Le feu hantait nos jours et les accomplissait,
Son fer blessait le temps à chaque aube plus grise,
Le vent heurtait la mort sur le toit de nos chambres,
Le froid ne cessait pas d’environner nos coeurs.
Ce fut un bel été, fade, brisant et sombre,
Tu aimas la douceur de la pluie en été
Et tu aimas la mort qui dominait l’été
Du pavillon tremblant de ses ailes de cendre.
Cette année-là, tu vins à presque distinguer
Um signe toujours noir devant tes yeux porté
Par les pierres, les vents, les eaux et les feuillages.
Ainsi le soc déjà mordait la terre meuble
Et ton orgueil aima cette lumière neuve,
L’ivresse d’avoir peur sur la terre d’été.
Tradução de Mário Laranjeira:
Nossos dias o fogo habitava e cumpria,
Feria ao tempo o ferro a cada alva mais cinza,
O vento golpeava a morte em nossos tetos,
O frio não sustava o cerco em nossos peitos.
Foi um belo verão, insosso, áspero e escuro,
Amaste a maciez da chuva no verão
E amaste a morte assim dominando o verão
Do pavilhão tremente em suas asas de cinza.
Naquele ano vieste quase a decifrar
Um signo sempre negro alçado ao teu olhar
Pelas pedras, e ventos, e águas, e folhagens.
Assim a relha já mordia a terra móvel
E o teu orgulho amou aquela luz tão nova,
A embriaguez de ter medo em terra de verão.
(Obra Poética, 1998)
(Ilustração: Marc Chagall)
sexta-feira, 30 de dezembro de 2022
LE BEL ÉTÉ / BELO VERÃO, de Yves Bonnefoy
terça-feira, 27 de dezembro de 2022
MÚSICA NA NOITE, de Aldous Huxley
Sem lua, esta noite de junho é tanto mais viva com estrelas. Sua escuridão é perfumada com rajadas fracas vindas dos florescentes limoeiros, com o cheiro de terra molhada e com o verdor invisível das videiras. Há silêncio; mas é um silêncio que respira com a respiração tranquila do mar e, no meio do fino e estridente ruído de um grilo, de forma insistente, de forma incessante repisa o fato de sua própria perfeição profunda. Na distância longínqua, a passagem de um trem é como uma longa carícia, movendo-se de maneira suave, com uma suavidade inexorável, ao longo do corpo vivo e quente da noite.
sábado, 24 de dezembro de 2022
LÍNGUA, de Ana Martins Marques
1
no princípio
toda língua é estrangeira
acerca-se do seu corpo como de uma cidade
até tomá-lo
fazê-lo chamar-se a si mesmo pelos nomes
que lhe dá
pé perna barriga dentes
fazer a língua chamar-se língua
chamar-se a si mesma pelo nome dela
língua
acerca-se até domá-la
para ensinar-lhe uma coreografia sua
que ela, língua, por sua vez
ensina ao pensamento
cantando
estar na língua como numa
casa louca
que obriga ao abrigar
ela pensa o seu sexo
ela pensa o seu coração
abrindo-o
ela é música
e combate
ela fala na sua boca
com a boca dos mortos
ela é a eletricidade
dos cadáveres
daqueles cuja boca ela encheu
antes da terra
ela cria raízes no seu corpo
dela não é possível se livrar
você é livro
dela
e se aprende outra
é contra ela
contra sua memória
excessiva
e em viagem
com ela
que te cobra e cobre
como um mar
2
Ou é um dueto
uma dança
muito antiga
dela você também se acerca
toma as palavras emprestadas
e empresta-lhes também
sua energia
sua coragem ou doçura
e talvez seja mesmo possível
descartá-la
dissolver-se num mar que não o seu (Cf. Jorge de Sena, “Noções de linguística”)
livrar-se dela
trocá-la por outra
mais nova ou versátil
(meus únicos heróis
são os tradutores)
ou pouco importa a língua
mas o dizer as coisas
que ao serem ditas
extinguem-se
mas com que fulgor
(escrever poemas:
não se contentar com as línguas que se sabe
nem mesmo com as línguas que há)
as línguas são meios
de viagem, são meios
de transporte das palavras:
carrega consigo o camelo o arranha-céu
a baleia
não só a baleia
todas as baleias
não só o amor
todo o amor
quarta-feira, 21 de dezembro de 2022
POR QUE O SUCESSO DA MULHER AMEAÇA O HOMEM?, de Chimamanda Ngozi Adichie
domingo, 18 de dezembro de 2022
GEOGRAFIA DO POEMA, Graça Graúna
I
O dia deu em chuvoso
na geografia do poema.
Um corpo virou cinzas
um sonho foi desfeito
e mil povos proclamaram:
- Não à violência!
A terra está sentida
de tanto sofrimento.
II
Na geografia do poema voam balas
passam na TV os seres nus
o pátio aglomerado
o chão vermelho
onde a regra do jogo
da velha é sentença
marcada na réstia
do sol quadrado.
III
Pelas ruas
a tristeza dos tempos
a impossibilidade do abraço.
Crianças
nos corredores da morte
nos becos da fome
consomem a miséria
matéria prima da sua sobrevivência.
IV
Nos quarteirões
dobrando a esquina
homens e mulheres
idôneos, cansados
a lastimar o destino
de esmolar o direito
dos tempos madrugados.
V
Se o medo se espalha
virá o silêncio
o espectro das horas
e as cores sombrias.
Se o medo se espalha
amargo será sempre o poema
VI
O dia deu em chuvoso
na geografia do poema
um sonho foi desfeito
mil povos pratearam.
A terra está sentida de tanto sofrimento.
Mas...
VII
Haverá manhã
e o sol cobrirá
com os seus raios de luz
a rosa dos ventos
(Tessituras da Terra)
(Ilustração: José Carlos Miranda Brito - Cabo Verde)
quinta-feira, 15 de dezembro de 2022
CARTA DE GRATIDÃO AO MESTRE, de Albert Camus
segunda-feira, 12 de dezembro de 2022
FALA DO VELHO DO RESTELO AO ASTRONAUTA, de José Saramago
Aqui, na Terra, a fome continua,
A miséria, o luto, e outra vez a fome.
Acendemos cigarros em fogos de napalme
E dizemos amor sem saber o que seja.
Mas fizemos de ti a prova da riqueza,
E também da pobreza, e da fome outra vez.
E pusemos em ti sei lá bem que desejo
De mais alto que nós, e melhor e mais puro.
No jornal, de olhos tensos, soletramos
As vertigens do espaço e maravilhas:
Oceanos salgados que circundam
Ilhas mortas de sede, onde não chove.
Mas o mundo, astronauta, é boa mesa
Onde come, brincando, só a fome,
Só a fome, astronauta, só a fome,
E são brinquedos as bombas de napalme.
(Ilustração: Cândido Portinari – notícia)
sexta-feira, 9 de dezembro de 2022
CHARLES BAUDELAIRE E OS PARAÍSOS ARTIFICIAIS, de Luciene Félix
quarta-feira, 7 de dezembro de 2022
AMO-TE MUITO, MEU AMOR, E TANTO, Jorge de Sena
Amo-te muito, meu amor, e tanto
que, ao ter-te, amo-te mais, e mais ainda
depois de ter-te, meu amor. Não finda
com o próprio amor o amor do teu encanto.
Que encanto é o teu? Se continua enquanto
sofro a traição dos que, viscosos, prendem,
por uma paz da guerra a que se vendem,
a pura liberdade do meu canto,
um cântico da terra e do seu povo,
nesta invenção da humanidade inteira
que a cada instante há que inventar de novo
tão quase é coisa ou sucessão que passa…
Que encanto é o teu? Deitado à tua beira,
sei que se rasga, eterno, o véu da Graça.
sábado, 3 de dezembro de 2022
MINHA MÃE, OSAMA, de Âsne Seierstad