Não bastasse haver cinco viúvas para cada viúvo no Brasil, elas ainda vivem muito mais depois de perder seus maridos do que nós após perdermos a esposa. A verdade é que, sozinhos, tendemos ao caos - o que aos 30 anos tem seu charme, mas em uma idade avançada é fatal. Então, não fique solteiro: sua saúde agradece.

1O.PARE DE SE INCOMODAR COM BOBAGEM. Mágoa, rancor, ressentimento: se ao ler essa lista você já recorda de vários exemplos pessoais, calma. Não é por aí. Se cultivados, esses sentimentos descambam na produção de cortisol, um hormônio que ataca seu coração, metabolismo e sistema imunológico. Diversos estudos relacionam uma alta taxa de cortisol a uma morte precoce. Portanto, aprenda a perdoar, relevar, deixar pra lá. Como dizia o guru indiano Meher Baba: Don't worry, be happy - pois é, também achava que vinha daquela música.

 11. NÃO CONFIE NOS SEUS GENES. "Meu avô viveu 90 anos, não preciso me
preocupar." Precisa. Uma nova pesquisa concluiu que apenas 25% da duração da nossa  vida podem ser atribuídos à herança genética; os outros 75% dependem de você. Se quiser chegar aos 90 como o seu avô, descubra como ele fez para chegar lá.

12. NÃO TENHA AMIGOS LEGAIS. TENHA A,MIGOS SAUDAVEIS. Ok, eles não são excludentes. Mas o ponto é: da mesma maneira que, para ganhar  dinheiro, é melhor se cercar de ricos, e para emagrecer convém conviver com magros, para se ter saúde a receita é arranjar uma turma saudável - você melhora sem querer querendo.

13. TENHA FILHOS - OU ALGO PARECIDO, COMO CACHORROS. Caso tenha se ofendido, por favor, volte ao item 10. Pronto. É o seguinte: possuir uma conexão com alguém mais jovem que você (filho, enteado, sobrinho, neto) é algo que te mantém interessado pelo mundo à sua volta - e mais a fim de continuar vivendo nele. E, sim, cachorro e gato também contam: além de manter você conectado, curtir um animal de estimação libera ocitocina, o hormônio benéfico liberado na convivência pais e filhos.

14. SEJA BOM NO QUE VOCÊ FAZ. AO MENOS TENTE. Quanto menos trabalho, melhor. Esse conselho, que parece vindo do personagem Macunaíma, de Mário de Andrade, foi durante muito tempo adotado pelos especialistas em longevidade. Acreditava-se que uma vida sem esforço seria uma vida longa. Mas os médicos observaram que parece haver uma relação entre longevidade e empenho profissional. Por incrível e justo que pareça, passar décadas se dedicando e evoluindo em algo que você valoriza, ou seja, ralando muito, pode lhe valer vários anos a mais. Ao menos, garantem os especialistas, em comparação com quem passar o mesmo bocado de tempo trabalhando no que não gosta - essa sim é uma receita garantida para viver menos e pior.

15. SER UM POUCO HIPOCONDRÍACO VALE A PENA. Você vai continuar sendo considerado chato pela maioria dos amigos, mas pesquisas apontam que quem desconfia mais da própria saúde vive mais. No caso, é melhor prevenir e se remediar.


(Revista ALFA, fevereiro/2013)



(Ilustração: Melany Fay - L'Empereur)



sexta-feira, 3 de janeiro de 2014

HOWL / UIVO, de Allen Ginsberg





For Carl Solomon



I



I saw the best minds of my generation destroyed by madness, starving hysterical naked,

dragging themselves through the negro streets at dawn looking for an angry fix,

angelheaded hipsters burning for the ancient heavenly connection to the starry dynamo in the machinery of night,

who poverty and tatters and hollow-eyed and high sat up smoking in the supernatural darkness of cold-water flats floating across the tops of cities contemplating jazz,

who bared their brains to Heaven under the El and saw Mohammedan angels staggering on tenement roofs illuminated,

who passed through universities with radiant cool eyes hallucinating Arkansas and Blake-light tragedy among the scholars of war,

who were expelled from the academies for crazy & publishing obscene odes on the windows of the skull,

who cowered in unshaven rooms in underwear, burning their money in wastebaskets and listening to the Terror through the wall,

who got busted in their pubic beards returning through Laredo with a belt of marijuana for New York,

who ate fire in paint hotels or drank turpentine in Paradise Alley, death, or purgatoried their torsos night after night

with dreams, with drugs, with waking nightmares, alcohol and cock and endless balls,

incomparable blind streets of shuddering cloud and lightning in the mind leaping toward poles of Canada & Paterson, illuminating all the motionless world of Time between,

Peyote solidities of halls, backyard green tree cemetery dawns, wine drunkenness over the rooftops, storefront boroughs of teahead joyride neon blinking traffic light, sun and moon and tree vibrations in the roaring winter dusks of Brooklyn, ashcan rantings and kind king light of mind,

who chained themselves to subways for the endless ride from Battery to holy Bronx on benzedrine until the noise of wheels and children brought them down shuddering mouth-wracked and battered bleak of brain all drained of brilliance in the drear light of Zoo,

who sank all night in submarine light of Bickford’s floated out and sat through the stale beer afternoon in desolate Fugazzi’s, listening to the crack of doom on the hydrogen jukebox,

who talked continuously seventy hours from park to pad to bar to Bellevue to museum to the Brooklyn Bridge,

a lost battalion of platonic conversationalists jumping down the stoops off fire escapes off windowsills off Empire State out of the moon,

yacketayakking screaming vomiting whispering facts and memories and anecdotes and eyeball kicks and shocks of hospitals and jails and wars,

whole intellects disgorged in total recall for seven days and nights with brilliant eyes, meat for the Synagogue cast on the pavement,

who vanished into nowhere Zen New Jersey leaving a trail of ambiguous picture postcards of Atlantic City Hall,

suffering Eastern sweats and Tangerian bone-grindings and migraines of China under junk-withdrawal in Newark’s bleak furnished room,

who wandered around and around at midnight in the railroad yard wondering where to go, and went, leaving no broken hearts,

who lit cigarettes in boxcars boxcars boxcars racketing through snow toward lonesome farms in grandfather night,

who studied Plotinus Poe St. John of the Cross telepathy and bop kabbalah because the cosmos instinctively vibrated at their feet in Kansas,

who loned it through the streets of Idaho seeking visionary indian angels who were visionary indian angels,

who thought they were only mad when Baltimore gleamed in supernatural ecstasy,

who jumped in limousines with the Chinaman of Oklahoma on the impulse of winter midnight streetlight smalltown rain,

who lounged hungry and lonesome through Houston seeking jazz or sex or soup, and followed the brilliant Spaniard to converse about America and Eternity, a hopeless task, and so took ship to Africa,

who disappeared into the volcanoes of Mexico leaving behind nothing but the shadow of dungarees and the lava and ash of poetry scattered in fireplace Chicago,

who reappeared on the West Coast investigating the FBI in beards and shorts with big pacifist eyes sexy in their dark skin passing out incomprehensible leaflets,

who burned cigarette holes in their arms protesting the narcotic tobacco haze of Capitalism,

who distributed Supercommunist pamphlets in Union Square weeping and undressing while the sirens of Los Alamos wailed them down, and wailed down Wall, and the Staten Island ferry also wailed,

who broke down crying in white gymnasiums naked and trembling before the machinery of other skeletons,

who bit detectives in the neck and shrieked with delight in policecars for committing no crime but their own wild cooking pederasty and intoxication,

who howled on their knees in the subway and were dragged off the roof waving genitals and manuscripts,

who let themselves be fucked in the ass by saintly motorcyclists, and screamed with joy,

who blew and were blown by those human seraphim, the sailors, caresses of Atlantic and Caribbean love,

who balled in the morning in the evenings in rosegardens and the grass of public parks and cemeteries scattering their semen freely to whomever come who may,

who hiccuped endlessly trying to giggle but wound up with a sob behind a partition in a Turkish Bath when the blond & naked angel came to pierce them with a sword,

who lost their loveboys to the three old shrews of fate the one eyed shrew of the heterosexual dollar the one eyed shrew that winks out of the womb and the one eyed shrew that does nothing but sit on her ass and snip the intellectual golden threads of the craftsman’s loom,

who copulated ecstatic and insatiate with a bottle of beer a sweetheart a package of cigarettes a candle and fell off the bed, and continued along the floor and down the hall and ended fainting on the wall with a vision of ultimate cunt and come eluding the last gyzym of consciousness,

who sweetened the snatches of a million girls trembling in the sunset, and were red eyed in the morning but prepared to sweeten the snatch of the sunrise, flashing buttocks under barns and naked in the lake,

who went out whoring through Colorado in myriad stolen night-cars, N.C., secret hero of these poems, cocksman and Adonis of Denver—joy to the memory of his innumerable lays of girls in empty lots & diner backyards, moviehouses’ rickety rows, on mountaintops in caves or with gaunt waitresses in familiar roadside lonely petticoat upliftings & especially secret gas-station solipsisms of johns, & hometown alleys too,

who faded out in vast sordid movies, were shifted in dreams, woke on a sudden Manhattan, and picked themselves up out of basements hung-over with heartless Tokay and horrors of Third Avenue iron dreams & stumbled to unemployment offices,

who walked all night with their shoes full of blood on the snowbank docks waiting for a door in the East River to open to a room full of steam-heat and opium,

who created great suicidal dramas on the apartment cliff-banks of the Hudson under the wartime blue floodlight of the moon & their heads shall be crowned with laurel in oblivion,

who ate the lamb stew of the imagination or digested the crab at the muddy bottom of the rivers of Bowery,

who wept at the romance of the streets with their pushcarts full of onions and bad music,

who sat in boxes breathing in the darkness under the bridge, and rose up to build harpsichords in their lofts,

who coughed on the sixth floor of Harlem crowned with flame under the tubercular sky surrounded by orange crates of theology,

who scribbled all night rocking and rolling over lofty incantations which in the yellow morning were stanzas of gibberish,

who cooked rotten animals lung heart feet tail borsht & tortillas dreaming of the pure vegetable kingdom,

who plunged themselves under meat trucks looking for an egg,

who threw their watches off the roof to cast their ballot for Eternity outside of Time, & alarm clocks fell on their heads every day for the next decade,

who cut their wrists three times successively unsuccessfully, gave up and were forced to open antique stores where they thought they were growing old and cried,

who were burned alive in their innocent flannel suits on Madison Avenue amid blasts of leaden verse & the tanked-up clatter of the iron regiments of fashion & the nitroglycerine shrieks of the fairies of advertising & the mustard gas of sinister intelligent editors, or were run down by the drunken taxicabs of Absolute Reality,

who jumped off the Brooklyn Bridge this actually happened and walked away unknown and forgotten into the ghostly daze of Chinatown soup alleyways & firetrucks, not even one free beer,

who sang out of their windows in despair, fell out of the subway window, jumped in the filthy Passaic, leaped on negroes, cried all over the street, danced on broken wineglasses barefoot smashed phonograph records of nostalgic European 1930s German jazz finished the whiskey and threw up groaning into the bloody toilet, moans in their ears and the blast of colossal steamwhistles,

who barreled down the highways of the past journeying to each other’s hotrod-Golgotha jail-solitude watch or Birmingham jazz incarnation,

who drove crosscountry seventytwo hours to find out if I had a vision or you had a vision or he had a vision to find out Eternity,

who journeyed to Denver, who died in Denver, who came back to Denver & waited in vain, who watched over Denver & brooded & loned in Denver and finally went away to find out the Time, & now Denver is lonesome for her heroes,

who fell on their knees in hopeless cathedrals praying for each other’s salvation and light and breasts, until the soul illuminated its hair for a second,

who crashed through their minds in jail waiting for impossible criminals with golden heads and the charm of reality in their hearts who sang sweet blues to Alcatraz,

who retired to Mexico to cultivate a habit, or Rocky Mount to tender Buddha or Tangiers to boys or Southern Pacific to the black locomotive or Harvard to Narcissus to Woodlawn to the daisychain or grave,

who demanded sanity trials accusing the radio of hypnotism & were left with their insanity & their hands & a hung jury,

who threw potato salad at CCNY lecturers on Dadaism and subsequently presented themselves on the granite steps of the madhouse with shaven heads and harlequin speech of suicide, demanding instantaneous lobotomy,

and who were given instead the concrete void of insulin Metrazol electricity hydrotherapy psychotherapy occupational therapy pingpong & amnesia,

who in humorless protest overturned only one symbolic pingpong table, resting briefly in catatonia,

returning years later truly bald except for a wig of blood, and tears and fingers, to the visible madman doom of the wards of the madtowns of the East,

Pilgrim State’s Rockland’s and Greystone’s foetid halls, bickering with the echoes of the soul, rocking and rolling in the midnight solitude-bench dolmen-realms of love, dream of life a nightmare, bodies turned to stone as heavy as the moon,

with mother finally ******, and the last fantastic book flung out of the tenement window, and the last door closed at 4 A.M. and the last telephone slammed at the wall in reply and the last furnished room emptied down to the last piece of mental furniture, a yellow paper rose twisted on a wire hanger in the closet, and even that imaginary, nothing but a hopeful little bit of hallucination—

ah, Carl, while you are not safe I am not safe, and now you’re really in the total animal soup of time—

and who therefore ran through the icy streets obsessed with a sudden flash of the alchemy of the use of the ellipsis catalogue a variable measure and the vibrating plane,

who dreamt and made incarnate gaps in Time & Space through images juxtaposed, and trapped the archangel of the soul between 2 visual images and joined the elemental verbs and set the noun and dash of consciousness together jumping with sensation of Pater Omnipotens Aeterna Deus

to recreate the syntax and measure of poor human prose and stand before you speechless and intelligent and shaking with shame, rejected yet confessing out the soul to conform to the rhythm of thought in his naked and endless head,

the madman bum and angel beat in Time, unknown, yet putting down here what might be left to say in time come after death,

and rose reincarnate in the ghostly clothes of jazz in the goldhorn shadow of the band and blew the suffering of America’s naked mind for love into an eli eli lamma lamma sabacthani saxophone cry that shivered the cities down to the last radio

with the absolute heart of the poem of life butchered out of their own bodies good to eat a thousand years.





II



What sphinx of cement and aluminum bashed open their skulls and ate up their brains and imagination?

Moloch! Solitude! Filth! Ugliness! Ashcans and unobtainable dollars! Children screaming under the stairways! Boys sobbing in armies! Old men weeping in the parks!

Moloch! Moloch! Nightmare of Moloch! Moloch the loveless! Mental Moloch! Moloch the heavy judger of men!

Moloch the incomprehensible prison! Moloch the crossbone soulless jailhouse and Congress of sorrows! Moloch whose buildings are judgment! Moloch the vast stone of war! Moloch the stunned governments!

Moloch whose mind is pure machinery! Moloch whose blood is running money! Moloch whose fingers are ten armies! Moloch whose breast is a cannibal dynamo! Moloch whose ear is a smoking tomb!

Moloch whose eyes are a thousand blind windows! Moloch whose skyscrapers stand in the long streets like endless Jehovahs! Moloch whose factories dream and croak in the fog! Moloch whose smoke-stacks and antennae crown the cities!

Moloch whose love is endless oil and stone! Moloch whose soul is electricity and banks! Moloch whose poverty is the specter of genius! Moloch whose fate is a cloud of sexless hydrogen! Moloch whose name is the Mind!

Moloch in whom I sit lonely! Moloch in whom I dream Angels! Crazy in Moloch! Cocksucker in Moloch! Lacklove and manless in Moloch!

Moloch who entered my soul early! Moloch in whom I am a consciousness without a body! Moloch who frightened me out of my natural ecstasy! Moloch whom I abandon! Wake up in Moloch! Light streaming out of the sky!

Moloch! Moloch! Robot apartments! invisible suburbs! skeleton treasuries! blind capitals! demonic industries! spectral nations! invincible madhouses! granite cocks! monstrous bombs!

They broke their backs lifting Moloch to Heaven! Pavements, trees, radios, tons! lifting the city to Heaven which exists and is everywhere about us!

Visions! omens! hallucinations! miracles! ecstasies! gone down the American river!

Dreams! adorations! illuminations! religions! the whole boatload of sensitive bullshit!

Breakthroughs! over the river! flips and crucifixions! gone down the flood! Highs! Epiphanies! Despairs! Ten years’ animal screams and suicides! Minds! New loves! Mad generation! down on the rocks of Time!

Real holy laughter in the river! They saw it all! the wild eyes! the holy yells! They bade farewell! They jumped off the roof! to solitude! waving! carrying flowers! Down to the river! into the street!





III



Carl Solomon! I’m with you in Rockland

where you’re madder than I am

I’m with you in Rockland

where you must feel very strange

I’m with you in Rockland

where you imitate the shade of my mother

I’m with you in Rockland

where you’ve murdered your twelve secretaries

I’m with you in Rockland

where you laugh at this invisible humor

I’m with you in Rockland

where we are great writers on the same dreadful typewriter

I’m with you in Rockland

where your condition has become serious and is reported on the radio

I’m with you in Rockland

where the faculties of the skull no longer admit the worms of the senses

I'm with you in Rockland

where you drink the tea of the breasts of the spinsters of Utica

I’m with you in Rockland

where you pun on the bodies of your nurses the harpies of the Bronx

I’m with you in Rockland

where you scream in a straightjacket that you’re losing the game of the actual pingpong of the abyss

I’m with you in Rockland

where you bang on the catatonic piano the soul is innocent and immortal it should never die ungodly in an armed madhouse

I’m with you in Rockland

where fifty more shocks will never return your soul to its body again from its pilgrimage to a cross in the void

I’m with you in Rockland

where you accuse your doctors of insanity and plot the Hebrew socialist revolution against the fascist national Golgotha

I’m with you in Rockland

where you will split the heavens of Long Island and resurrect your living human Jesus from the superhuman tomb

I’m with you in Rockland

where there are twentyfive thousand mad comrades all together singing the final stanzas of the Internationale

I’m with you in Rockland

where we hug and kiss the United States under our bedsheets the United States that coughs all night and won’t let us sleep

I’m with you in Rockland

where we wake up electrified out of the coma by our own souls’ airplanes roaring over the roof they’ve come to drop angelic bombs the hospital illuminates itself imaginary walls collapse O skinny legions run outside O starry-spangled shock of mercy the eternal war is here O victory forget your underwear we’re free

I’m with you in Rockland

in my dreams you walk dripping from a sea-journey on the highway across America in tears to the door of my cottage in the Western night





San Francisco, 1955—1956






Tradução: Ricardo Bargão:





para Carl Solomon







I




Eu vi os expoentes da minha geração
destruídos pela loucura, esfomeados, histéricos, nus,
arrastando-se na aurora pelas ruas dos negros buscando uma dose violenta
"hipsters" com cabeça de anjo ardendo pela antiga ligação celestial
com o dínamo estrelado da maquinaria da noite
que pobres, que esfarrapados, que olhos encovados, que pedrados
fumando sentados na escuridão sobrenatural
dos apartamentos míseros só com água fria
flutuando sobre os tetos das cidades contemplando o jazz.
que desnudaram seus cérebros ao Paraíso sob o Metro
que viram anjos maometanos cambaleando iluminados
nos telhados dos bairros sociais,
que passaram por universidades com olhos radiantes e frios
alucinando com o Arkansas e as tragédias à luz de William Blake
entre os aprendizes da guerra,
que foram expulsos das academias por serem loucos
& publicarem odes obscenas nas janelas do crânio,
que se agacharam em cuecas em quartos por barbear
queimando dinheiro em cestos de papel, escutando
o Terror através da parede.
que foram presos pelas suas barbas púbicas voltando por Laredo
com um cinturão de marijuana para Nova York,
que comeram fogo em hoteis pintados
ou beberam terebentina no Beco do Paraíso, da Morte,
ou flagelaram seus torsos noite após noite
com sonhos, com drogas, com pesadelos acordados,
com álcool e caralhos e colhões sem fim,
cegueira incomparável; ruas de nuvem trêmula e
relampagos na mente pulando postes do Canadá a Paterson,
iluminando pelo caminho o mundo do Tempo parado,
Vestíbulos sólidos de mezcal,
auroras no quintal com árvores verdes de cemitério,
embriaguez de vinho sobre telhados,
o prazer da corrida pelas fachadas das lojas de subúrbio
no neon intermitente do tráfego, na vibração do sol e da lua e
da árvore no estrondoso crepúsculo invernal de Brooklyn,
gritos entre latas de lixo e a suave e soberana luz da mente,
que se acorrentaram ao Metropolitano para o infindável percurso
entre Battery ao sagrado Bronx sob o efeito de benzedrina
até que o barulho das rodas e das crianças os trouxesse de volta,
trêmulos, de boca arrebentada e o cérebro despovoado, deserto e
despojado de qualquer brilho da luz lúgubre do zoo,
que se afundaram toda a noite na luz submarina de Bickford's,
voltaram à tona e aguentaram a tarde de cerveja morta no desolado Fuggazi's
escutando o matraquear da desgraça na Jukebox de hidrogênio,
que falaram setenta e duas horas sem parar do parque
a casa, ao bar, ao Bellevue, ao Museu, à Ponte de Brooklyn,
batalhão perdido de conversadores platônicos
saltando dos patamares das escadas de incêndio,
dos parapeitos das janelas do Empire State,
de dentro da Lua,
tagarelando, berrando, vomitando, sussurrando fatos e
memórias e anedotas e pontapés nos olhos
e choques nos hospitais e nas prisões e nas guerras,
intelectos inteiros regurgitados em remeniscência total
com os olhos brilhantes por sete dias e noites,
carne para a Sinagoga lançada ao chão,
que desvaneceram no Zen de New Jersey em lugar nenhum
deixando um rastro de ambíguos postais da Câmara de Atlantic City,
sofrendo suores orientais, pulverizações tangerianas nos ossos
e enxaquecas da China em ressaca de heroína
num quarto desolado e sórdido de Newark,
que à meia-noite deram voltas e voltas na oficina ferroviária
imaginando para onde ir
e foram, sem deixar corações partidos,
que acenderam cigarros em vagões, vagões, vagões
que rumavam ruidosamente pela neve fora
até quintas solitárias na noite antiga,
que estudaram Plotino, Edgar Allan Poe, São João da Cruz, telepatia e Kabbalah-bop
porque o Cosmos instintivamente vibrava a seus pés em Kansas,
que passaram solitários pelas ruas de Idaho
em busca de anjos índios visionários que eram anjos índios visionários,
que julgaram estarem apenas loucos
quando Baltimore reluziu num êxtase sobrenatural,
que pularam em limusines com o Chinoca de Oklahoma
impulsionados pela chuva de inverno à meia-noite na luz das ruas da pequena cidade,
que vaguearam sozinhos e famintos por Houston
procurando jazz ou sexo ou sopa
e seguiram o brilhante Espanhol para conversar sobre a América e a Eternidade,
tarefa deseperante e impossível, e por isso embarcaram num navio rumo a África,
que desapareceram nos vulcões do México
não deixando nada para trás além da sombra das calças de ganga
e a lava e a cinza da poesia dispersas na lareira de Chicago,
que reapareceram na Costa Oeste investigando o FBI
de barba e calções com grandes olhos pacifistas e sensuais nas suas peles morenas,
distribuindo folhetos imcompreensiveis,
que apagaram cigarros acesos nos seus braços
protestando contra o nevoeiro narcótico de tabaco do Capitalismo,
que distribuíram panfletos supercomunistas em Union Square,
chorando e despindo-se enquanto as
sirenes de Los Alamos os afugentava protestando mais alto que eles,
protestando pela Wall Street
e protestando também o Ferry de Staten Island,
que caíram em prantos em ginásios brancos,
nus e trêmulos diante da maquinaria de outros esqueletos,
que morderam policiais no pescoço
e berraram de prazer nos carros presidiários
por não terem cometido qualquer crime
a não ser sua propria intoxicação e pederástia selvagem,
que uivaram de joelhos no Metro
e foram arrancados do telhado sacudindo genitais e manuscritos,
que se deixaram enrabar por motociclistas santificados e gritaram de prazer,
que mamaram e foram mamados por esses serafins humanos,
os marinheiros, carícias de amor atlântico e caribeano,
que fizeram sexo pela manhã, pela tarde em roseirais
na relva de jardins públicos e cemitérios,
espalhando livremente seu sêmem para quem quer que fosse,
fosse quem fosse que se quisesse vir,
que soluçaram interminavelmente tentando gargalhar
mas acabaram em lágrimas atrás de um tabique de banho turco
onde o anjo loiro e nu veio penetrá-los com sua espada,
que perderam os seus amantes para as três megeras do destino,
a megera zarolha do dólar heterossexual,
a megera zarolha que pestaneja de dentro do útero
e a megera zarolha que só sabe assentar o cu
retalhando os dourados fios intelectuais do tear do artesão,
que copularam extasiados e insaciáveis com uma garrafa de cerveja,
uma namorada, um maço de cigarros, uma vela,
e caíram da cama e continuaram pelo chão e pelo corredor
e terminaram desmaiando contra a parede com uma visão derradeira de cona e de esporra
a iludir o ultimo jacto de consciência,
que provaram a pachacha de um milhão de miúdas trêmulas ao anoitecer,
e mesmo de olhos vermelhos na manhã seguinte estavam prontos para
fornicar o nascer do sol, exibindo as peidas nos celeiros e nus no lago,
que se prostituíram no Colorado numa miríade de carros roubados na noite,
N.C., herói secreto destes poemas, garanhão e Adonis de Denver,
bem haja a memória das suas incontáveis pinocadas com tipas
em terrenos baldios & pátios dos fundos de restaurantes de beira de estrada,
nas periclitantes filas de poltronas de cinema, no cimo de montanhas em grutas,
ou com esqueléticas empregadas de mesa num íntimo e solitário
levantar de saiotes à beira da estrada & especialmente solipsismos secretos em urinois de Estações de Serviço & também becos da cidade natal,
que se eclipsaram em longos filmes sórdidos, sendo transportados em sonhos,
acordando numa Manhattan súbita e conseguiram voltar com uma
impiedosa ressaca de do fundo das adegas do insensivel Tokay
e o horror dos sonhos de ferro da Terceira Avenida
& cambalearam rumo aos centros de emprego,
que caminharam a noite toda com os sapatos cheios de sangue
pelo cais repleto de neve, esperando que se abrisse uma porta no East River
dando para um quarto cheio de vapor e ópio,
que criaram grandes dramas suicidas
nos penhascos de apartamentos do Hudson
à luz de azulado holofote anti-aéreo da lua & suas cabeças
deverão ser coroadas de louros no esquecimento,
que comeram o estufado de cordeiro da imaginação
ou digeriram o caranguejo no fundo lodoso dos rios de Bovery,
que choraram diante do romance das ruas
com seus carrinhos de mão cheios de cebola e péssima música,
que ficaram sentados em caixotes respirando na escuridão sob a ponte
e ergueram-se para construir cravos nas suas águas-furtadas,
que tossiram num sexto andar do Harlem coroado de chamas
sob um céu tuberculoso rodeados pelos caixotes alaranjados de teologia,
que rabiscaram a noite toda deitando e rolando sobre encantações sublimes
que á luz amarela do amanhecer revelaram-se estrofes inintelegíveis,
que cozinharam animais apodrecidos, pulmão, coração, patas, cauda,
borsht & tortillas sonhando com o puro reino vegetal,
que se atiraram sob caminhões de carne em busca de um ovo,
que jogaram seus relógios do telhado
fazendo a sua aposta pela Eternidade
fora do Tempo & despertadores caíram nas suas cabeças
por todos os dias da década seguinte,
que cortaram três vezes seus pulsos sucessivamente sem sucesso,
desistiram e foram forçados a abrir antiquários
onde acharam iam envelhecer e choraram,
que foram queimados vivos em seus inocentes fatos de flanela em Madison Avenue
no meio de disparos de versos de chumbo
& o estrondo abafado dos férreos esquadrões da moda
& os guinchos de nitroglicerina das bichas da publicidade
& o gás mostarda dos editores inteligentes e sinistros
ou foram presseguidos pelos táxis embriagados da Realidade Absoluta,
que salataram da Ponte de Brooklyn, isto realmente aconteceu
e partiram desconhecidos e esquecidos
para dentro da espectral confusão das ruelas de sopa & carros de bombeiros
de Chinatown, nem mesmo uma cerveja de borla,
que cantaram nas suas janelas em desepero,
atiraram-se pela janela do Metro, saltaram no imundo rio Passaic,
pularam nos braços dos negros, choraram pela rua afora,
dançaram descalços sobre estilhaços de copos de vinho
destruindo nostálgicos discos de jazz europeu alemão dos anos 30,
terminaram o whisky e vomitaram gemendo em retretes ensanguentadas,
lamentações nos ouvidos e o sopro de colossais apitos a vapor,
que tombaram pelas auto-estradas das viagens do passado
no relógio da solidão prisional no Gólgota do “tunning” de cada um
ou então a encarnação do Jazz de Birmingham,
que guiaram atravessando o país durante setenta e duas horas para saber
se eu tinha tido uma visão ou se tu tinhas tido uma visão ou se ele tinha tido
uma visão para descobrir a Eternidade,
que viajaram rumo a Denver, que morreram em Denver, que retornaram a Denver
& esperaram em vão, que espreitaram Denver & ficaram parados pensando
& solitários em Denver e finalmente partiram para descobrir o Tempo
& agora Denver tem saudades dos seus heróis,
que caíram de joelhos em catedrais sem esperança
rezando pela salvação uns dos outros e luz e os peitos
até que a alma iluminasse seu cabelo por um segundo,
que se esmagaram suas mentes na prisão
aguardando impossíveis criminosos de cabeça dourada
e o encanto da realidade nos seus corações que entoavam docemente
o Blues de Alcatraz,
que se retiraram para ao México para cultivar o vício
ou para as Montanhas Rochosas para venerarem Buda
ou para Tanger para os rapazes ou para Pacifico Sul, para a locomotiva negra,
ou para Harvard, ou para Narciso, para Woodlawn,para o branqueamento ou o túmulo,
que exigiram exames de sanidade mental acusando o rádio de hipnotismo
& foram deixados com sua loucura & suas mãos & um júri suspeito,
que atiraram salada de batata na conferência do City College de New York sobre Dadaísmo
e em seguida se apresentaram na escadaria de granito do manicômio
com cabeças raspadas e fala de arlequim sobre suicídio,
exigindo lobotomia imediata,
e que em lugar disso receberam o vazio concreto da insulina Metrazol
electrochoques, hidroterapia, psicoterapia, terapia ocupacional
pingue-pongue & amnésia,
que num protesto sem graça derrubaram apenas uma simbólica mesa de pingue-pongue, momentaneamente catatônicos,
voltando anos depois, realmente carecas exceto uma peruca de sangue
e lágrimas e dedos para a visível perdição do louco
nas celas das cidades-manicômio do Leste,
os corredores fétidos Pilgrim State, Rockland, Greystone,
lutando com os ecos da alma,
ás cambalhotas à meia-noite no banco da solidão
dos domínios do Dólmen do amor, um pesadelo de sonho de vida,
corpos tornados pedra tão pesados como a lua,
com a mãe finalmente ****** e o último livro fantástico atirado pela janela da casa pobre
e a última porta fechada às 4 da madrugada e o último telefone arremessado
contra a parede em resposta e o último quarto mobiliado
esvaziado até a última peça de mobília mentálica,
uma rosa de papel amarelo retorcida num cabide de arame do armário
e até essa imaginária, nada mais que um bocadinho esperançoso de alucinação
ah, Carl, enquanto tu não estiveres a salvo eu não estarei a salvo
e agora tu estás inteiramente mergulhado no caldo animal do tempo
e que por isso correram obcecados pelas ruas geladas
por um súbito clarão da alquimia do uso
da elipse, do catálogo, da métrica & do plano vibratório
que sonharam e encarnaram brechas no Tempo &
Espaço através de imagens justapostas
e encurralaram o arcanjo da alma entre 2 imagens visuais
e reuniram os verbos elementares
e juntaram o substantivo e o esmagamento da consciência
fervilhando numa sensação de Pater Omnipotens Aeterni Deus,
para recriar a sintaxe e a medida da pobre prosa humana
e ficaram parados à sua frente, mudos e inteligentes e trêmulos de vergonha,
rejeitados todavia expondo a alma
para conformar-se com o ritmo do pensamento na sua cabeça nua e infinita,
o louco vagabundo e o anjo soam ao mesmo Tempo, desconhecido,
mas mesmo assim deixando aqui o que houver para ser dito
no tempo que virá após a morte,
e reergueram-se reencarnados na roupagem fantasmagórica do jazz
no espectro de trombeta dourada da banda
e fizeram soar o sofrimento da mente nua da América pelo amor
num grito de saxofone de eli eli lama lama sabactani
que estilhaçou as cidades até ao último rádio,
com o coração absoluto do poema da vida arrancado dos seus corpos
comestível por mais mil anos.

II

Que esfinge de cimento e aluminio lhes rachou os crânios
e lhes comeu os miolos e a imaginação?
Moloch! Solidão! Sugidade! Fealdade! Cinzas e Dolars por alcançar!
Crianças gritando nos vãos de escadas! Rapazes em pranto nos exércitos!
Velhos chorosos nos parques!
Moloch! Moloch! Pesadelo de Moloch! Moloch mal-amado!
Moloch mental! Moloch o severo juiz do homem!
Moloch é a prisão incompreensivel! Moloch a cadeia de esqueletos sem alma
e um Congresso de Mágoas! Moloch cujos prédios são julgamento!
Moloch a vasta pedra da guerra! Moloch os governos aturdidos!
Moloch cuja mente é pura maquinaria! Moloch cujo sangue é dinheiro circulando!
Moloch cujos dedos são dez exércitos! Moloch cujo peito é um dínamo canibal!
Moloch cujo ouvido é um tumulo de fumo! Moloch com olhos de mil janelas cegas!
Moloch cujos arranha-céus se estendem por longas ruas como Jeovás intermináveis!
Moloch cujas fabricas sonham e morrem na neblina!
Moloch cujas chaminés e antenas coroam as cidades!
Moloch cujo amor é pedra e petróleo interminável! Moloch cuja alma é electricidade e bancos!
Moloch cuja pobreza é o espectro do génio! Moloch cujo destino é uma nuvem assexuada de hidrogênio! Moloch cujo nome é a Mente!
Moloch em que me sinto sozinho! Moloch em que sonho Anjos! Maluco em Moloch!
Brochista em Moloch! Sem amor e sem homens em Moloch!
Moloch que penetrou cedo em minha alma! Moloch em que sou uma consciência incorpórea!
Moloch que aterrorizando-me me arrancou do meu êxtase natural!
Moloch que eu abandono! Despertem em Moloch! Luz flui dos céus!
Moloch! Moloch! Apartamentos robóticos! subúrbios invisíveis! Tesoureiros esqueletos! Capitais cegas! indústrias demoníacas! nações de espectros! manicômios invenciveis! caralhos de granito! bombas monstruosas!
Deram cabo das costas elevando Moloch aos Céus! Pavimentos, árvores, rádios, toneladas! Ergueram a cidade ao Céu que existe e que está em toda a parte!
Visões! presságios! alucinações! milagres! êxtases! Tudo pelo rio americano abaixo!
Sonhos! Adorações! Iluminações! Religiões! Um amontoado de sensibilidades de merda!
Descobertas! sobre o rio! saltos e cruxificações! Tudo vai com a inundação! Pedradas! Epifanias! Deseperos! Dez anos de gritos animalescos e suicídios! Mentes! Novos Amores!
Geração louca! Em baixo nas rochas do Tempo!
Risos sinceros e sagrados no rio! Eles observaram tudo! Os olhos selvagens! Os gritos sagrados! Despediram-se! Saltaram do telhado! para a solidão! acenando! levando flores!
em direcção ao rio! em direcção á rua!

III

Carl Solomon! Estou contigo em Rockland
onde és mais louco do que eu
Estou contigo em Rockland
onde te deves sentir muito estranho
Estou contigo em Rockland
onde imitas a sombra da minha mãe
Estou contigo em Rockland
onde matas-te as tuas doze secretárias
Estou contigo em Rockland
onde te ris deste humor invisível
Estou contigo em Rockland
onde somos grandes escritores na mesma horrível maquina de escrever
Estou contigo em Rockland
onde o teu estado de saúde se agravou e foi noticiado na rádio
Estou contigo em Rockland
onde as faculdades do crânio já não admitem os vermes dos sentidos
Estou contigo em Rockland
onde bebes chá das mamas das solteironas de Utica
Estou contigo em Rockland
onde gozas com os corpos das tuas enfermeiras, as harpias do Bronx
Estou contigo em Rockland
onde gritas numa camisa de forças que estás a peder o jogo de pingue-pongue do abismo
Estou contigo em Rockland
onde violentas o piano catatônico e a alma é inocente e imortal e jamais deverá morrer ímpia num manicômio armado
Estou contigo em Rockland
onde cinquenta choques adicionais não farão a alma regressar ao corpo de novo da sua peregrinação a uma cruz no vazio.
Estou contigo em Rockland
onde acusas os teus médicos de insanidade e conspiras na revolução Hebraico-socialista contra o nacional-fascismo Gólgota.
Estou contigo em Rockland
onde apartas os céus de Long Island e ressuscitas um Jesus humano e vivo do seu tumulo sobre-humano
Estou contigo em Rockland
onde há vinte e cinco mil camaradas que cantam em conjunto as estrofes finais da Internacional
Estou contigo em Rockland
onde abraçamos e beijamos os Estados Unidos, debaixo dos lençóis os Estados Unidos que tossem toda a noite e não nos deixam dormir.
Estou contigo em Rockland
onde acordamos electrificados de coma pelo barulho dos aviões da nossa alma pelos telhados, eles vieram para lançar bombas angélicas, os hospitais se iluminam, os muros imaginários colapsam,
Ó legiões magras corram lá para fora,
Ó chegou o choque misericordioso de estrelas ornando a guerra eterna,
Ó vitória, esqueçe as cuecas, somos livres
Estou contigo em Rockland
nos meus sonhos caminhas a pingar de uma viagem marítima pelas estradas da América lavado em lágrimas rumo á porta da minha cabana na noite do Oeste.





Tradução de Luis Dolhnikoff





Para Carl Salomon



I



Eu vi as melhores cabeças da minha

geração destruídas pela loucura…



… famélicos histéricos nus, arrastando-se

pelas ruas do bairro negro ao amanhecer

na fissura de um pico,





hipsters (1) de cabeça ardendo pela ancestral

conexão com um dínamo estrelando na

maquinaria da noite,



que pobreza e farrapos e ocos olhos loucos se

sentaram fumando na escuridão sobrenatural

de apartamentos sem aquecimento flutuando

pelos telhados das cidades contemplando o jazz,

que desnudaram cérebros para o céu sob o

viaduto e viram anjos muçulmanos cambaleando

nos telhados dos cortiços iluminados,



que passaram pelas universidades com serenos olhos

radiantes alucinando Arkansas e tragédias

Blake-iluminados entre os mestres da guerra (2),



que foram expulsos das academias por pirarem &

publicarem odes obscenas nas janelas do

crânio,



que se encolheram de cueca em quartos descasados,

queimando seu dinheiro em cestos de lixo e

ouvindo o Terror através das paredes,



que foram revistados nos pentelhos voltando

por Laredo com um cinturão de fumo

para Nova York,



que engoliram fogo em hotéis vagabundos ou beberam

terebintina em Paradise Alley, (3) morte, ou

flagelaram seus torsos noite após noite

com sonhos, com drogas, com pesadelos despertos,

álcool e paus e fodas sem fim.



incomparáveis ruas fechadas de nuvens trêmulas

e raios na cabeça pulando para postes

no Canadá & em Peterson (4), iluminando todo

o imóvel mundo do Tempo no meio,



solidez de peiote dos corredores, autoras de

cemitério de fundo de quintal arborizado, porres

de vinho nos telhados, subúrbios envidraçados

no viajante néon cintiliante dos faróis

vibrações de Sol e Lua e árvore nos crepitantes

crepúsculos de inverno do Brooklyn, declamações

sobre o lixo e a mansa luz soberana da mente,



que se prenderam no metrô para a interminável

viagem de Battery ao sagrado Bronx com benzedrina

até que o ruído de rodas e crianças

os arrancou de volta tremendo boquiabertos

abatidos desertos do cérebro drenados de todo

brilho na lúgubre luz do zoológico,



que afundaram a noite inteira na luz submarina do

Bickford’s voltaram à tona e passaram

a tarde de cerveja choca no desolado Fuggazi’s (5)

ouvindo o baque da catástrofe numa jukebox

hidrogênica,



que falaram setenta horas sem parar do parque

ao apê ao bar ao Bellevue (6) ao museu à ponte

do Brooklin,



batalhão perdido de debatedores platônicos

pulando das sacadas das escadas de incêndio dos

parapeitos do Empire State da Lua,



tatagarelando gritando vomitando sussurrando

fatos e lembranças e anedotas e espasmos

oculares e abalos de hospitais prisões e

guerras,



intelectos inteiros regurgitados em completa

rememoração por sete dias e noites com olhos

radiantes, carne para a sinagoga caída na calçada,



que sumiram numa nada zen Nova Jersey deixando

uma trilha de obscuros cartões-postais da

prefeitura de Atlantic City,



sofrendo suores orientais e ossos moídos marroquinos

e enxaquecas chinesas na abstinência de um

desolado quarto mobiliado de Newark,



que perambularam à meia-noite pelo

pátio da ferrovia se perguntando para onde ir

e se foram, sem deixar corações partidos,



que acenderam cigarros em vagões vagões vagões de carga

rumando ruidosamente pela neve para fazendas

solitárias na noite avoterna,



que estudaram Poe Plotino São João da Cruz

telepatia e cabala bop porque o universo

instintivamente vibrava aos seus pés em Kansas,



que erraram pelas ruas de Idaho procurando

visionários anjos indígenas que eram

visionários anjos indígenas,



que só acharam estar loucos quando Baltimore

rebrilhou em êxtase sobrenatural,



que pularam em limusines com o chinês de

Oklahoma no impulso da chuva de meia-noite

de inverno à luz da rua de uma cidadezinha,



que vadiaram famintos e sós através de Hounton

atrás de jazz ou sexo ou sopa, e seguiram o

brilhante espanhol para conversar sobre a

América e a Eternidade, tarefa impossível,

então pegaram um navio para a África,



que desapareceram nos vulcões do México

não deixando nada além da sombra de

seus jeans e a lava e a cinza da poesia

espalhadas na lareira de Chicago, (7)



que reapareceram na Costa Oeste investigando o

FBI de barba e bermuda com grandes olhos

pacifistas sensuais em sua pele queimada

distribuindo folhetos incompreensíveis,



que abriram buracos nos braços com cigarros

protestando contra o narcótico nevoeiro

de tabaco do capitalismo.



que distribuíram panfletos supercomunistas na Union

Square chorando e tirando a roupa enquanto as

sirenes de Los Angeles atravessavam seus gemidos,

gemendo através de Wall Street, e a balsa

de Staten Island também gemeu,



que caíram no choro em ginásios brancos nus

e trêmulos diante da maquinaria de outros esqueletos,



que morderam policiais no pescoço e urraram de

deleite em viaturas por não terem cometido crime

algum além da pederastia e intoxicação

selvagemente servidas,



que uivaram ajoelhados no metrô e foram

arrastados do telhado agitando genitais

e manuscritos,



que se deixaram ser enrabados por motoqueiros

beatíficos e gritaram com prazer,



que chuparam e foram chupados por esses querubins

humanos,

os marinheiros, carícias do Atlântico

e amor caribenho,



que transaram de manhã de tarde nas roseiras

e na grama dos parques públicos e cemitérios

espalhando livremente seu sêmen para

quem quer que viesse,



que soluçaram interminavelmente tentando rir mas

se contorceram com o choramingo atrás de um

biombo num banho turco onde o anjo loiro & nu

veio vará-los com uma espada,



que perderam seus namorados para as três megeras

do destino a megera caolha do dólar heterossexual

a megera caolha que pisca dentro do útero

e a megera caolha que só sabe sentar sobre sua

bunda e retalhar a dourada fibra intelectual

do tear do artesão,



que copularam extáticos e insaciados com uma

garrafa de cerveja uma namorada um maço de

cigarros uma vela e caíram da cama e

continuaram pelo chão e ao longo do

corredor e acabaram despencando com uma

visão da boceta final e gozaram expelindo

a derradeira ejorração de consciência,



que acalmaram as xoxotas de um milhão de garotas

tremendo ao pôr do sol, tinham os olhos vermelhos

de manhã mas estavam prontos para acalmar a

xoxota da aurora, bundas brilhantes

nos celeiros e peladas no lago,



que foram se prostituir no Colorado numa miríade

de carros noturnos roubados , N.C., herói secreto

desses poemas, garanhão e Adônis de Dever – (8)

júbilo à memória de suas incontáveis trepadas

com garotas em terreno baldio & fundos de botecos,

… cadeiras capengas de cinema, no cume de montanhas em

cavernas ou com garçonetes esquálidas no familiar

erguer de saias solitário à beira da estrada &

especialmente solipsismos secretos de

banheiros públicos, & becos da cidade natal também,



que apagaram em imensos cinemas sórdidos, foram

transportados em sonhos, acordaram numa Manhattan

inesperada e se resgataram de ressacas em porões

de Tokays impiedosos (9) e terrores de sonhos cruéis da

Terceira Avenida & cambalearam até

agências de emprego,



que andaram a noite toda com os sapatos cobertos de

sangue pelo cais recoberto de neve esperando que

uma porta se abrisse no East River repleta

de vapor e ópio,



que criaram grandes dramas suicidas nas

margens-penhascos de apartamentos do Hudson

sob o holofote antiaéreo azul da Lua &

suas cabeças hão de ser ungidas pela coroa do

esquecimento,



que comeram o cordeiro ensopado da imaginação ou

digeriram o caranguejo do fundo lamacento dos

rios deBowery,



que choraram ante o romance das ruas com suas

carroças cheias de cebola e música ruim.



que se sentaram em caixas respirando na escuridão sob

a ponte e se ergueram para construir clarivicórdios

em seus sótãos,



que tossiram num sexto andar do Harlen coroado

de chamas sob o céu tuberculoso

cercado pelas caixas laranja da teologia, (10)



que rascunharam a noite inteira deitando e rolando sobre

invocações sublimes que no amanhecer amarelo

eram estrofes de bobagens,



que cozinharam animas apodrecidos pulmão coração pé rabo

borsht & tortillas sonhando com o puro

reino vegetal,



que se atiraram sob caminhões de carne em busca de

um ovo,



que jogaram seus relógios do telhado como apostas

numa Eternidade fora do Tempo, & despertadores

caíram sobre suas cabeças todos os dias pela

década seguinte,



que cortaram os pulsos três vezes sucessivamente sem

sucesso, desistiram e foram forçados a abrir

lojas de antiguidades onde acharam estar

envelhecendo e choraram,



que foram queimados vivos em seus inocentes ternos

de flanela na Madison Avenue em meio a rajadas de versos

de chumbo & o tropel cerrado dos batalhões de ferro

da moda & os guinchos de nitroglicerina

das bichinhas da publicidade,

& o gás mostarda de sinistros

editores inteligentes, ou atropelados pelos táxis

bêbados da Realidade Absoluta,



que se jogaram da ponde do Brooklyn isso de fato

aconteceu (11) e se foram desconhecidos e

esquecido pela espectral confusão de Chinatown

sopa vielas & carros de bombeiro, sequer uma

cerveja de graça,



que cantaram em desespero nas janelas, jogaram-se

da janela do metrô, saltaram no Paissac imundo,

pularam nos braços dos negros, choraram pela rua afora,

dançaram descalços sobre garrafas de vinho quebradas

arrebentaram discos de nostálgico jazz europeu

da Alemanha dos anos 1930 mataram o uísque e

vomitaram gemendo no banheiro ensanguentado (12),

lamentos nos ouvidos e o sopro de colossais

apitos de neblina,



que voaram estrada abaixo pelas rodovias do passado

viajando na turbo-Gólgota

vigília prisão-solidão de cada um

ou encarnação do jazz de Birmingham (13),



que dirigiram 72 horas através do país para descobrir

se eu tinha uma visão ou se você tinha ou

se ele tinha uma visão para descobrir a Eternidade,



que viajaram a Denver, que morreram em Denver, que

voltaram para Denver & esperaram em vão, que

zelaram por Denver & meditaram & se isolaram em

Denver e finalmente partiram para descobrir o

Tempo, & agora Denver tem saudade de seus heróis,



que caíram de joelhos em catedrais irrecuperáveis

rezando por salvação e luz e peitos para cada um,

até que a alma iluminou seus cabelos por um segundo,



que espatifaram as mentes na prisão esperando

por impossíveis criminosos de cabeças douradas

e o charme da realidade nos corações

que cantaram doces blues por Alcatraz,



que se recolheram ao México para cultivar um vício, ou

às Montanhas Rochosas para atender a Buda ou a Tânger

para os meninos ou à Southern Pacific para a

locomotiva negra ou a Harvard para Narciso a

Woodlawn para a “coroa de flores” ou a cova. (14)



que exigiram exames de sanidade acusando o rádio de

hipnotismo e foram deixados com sua insanidade &

suas mãos & um júri indeciso,



que jogaram salada de batata em conferencistas do CCNY

sobre dadaísmo e em seguida se apresentaram

nos degraus de granito do manicômio com as cabeças

raspadas e um discurso arlequinal de suicídio,

exigindo lobotomia imediata (15),



e que em vez disso receberam o vazio concreto da

insulina Metrazol eletroterapia hidroterapia

psicoterapia terapia ocupacional pingue-pongue

& amnésia,



que num protesto triste virara apenas uma

mesa simbólica de pingue-pongue, descansando

um pouco em catatonia,



retornando anos depois realmente carecas exceto por uma

peruca de sangue, e lágrimas e dedos, para o óbvio

destino de louco da vila das insanas cidades do Leste,



corredores fétidos de Pilgrim State, Rockland e Greystone, (16)

lutando com os ecos da alma, agitando-se e revolvendo-se,

no dólmen-domínio banco-solidão de meia-noite do amor,

o sonho da vida um pesadelo, corpos transformados

pedras tão pesadas quanto a Lua,



com a mãe, finalmente *****, e o último livro

fantástico lançado pela janela do cortiço,

e a última porta fechada às quatro da madrugada

e o último telefonema atirado na parede em resposta

e o último quarto mobiliado esvaziado até a última

peça de mobília mental, uma rosa de papel amarelo

retorcida num cabide de arame sobre o armário,

e, mesmo imaginário, nada além de uma

pequena partícula de alucinação



– ah, Carl, enquanto você não estiver a salvo eu não

estarei a salvo, e agora você está mesmo mergulhado

no completo caldo animal do Tempo –



e que por isso correram pelas ruas geladas obcecados

por uma súbita iluminação da alquimia do uso da

elipse do catálogo do metro (17) &

do plano vibratório,



que sonharam e abriram brechas encarnadas no Tempo &

Espaço através de imagens justapostas, e prenderam

o arcanjo da alma entre duas imagens visuais e

reuniram os verbos elementares e juntaram

o substantivo e o traço de consciência saltando

numa sensação de Pater Omnipotens Aeterne Deus, (18)



para recriar a sintaxe e a medida da pobre prosa

humana e ficaram parados na frente de vocês

calados e inteligentes e trêmulos de vergonha,

rejeitados apesar de expor a alma para se conformar

ao ritmo do pensamento em sua cabeça descoberta e

infinita,



o vagabundo louco e beat angelical no Tempo,

desconhecido, apesar de registrar aqui o que

poderia ficar por dizer no tempo após a morte,



e se reergueram reencarnados na roupagem espectral

do jazz à sombra dourada dos instrumentos e

tocaram o sofrimento de amor da mente nua

da América num eli eli lamá sabactani (19) lamento de

sax que estremeceu as cidades até o último rádio,



com o coração absoluto do poema da vida

estripado de seus próprios corpos

bom para comer por mil anos.



II



Que esfinge de cimento e alumínio arrebentou

seus crânios e devorou seus cérebros

e a imaginação?



Moloch! (20) Solidão! Sujeira! Feiura! Latas de lixo

e dólares inalcançáveis! Crianças gritando

embaixo das escadas! Garotos soluçando

nos quartéis! Velhos chorando nas praças!



Moloch! Moloch! Pesadelo de Moloch! Moloch o

sem amor! Moloch mental! Moloch o duro

julgador dos homens!



Moloch a incompreensível prisão! Moloch o presídio

sem alma de ossos trançados e congresso de

aflições! Moloch cujas construções são julgamento!

Moloch a pedra imensa da guerra! Moloch os

governos atônitos!



Moloch cuja mente é pura maquinaria! Moloch cujo

sangue é dinheiro circulante! Moloch cujos dedos

são dez exércitos! Moloch cujo tórax

é um dínamo canibal! Moloch cuja orelha é uma

cova fumegante!



Moloch cujos olhos são mil janelas apagadas!

Moloch cujos arranha-céus se erguem pelas ruas

extensas como Jeovás infinitos! Moloch cujas

fábricas sonham e arfam na fumaça! Moloch

cujas chaminés e antenas coroam as cidades!





Moloch cujo amor é óleo interminável e pedra!

Moloch cuja alma são bancos e eletricidade!

Moloch cuja pobreza é o espectro do gênio!

Moloch cujo destino é uma nuvem de hidrogênio

assexuada! Moloch cujo nome é a Mente!



Moloch em que me mantenho solitário! Moloch em que

sonho anjos! Louco em Moloch! Chupador

de caralhos em Moloch! Sem homem ou amor em Moloch!



Moloch que cedo penetrou em minha alma! Moloch

em que sou uma consciência incorpórea! Moloch

que me afunguentou do meu êxtase natural! Moloch

que abandono! Acordar em Moloch!

luz escorrendo do céu!



Moloch! Moloch! Apartamentos robôs! subúrbios

invisíveis! tesouros esqueléticos! capitais

cegas! indústrias possessas! hospícios invencíveis!

caralhos de granito! bombas monstruosas!



Eles quebraram as costas erguendo Moloch ao céu!

Calçadas, árvores, rádios, toneladas! erguendo

a cidade para o céu que existe e está

em todos os lugares sobre nós!



Visões! presságios! alucinações! milagres! êxtases!

desceram o rio americano!



Sonhos! adorações! iluminações! religiões! a carga

toda de besteira sensitiva!



Investidas! sobre o rio! saltos e mortificações!

desceram a correnteza! Elevações! Epifanias!

Desesperos! Dez anos de uivos e suicídios!

Mentes! Novos amores! Geração enlouquecida!

descendo pelas pedras do Tempo!



Verdadeiras gargalhadas sagradas do rio! Eles viram

tudo! o olhar selvagem! o grito sagrado! Eles

deram adeus! Pularam do telhado! para a solidão!

acenando! levando flores! Rio abaixo! rua acima!





III



Carl Solomon!



Estou com você em Rockland onde você está

mais louco do que eu



Estou com você em Rockland onde você deve estar

se sentindo muito estranho



Estou com você em Rockland onde você imita

a sombra da minha mãe



Estou com você em Rockland onde você matou

suas doze secretárias



Estou com você em Rockland onde você ri

desse humor imperceptível



Estou com você em Rockland onde somos grandes

escritores na mesma máquina de escrever porcaria



Estou com você em Rockland onde seu estado

se tornou grave e é noticiado pelo rádio



Estou com você em Rockland onde as faculdades do

crânio não toleram mais os vermes do sentido



Estou com você em Rockland onde você bebe

o chá dos peitos das solteironas de Utica



Estou com você em Rockland onde você brinca

com os corpos de suas enfermeiras as harpias

do Bronx



Estou com você em Rockland onde você grita

numa camisa de força que está perdendo o jogo

do verdadeiro pingue-pongue do abismo



Estou com você em Rockland onde você martela

um piano catatônico a alma e inocente e imortal

jamais deveria morrer impiamente num manicômio

armado



Estou com você em Rockland onde cinquenta choques a

mais jamais trarão sua alma até seu corpo

de volta de sua peregrinação até uma cruz no vazio



Estou com você em Rockland onde você acusa seus

médicos de insanidade e maquina a revolução

socialista judaica contra o Gólgota fascista

nacional



Estou com você em Rockland onde você rasgará

os céus de Long Island. E ressucitará seu Cristo

vivo e humano da sepultura sobre-humana



Estou com você em Rockland onde vinte e cinco

mil camaradas loucos cantam em conjunto as

estrofes finais da Internacional



Estou com você em Rockland onde abraçamos

e beijamos os Estados Unidos sob nossos

lençóis Estados Unidos que tossem a noite

toda e não nos deixam dormir



Estou com você em Rockland onde despertamos

eletrocutados do coma pelos aviões de nossas

próprias almas rugindo sobre o telhado



eles vieram lançar bombas angelicais o hospital

se ilumina paredes imaginárias colapsam

Ó legiões esqueléticas corram para fora

Ó embandeirado choque de misericórdia a guerra

eterna chegou Ó vitória esqueça sua roupa

de baixo estamos livres



Estou com você em Rockland nos meus sonhos

você caminha gotejando de uma viagem marinha

pela estrada que atravessa a América em lágrimas…



até a porta da minha casa na noite ocidental



Notas da Tradução



1 Desde o início do século XX até hoje, o termo hipster foi utilizado para indicar diferentes grupos ligados à boemia, ao jazz, às drogas, a certo dandismo cool etc. Nos anos 1940-1950 – antes da consagração da expressão Beat Generation e do termo hippie –, hipster era usado para outsiders “antenados” em geral.

2 Referência ao poeta e místico inglês William Blake [1757-1827]. Em 1948, Ginsberg teria tido uma alucinação provocada pela leitura de seus poemas.

3 Em Paradise Alley [literal e ironicamente, “Beco do Paraíso”], Nova York, ficava o apartamento de Alene Lee, namorada do escritor Jack Kerouac [transformada na personagem Mardou Fox de seu romance The subterraneans].

4 Referência a Keouac, de origem franco-canadense, e ao próprio Ginsberg, nascido em Paterson, Nova Jersey.

5 Os Bickford’s e o Fuggazi’s eram dois bares de comida barata, na Nova York dos anos 1950.

6 Hospital psiquiátrico de Bellevue, Nova York.

7 O poeta John Hoffman [1930?-1950?], figura algo enigmática e efêmera do movimento beat em San Francisco, de fato desapareceu no México. O verso faz ainda referências originais destruídos pelos próprios autores e ao grande incêndio de Chicago em 1871.

8 Referências a Neal Cassady [1926-1968], amigo de Ginsberg e personagem emblemático da Beat Generation, nos anos 1950 e do “psicodelismo”; foi modelo para o personagem Dean Moriaty em On the Road, de Kerouac.

9 Vinho doce de origem húngara.

10 Um músico amigo de Ginsberg, Bill Keck, de fato construiu clavicórdios, antigo instrumento de teclado, precursor do piano; um estudante de teologia com o qual dividiu um apartamento, Russel Durgin, guardava seus livros em tais caixas.

11 O poeta e músico Naphtali “Tuli” Kupferberg [1923-2010], amigo de Ginsberg, saltou certa vez da ponte de Manhattan numa tentativa de suicídio.

12 Referências a Bill Cannastra [1922-1950]. Canastra foi, ao lado de Neal Cassady, um dos principais “enfants terribles” da Beat Generation, e inspirou vários personagens de seus amigos escritores [ele de fato morreu depois de pular de uma janela do metrô].

13 Os beats reinauguraram a vida “on the road”, viajando de carro através dos EUA no segundo pós-guerra [na época da Depressão, cruzava-se o país de trem]. O original fala em “each other’s hotrod-Golgotha [jail-solitude watch]”: hotrod é o carro ‘preparado”, de grande potência; Gólgota é o lugar onde Cristo foi cruxificado, logo, uma referência a “carregar a cruz”.

14 Ao México para se drogar, às montanhas para meditar, ao Marrocos [Tânger] para o turismo homossexual, à ferrovia Southern Pacific para viajar/vagabundear, a Harvard para se envaidecer e ao cemitério de Woodlawn, [Bronx, Nova York] para morrer ou praticar sexo grupal: a “coroa de flores” [“daisychain” no original] refere-se também às orgias noturnas que aconteciam ali [particularmente a um grupo de garotas praticando sexo oral uma na outra, formando um círculo ou coroa]. A mãe de Ginsberg, Naomi Ginsberg, morou perto de Woodlawn.

15 Referências a atitudes “dadaístas” de Carl Solomon [que de fato se internou ao menos uma vez voluntariamente]. Carl Solomon, poeta e escritor [1928-1993] e Allen Ginsberg se conheceram quando internados numa instituiçãoo psiquiátrica em Nova York no final dos anos 1940, o segundo como alternativa à prisão por pequenos delitos. Solomon ainda passaria por outras internações. CCNY: City College de Nova York.

16 Pilgrim State Hospital e Rockland State Hospital, Nova York; Greystone State Hospital, Nova Jersey: instituições de saúde mental relacionadas à mãe de Ginsberg, que sofria de esquizofrenia, e a Carl Solomon.

17 Elipse, catálogo e metro são alusões às três maiores influências de Ginsberg: Pound, Whitman e Williams. Ou seja, de Pound a alusão, de Whitman o verso longo repleto de referências e de Williams a medida [em Uivo determinada por Ginsberg como a de uma “respiração”, uma linha que se pode recitar em um “fôlego”].

18 Referência a Cézanne, particularmente à sua famosa carta de 1904 a Émile Bernard: “As paralelas ao horizonte dão a extensão, ou seja, uma seção da natureza ou, se preferir do espetáculo que o Pater Omnipotens Aeterne Deus [‘Deus eterno e todo poderoso’, da oração ‘Domine, non sum dignus’] expõe diante de nossos olhos”. Em Correspondência, São Paulo, Martins Fontes, 1922, p. 244.

19 Primeiro verso do Salmo 22: “Senhor, Senhor, por que me abandonaste?”.

20 Moloch é o nome pelo qual a Bíblia hebraica, ou Velho Testamento, se refere a uma divindade do antigo Oriente Médio, não registrada nos achados arqueológicos. Apesar disso, o Moloch bíblico possui muitas características em comum com o historicamente conhecido deus Baal dos fenícios, ao qual recém-nascidos eram sacrificados no fogo, principalmente, em épocas de crise. Ele é descrito como um homem com cabeça de touro, em cujo ventre arde uma chama.

21 Peter Orlovsky [namorado de Ginsberg por muitos anos], Carl Solomon, Lucien Carr, Jack kerouac, Herbert Huncke, William Burroughs e Neal Cassady, amigos e “companheiros de viagem” de Ginsberg [Allen}.



Tradução de Cláudio Willer:

        

Para Carl Solomon



I



Eu vi os expoentes da minha geração, destruídos pela

loucura, morrendo de fome, histéricos, nus,

arrastando-se pelas ruas do bairro negro de madrugada

em busca de uma dose violenta de qualquer coisa,

hipsters com cabeça de anjo ansiando pelo antigo

contato celestial com o dínamo estrelado da

maquinaria da noite,

que pobres esfarrapados e olheiras fundas, viajaram

fumando sentados na sobrenatural escuridão dos

miseráveis apartamentos sem água quente, flutuando

sobre os tetos das cidades contemplando o jazz,

que desnudaram seus cérebros ao céu sob o Elevado

e viram anjos maometanos cambaleando iluminados

nos telhados das casas de cômodos,

que passaram por universidades com olhos frios e

radiantes alucinando Arkansas e tragédias à luz

de Blake entre os estudiosos da guerra,

que foram expulsos das universidades por serem loucos

& publicarem odes obscenas nas janelas do crânio,

que se refugiaram em quartos de paredes pintura

descascada em roupa de baixo queimando seu

dinheiro em cestos de papel escutando o Terror

através da parede,

que foram detidos em suas barbas púbicas voltando

por Laredo com um cinturão de marihuana para

Nova Iorque,

que comeram fogo em hotéis mal pintados ou

beberam terebentina em Paradise Alley, morreram ou

flagelaram seus torsos noite após noite com

sonhos, com drogas, com pesadelos na vigília,

alcool e caralhos em intermináveis orgias,

incomparáveis ruas cegas sem saída de nuvem trêmula,

e clarão na mente pulando nos postes dos pólos de

Canadá & Paterson, iluminando completamente o

Mundo imóvel do Tempo intermediário,

solidez de Peite dos corredores, aurora de fundo de

quintal das verdes árvores do cemitério, porre de vinho

nos telhados, fachadas de lojas de subúrbio

na luz cintilante de neon do tráfego na

corrida de cabeça feita do pazer, vibrações de

sol e lua e árvore no tronco de crepúsculo de

inverno de Brooklyn, declamações entre latas

de lixo e a suave soberana luz da mente,

que se acorrentaram aos vagões do metrô para o

infindável percurso do Battery ao sagrado Bronx

de benzedrina até que o barulho das rodas e

crianças os trouxesse de volta, trêmulos, a boca

arrebentada o despovoado deserto do cérebro

esvaziado de qualquer brilho na lúgubre luz do

Zoológico,

que afundaram a noite toda na luz submarina

de Bickford´s, voltaram à tona e passaram a tarde

de cerveja choca no desolado Fuggazi´s escutando

o matraquear da catástrofe na vitrola

automática de hidrogênio,

que falaram setenta e duas horas sem parar do

parque ao apê ao bar ao Hospital Bellevue ao

Museu à Ponte do Brooklyn,

Batalhão perdido de debatedores platônicos saltando

dos gradis das escadas de emergência dos parapeitos

das janelas do Empire State da Lua,

tagarelando, berrando, vomitando, sussurrando fatos

e lembranças e anedotas e viagens visuais e choques

nos hospitais e prisões e guerras,

intelectos inteiros regurgitados em recordação total

com os olhos brilhando por sete dias e noites,

carne para a sinagoga jogada à rua,

que desapareceram no Zen de Nova Jersey de

lugar algum deixando um rastro de postais ambíguos

do Centro Cívico de Atlantic City,

sofrendo suores orientais, pulverizações tangerianas

de ossos e enxaquecas da China por causa da

falta da droga no quarto pobremente mobiliado de Newark,

que deram voltas e voltas à meia noite no pátio da

ferrovia perguntando-se aonde ir e foram, sem

deixar corações partidos,

que acenderam cigarros em vagões de carga, vagões

de carga, vagões de carga, que rumavam ruidosamente

pela neve até solitárias fazendas dentro da noite do avô,

que estudaram Plotino, Poe, São João da Cruz, telepatia

e bop-cabala pois o Cosmos instintivamente

vibrava a seus pés em Kansas,

que passaram solitários pelas ruas de Idaho procurando

anjos índios e visionários que eram anjos índios e visionários

que só acharam que estavam loucos quando Baltimore

apareceu em estase sobrenatural,

que pularam em limusines com o chinês de Oklahoma

no impulso da chuva de inverno na luz das ruas

da cidade pequena à meia-noite,

que vaguearam famintos e sós por Huston procurando

jazz ou sexo ou rango e seguiram o espanhol

brilhante para conversar sobre a América e a Eternidade,

inútil tarefa, e assim embarcaram

num navio para a África,

que desapareceram nos vulcões do México

nada deixando além da sombra das suas calças

rancheiras e a lava e a cinza da poesia espalhadas

pela lareira Chicago,

que reapareceram na Costa Oeste investigando o FBI

de barba e bermudas com grandes olhos pacifistas

e sensuais nas suas peles morenas, distribuindo

folhetos ininteligíveis,

que apagaram cigarros acesos nos seus braços

protestando contra o nevoeiro narcótico de

tabaco do Capitalismo,

que distribuiram panfletos supercomunistas em Union

Square, chorando e despindo-se enquanto as

Sinrenes de Los Alamos os afugentavam gemendo

mais alto que eles e gemiam pela Wall Street e

também gemia a balsa de Staten Island

que caíram em prantos em brancos ginásios desportivos,

nus e trêmulos diante da maquinaria de outros esqueletos,

que morderam policiais no pescoço e berraram de

prazer nos carros de presos por não terem cometido

outro crime a não ser sua transação pederástica e tóxica,

que uivaram de joelhos no metrô e foram arrancados do

telhado sacudindo genitais e manuscritos,

que se deixaram foder no rabo por motociclistas

santificados e berraram de prazer,

que enrabaram e foram enrabados por esses serafins

humanos, os marinheiros, carícias de amor

atlântico e caribeano,

que transaram pela manhã e ao cair da tarde em

roseirais, na grama de jardins públicos e cemitérios,

espalhando livremente seu sêmen para

quem quisesse vir,

que soluçaram interminavelmente tentando gargalhar

mas acabaram choramingando atrás de um tabique

de banho turco onde o anjo loiro e nu veio

trespassá-los com sua espada,

que perderam seus garotos amados para as três

megeras do destino, a megera caolha do dólar heterossexual, megera caolha

que pisca de dentro do ventre e a megera caolha que só sabe

sentar sobre sua bunda retalhando os dourados

fios intelectuais do tear do artesão,

que copularam em êxtase insaciável com um garrafa

de cerveja, uma namorada, um maço de cigarros, uma

vela, e caíram na cama e continuaram

pelo assoalho e pelo corredor e terminaram

desmaiando contra a parede com uma visão da

boceta final e acabaram sufocando o derradeiro lampejo da

consciência,

que adoçaram as trepadas de um milhão de garotas

trêmulas ao anoitecer, acordaram de olhos vermelhos

no dia seguinte mesmo assim prontos

para adoçar trepadas na aurora, bundas luminosas

nos celeiros e nus no lago,

que foram transar em Colorado numa miríade de

carros roubados à noite, N.C., herói secreto destes

poemas, garanhão e Adônis de Denver – prazer

ao lembrar suas incontáveis trepadas com garotas

em terrenos baldios & pátios dos fundos de

restaurantes de beira de estrada, raquíticas fileiras

de poltronas de cinema, picos de montanha

cavernas com esquálidas garçonetes no

familiar levantar de saias solitário à beira da

estrada & especialmente secretos solipsismos de

mictórios de postos de gasolina & becos da cidade

natal também,

que se apagaram em longos filmes sórdidos, foram

transportados em sonho, acordaram num

Manhattan súbito e conseguiram voltar com uma

Impiedosa ressaca de adegas de Tokay e horror

dos sonhos de ferro da Terceira Avenida &

cambalearam até as agências de desemprego,

que caminharam a noite toda com os sapatos cheios

de sangue pelo cais coberto por montões de

neve, esperando que uma porta se abrisse no

East River dando para um quarto cheio de vapor e ópio,

que criaram grandes dramas suicidas nos penhascos

de apartamentos do Huston à luz azul de holofote

antiaéreo da luta & suas cabeças receberão

coroas de louro no esquecimento,

que comeram o ensopado de cordeiro da imaginação

ou digeriram o caranguejo do fundo lodoso dos

rios de Bovery,

que choraram diante do romance das ruas com seus

carrinhos de mão cheios de cebola e péssima música,

que ficaram sentados em caixotes respirando a

escuridão sob a ponte e ergueram-se para construir

clavicórdios em seus sótãos,

que tossiram num sexto andar do Harlem coroando de

chamas sob um céu tuberculoso rodeados pelos

caixotes de laranja da teologia,

que rabiscaram a noite toda deitando e rolando sobre

invocações sublimes que ao amanhecer amarelado

revelaram-se versos de tagarelice sem sentido,

que cozinharam animais apodrecidos, pulmão coração

pé rabo borsht & tortilhas sonhando com

o puro reino vegetal,

que se atiraram sob caminhões de carne

em busca de um ovo,

que jogaram seus relógios do telhado fazendo seu

lance de aposta pela Eternidade fora do Tempo

& despertadores caíram em suas cabeças por

todos os dias da década seguinte,

que cortaram seus pulsos sem resultado três vezes

seguidas, desistiram e foram obrigados a abrir

lojas de antiguidades onde acharam que estavam

ficando velhos e choraram,

que foram queimados vivos em seus inocentes

ternos de flanela em Madison Avenue no meio das

rajadas de versos de chumbo & o estrondo contido

dos batalhões de ferro da moda & os guinchos

de nitroglicerina das bichas da propaganda &

o gás mostarda de sinistros editores inteligentes

ou foram atropelados pelos taxis bêbados

da Realidade Absoluta,

que se jogaram da ponte de Brooklyn, isso realmente

aconteceu, e partiram esquecidos e desconhecidos

para dentro da espectral confusão das ruelas

de sopa & carros de bombeiros de Chinatown,

nem uma cerveja de graça,

que cantaram desesperados nas janelas, jogaram-se

da janela do metrô saltaram no imundo rio

Paissac, pularam nos braços dos negros, choraram

pela rua afora, dançaram sobre garrafas

quebradas de vinho descalços arrebentando

nostálgicos discos de jazz europeu dos anos 30

na Alemanha, terminaram o whisky e vomitaram

gemendo no toalete sangrento, lamentações nos

ouvidos e o sopro de colossais apitos a vapor,

que mandaram brasa pelas rodovias do passado

viajando pela solidão da vigília da cadeia de

Gólgota de carro envenenado de cada um ou então

a encarnação do Jazz de Birmingham,

que guiaram atravessando o país durante setenta e duas

horas para saber se eu tinha tido uma visão ao se ele tinha

tido uma visão para descobrir a Eternidade,

que viajaram para Denver, que morreram em Denver,

que retornaram a Denver & esperaram em vão,

que espreitaram Denver & ficaram parados pensando

& solitários em Denver e finalmente partiram

para descobrir o Tempo & agora Denver está

saudosa de seus heróis,

que caíram de joelhos em catedrais sem esperança

rezando por sua salvação e luz e peito até que a

alma iluminasse seu cabelo por um segundo,

que se arrebentassem nas suas mentes na prisão

aguardando impossíveis criminosos de cabeça

dourada e o encanto da realidade em seus corações

que entoavam suaves blues de Alcatraz,

que se recolheram ao México para cultivar um

vício ou às Montanhas Rochosas para o suave

Buda ou Tânger para os garotos do Pacífico Sul

para a locomotiva negra ou Havard para Narciso

para o cemitério de Woodlaw para a coroa

de flores para o túmulo,

que exigiram exames de sanidade mental acusando

o rádio de hipnotismo & foram deixados com sua

loucura & e mãos & um júri suspeito,

que jogaram salada de batata em conferencistas da

Universidade de Nova Iorque sobre Dadaísmo

e em seguida se apresentaram nos degraus de

granito do manicômio com cabeças raspadas e

fala de arlequim sobre suicídio, exigindo

lobotomia imediata,

e que em lugar disso receberam o vazio concreto da

insulina metrazol choque elétrico hidroterapia

psicoterapia terapia ocupacional pingue-pongue

& amnésia,

que num protesto sem humor viraram apenas uma

mesa simbólica de pingue-pongue mergulhando

logo a seguir na catatonia,

voltando anos depois, realmente calvos exceto por

uma peruca de sangue e lágrimas e dedos

para a visível condenação de louco nas celas da

cidades-manicômio do Leste,

Pilgrim State, Rockland, Greystone, seus corredores

fétidos, brigando com os ecos da alma, agitando-se

e rolando e balançando no banco de solidão à

meia-noite dos domínios de mausoléu

druídico do amor, o sonho da vida um

pesadelo, corpos transformados em pedras

tão pesadas quanto a lua,

com a mãe finalmente ***** e o último livro

fantástico atirado pela janela do cortiço e a última

porta fechada às 4 da madrugada e o último

telefone arremessado contra a parede em

resposta e o último quarto mobiliado esvaziado até

a última peça de mobília mental, uma rosa de papel

amarelo retorcida num cabide de arame do armário

e até mesmo isso imaginário, nada mais

que um bocadinho esperançoso de alucinação -

ah, Carl, enquanto você não estiver a salvo eu não

estarei a salvo e agora você está inteiramente

mergulhado no caldo animal total do tempo –

e que por isso correram pelas ruas geladas obcecadas

por um súbito clarão da alquimia do uso da elipse

do catálogo do metro inviável & do plano vibratório,

que sonharam e abriram brechas encarnadas no

Tempo & Espaço através de imagens justapostas

e capturaram o arcanjo da alma entre 2 imagens

visuais e reuniram os verbos elementares e

juntaram o substantivo e o choque da consciência

sSaltando numa sensação de Pater Omnipotens

Aeterne Deus,

para recriar a sintaxe e a medida da pobre prosa

humana e ficaram parados à sua frente, mudos e

inteligentes e trêmulos de vergonha, rejeitados

todavia expondo a alma para conformar-se ao

ritmo do pensamento em sua cabeça nua e infinita,

o vagabundo louco e Beat angelical no Tempo,

desconhecido mas mesmo assim deixando aqui

o que houver para ser dito no tempo após a morte,

e se reergueram reencarnados na roupagem

fantasmagórica do jazz no espectro de trompa

dourada da banda musical e fizeram soar o

sofrimento da mente nua da América pelo

amor num grito de saxofone de eli eli lama lama

sabactani que fez com que as cidades tremessem

até seu último rádio,

com o coração absoluto do poema da vida arrancado

de seus corpos bom para comer por mais mil anos




II



Que esfinge de cimento e alumínio arrombou seus

crânios e devorou seus cérebros e imaginação?

Moloch! Solidão! Sujeira! Fealdade! Latas de

Lixo os dólares intangíveis! Crianças berrando

sob as escadarias! Garotos soluçando nos

exércitos! Velhos chorando nos parques!

Moloch! Moloch! Pesadelo de Moloch! Moloch o

mal-amado! Moloch mental! Moloch o pesado

juiz dos homens!

Moloch a incompreensível prisão! Moloch o

presidio desalmado de tíbias cruzadas e o Congresso

dos sofrimentos! Moloch cujos prédios são

julgamento! Moloch a vasta pedra da guerra!

Moloch os governos atônitos!

Moloch cuja mente é pura maquinaria! Moloch cujo

sangue é dinheiro corrente! Moloch cujos

dedos são dez exércitos! Moloch cujo peito é

um dínamo canibal! Moloch cujo ouvido é

um túmulo fumegante!

Moloch cujos olhos são mil janelas cegas! Moloch

cujos arranha-céus jazem ao longo de ruas como

Infinitos Jeovás! Moloch cujas fábricas sonham

e grasnam na neblina! Moloch cujas colunas de fumaça

e antenas coroam as cidades!

Moloch cujo amor é interminável óleo e pedra!

Moloch cuja alma é eletricidade e bancos!

Moloch cuja pobreza é o espectro do gênio!

Moloch cujo destino é uma nuvem de hidrogênio

sem sexo! Moloch cujo nome é a Mente!

Moloch em que permaneço solitário! Moloch em

que sonho com anjos! Louco em Moloch!

chupador de caralhos em Moloch! Mal-amado

e sem homens em Moloch!

Moloch que penetrou cedo na minha alma! Moloch

em quem sou uma consciência sem corpo!

Moloch que me afugentou do meu êxtase natural!

Moloch a quem abandono! Despertar em Moloch!

Luz escorrendo do céu!

Moloch! Moloch! Apartamentos de robôs! Subúrbios

invisíveis! Tesouros de esqueletos! Capitais cegas!

indústrias demoníacas! Nações espectrais! Invencíveis hospícios! Caralhos de granito! Bombas monstruosas!

Eles quebraram suas costas erguendo Moloch ao Céu!

Calçamento, arvores, rádios, toneladas! Levantando

a cidade ao Céu que existe e está em todo lugar

ao nosso redor!

Visões! Profecias! Alucinações! Milagres! Êxtases!

descendo pela correnteza do rio americano!

Sonhos! Adorações! Iluminações! Religiões! O

carregamento todo em bosta sensitiva!

Desabamentos! Sobre o rio! Saltos e crucificações!

descendo a correnteza! Ligados! Epifanias!

Desesperos! Dez anos de gritos animais e suicídios!

mentes! Amores novos! Geração louca! Jogados

nos rochedos do Tempo!

Verdadeiro riso no santo rio! Eles viram tudo! O olhar

selvagem! Os berros sagrados! Eles deram adeus!

pularam do telhado! Rumo à solidão! Acenando! Levando

flores! Rio abaixo! Rua acima!


III



Cal Solomon! Eu estou com você em Rockland

onde você está mais louco do que eu

Eu estou com você em Rockland

onde você deve sentir-se muito estranho

Eu estou com você em Rockland

onde você imita a sombra da minha mãe

Eu estou com você em Rockland

onde você assassinou suas doze secretárias

Eu estou com você em Rockland

onde você ri desse humor invisível

Eu estou com você em Rockland

onde somos grandes escritores na mesma

abominável máquina de escrever

Eu estou com você em Rockland

onde seu estado se tornou muito grave e é

noticiado pelo rádio

Eu estou com você em Rockland

onde as faculdades do crânio não agüentam

mais os vermes dos sentidos

Eu estou com você em Rockland

onde você bebe o chá dos seios das solteironas

de Utica

Eu estou com você em Rockland

onde você bolina os corpos das suas

enfermeiras as harpias do Bronx

Eu estou com você em Rockland

onde você grita de dentro de uma camisa de

força que está perdendo o verdadeiro jogo

de pingue-pongue do abismo

Eu estou com você em Rockland

onde você martela o piano catatônico a alma

é inocente e imortal e nunca poderia morrer

impiamente num hospício armado,

Eu estou com você em Rockland

onde com mais de cinqüenta eletrochoques

sua alma nunca mais retornará a seu corpo de

volta de sua peregrinação rumo a uma cruz

no vazio

Eu estou com você em Rockland

onde você acusa seus médicos de loucura e

prepara a revolução socialista hebraica contra

o Gólgota nacional e fascista

Eu estou com você em Rockland

onde você rasga os céus de Long Island e faz

surgir seu Jesus vivo e humano do túmulo

sobre-humano

Eu estou com você em Rockland

onde há mais de vinte e cinco mil camaradas

loucos todos juntos cantando os versos finais da

Internacional

Eu estou com você em Rockland

onde abraçamos e beijamos os Estados Unidos

sob nossas cobertas os Estados Unidos que

tossem a noite toda e não nos deixam dormir

Eu estou com você em Rockland

onde despertamos eletrocutados do coma pelos

nossos próprios aeroplanos da mente roncando

sobre o telhado eles vieram jogar bombas

angelicais o hospital ilumina-se paredes imaginárias

desabam Ó legiões esqueléticas correi para fora

o choque de misericórdia salpicado de estrelas

a guerra eterna chegou Ó vitória esquece tua roupa

de baixo estamos livres

Eu estou com você em Rockland

nos meus sonhos você caminha gotejante de volta

de uma viagem marítima pela grande rodovia que

atravessa a América em lágrimas até a porta do

meu chalé dentro da Noite Ocidental.


 

(Uivo, Kaddish e outros poemas. Seleção, tradução e notas de Cláudio Willer)



(Ilustração: Uma multidão ouve Allen Ginsberg dar uma leitura de poesia sem censura em Washington parque Square, em Nova York, 1966. AP)