quinta-feira, 27 de maio de 2021

QUASE UMA TRAGÉDIA GREGA, de Andrea Trompczynski

     


Em uma revista de cinema, o entrevistador perguntou a Cameron Diaz se havia alguma coisa que ela gostaria muito de saber. “O que E=mc² realmente significa”, respondeu ela. O entrevistador riu, ela resmungou que estava falando sério e a entrevista terminou. Nós, leigos, fingimos que entendemos a equação e nem mesmo instruções em primeira mão ajudam, conta Chaim Weizmann, que fez uma longa travessia pelo Atlântico com Einstein em 1921: “Ele me explicava sua teoria todos os dias e logo tive a impressão de que ele a entendia”. Quem preparou o caminho para que Einstein chegasse ao mais brilhante insight (o segundo mais brilhante, por coincidência, é dele também) de muitos séculos, ou, talvez, descobriremos um dia, da história da humanidade?

David Bodanis, em E=mc² – Uma biografia da equação que mudou o mundo e o que ela significa, deixa de lado os foguetes, lanternas e diagramas incríveis e conta a história da equação desde seu nascimento, seus antepassados: homens e mulheres apaixonados por física, química e matemática. Guerras de egos, roubos de ideias e – uma constante – o total desprezo de acadêmicos consagrados pelas ideias originais de amadores. A história toda acaba por se tornar mais prazerosa do que tentar entender os meandros da genial mente de Albert, e o "como funciona" da famosa equação deixo para o dia em que eu verdadeiramente entendê-la.

Einstein não era um aprendiz humilde e exemplar. Questionava a autoridade de professores, contava piadas nas aulas, isto, quando estava presente. Há aquela famosa profecia do seu professor de gramática grega do curso secundário: “O senhor nunca chegará a ser alguém na vida” (anos depois, a irmã de Albert, Maja, comenta ironicamente que ele realmente nunca foi “alguém” mesmo, pois nunca foi mestre em gramática grega). Quando a equação nasceu, Albert cumpria expediente no escritório de patentes em Berna, na Suíça, um emprego arranjado pelo amigo Marcel Grossman – as referências do gênio eram péssimas. As horas trabalhavam contra ele e, quando saía, a única biblioteca de ciências da cidade estava fechada, nem sequer podia se manter em dia com as últimas descobertas (o que foi sua grande sorte, assim como John Forbes Nash Jr., Nobel de Economia, que se manteve longe do pensamento acadêmico tanto quanto do “da moda”, sempre em busca da tal “ideia original”, fato que havia acontecido no passado com Michael Faraday). Em minutos livres, rabiscava nas folhas que guardava em seu departamento de física teórica as ideias que tinha –o “departamento de física teórica” era como ele chamava uma pequena gaveta de sua mesa, fechada a maior parte do tempo.

Numa das longas caminhadas que Albert fazia com o amigo Michele Besso, nas quais normalmente tagarelavam sobre música e a rotina do escritório, na primavera de 1905, Besso percebeu que o amigo estava inquieto. Einstein sentia que muitas coisas em que pensara nos últimos meses estavam finalmente fazendo sentido. Estava muito perto de entender, a excitação mental era enorme naquela noite. No dia seguinte, compreendeu. E=mc² tinha chegado ao mundo.

Michael Faraday vivia na Londres de 1810 e trabalhava como encadernador para fugir da pobreza de filho de ferreiro que era. O emprego tinha uma vantagem, nas palavras dele: “Havia muitos livros lá, e eu os li”. Quando estava com vinte anos, um visitante da oficina ofereceu a ele ingressos para uma série de palestras na Instituição Real. Ouvindo Sir Humphry Davy falando sobre eletricidade e energias estranhas, imaginou uma vida melhor que aquela da oficina. Sem a mais remota possibilidade de entrar em Oxford ou Cambridge, pela pobreza extrema, pensou que poderia usar aquilo que sabia fazer muito bem: encadernar um livro. Redigiu por extenso as notas sobre a palestra de Davy, acrescentou desenhos de seu aparelho de demonstração, pegou seu couro, sovelas e ferramentas de entalhar e os encadernou em um livro extraordinário, que enviou a Sir Humphry Davy. Que, claro, quis conhecê-lo e contratou-o como assistente de laboratório.

Faraday fazia parte de uma seita cristã, os Sandemanistas, que acreditavam em uma relação circular divina. Assim: os seres humanos seriam sagrados e deviam obrigações uns para com os outros, eu ajudarei você e você ajudará o próximo e o próximo ajudará outro ainda, e assim por diante até que se complete o círculo. Seu conhecimento formal era limitado e enquanto os acadêmicos pensavam em linhas retas para explicar a relação entre magnetismo e eletricidade, ele via círculos rodopiando em torno dos ímãs. Foi a descoberta do século, a base do motor elétrico. A unificação da Energia. Quando o fio foi arrastado circulando pelo imã, o cunhado de Faraday, George Barnard, contou que nunca pôde esquecer o olhar dele e suas palavras: “Você vê, você vê, você vê, George?”. Os diferentes tipos de energia estavam vinculados, eletricidade e magnetismo, pela mente de um filho de ferreiro de vinte e nove anos. Então, Sir Humphry Davy o acusou de roubar a ideia em denúncias públicas de plágio, que fizeram Faraday enclausurar-se e somente voltar a trabalhar publicamente depois da morte de Davy.

Antoine Laurent Lavoisier era um contador. Trabalhava numa empresa de arrecadação de impostos. Durante uma ou duas horas pela manhã e apenas um dia inteiro por semana (que ele chamava de jour de bonheur, "dia de felicidade") ele trabalhava em sua ciência. Com a ajuda de sua noiva, ele desejava investigar como se comportava um pedaço de metal a queimar ou enferrujar. Queria descobrir se pesava mais ou menos do que antes. (David Bodanis pergunta antes de dizer o resultado o que você, leitor, acha? Um pedaço de ferro-velho pesará: mais; menos; o mesmo? Estamos tão preocupados com as coisas, aquele relacionamento amoroso fracassado, a velocidade de nossa internet, sapatos, o preço da gasolina ou o abdômen que esquecemos os joguinhos de ciência da infância, foi a minha conclusão ao perceber que eu não sabia). Mediram o ar perdido, o metal mutilado, e sempre, o mesmo resultado. Pesava mais. Descobriu que o oxigênio não havia sido queimado e desaparecido para sempre, havia aderido ao metal a mesma quantidade de peso que o ar havia perdido. Foi uma descoberta do mesmo nível da de Faraday, graças a seus dons contábeis, que logo também o matariam.

Jean-Paul Marat havia inventado um aparelho para exame por infravermelho, apresentou-o a Lavoisier, que o rejeitou e convenceu a Academia a fazer o mesmo. Achava que os padrões de calor não poderiam ser medidos da maneira como o médico estava proclamando que fazia. Marat amargou anos de miséria por culpa desta rejeição. Lavoisier continuava sua carreira, tanto na Academia quanto na arrecadação de impostos e teve a ideia de reconstruir um muro ao redor de Paris – havia existido um semelhante em tempos medievais – para que os cidadãos pagassem um pedágio, resultando numa maior arrecadação. O povo odiava o tal muro. Quando a Revolução Francesa começou, Marat fez questão de denunciar e lembrar e relembrar quem o construiu ao povo inflamado pela revolução, usando seu maravilhoso poder de oratória para isso. Vingou-se com todo o ódio que acumulou do homem que tinha a pele bonita dos saudáveis enquanto ele possuía a tez marcada pelas inúmeras doenças da pobreza. Lavoisier morreu na guilhotina em 1794.

Há tantas histórias mais: de Lise Meitner que teve o estudo da fissão nuclear roubada pelo ex-amante Otto Hahn; Ole Roemer, jovem astrônomo que não conseguiu convencer o orgulhoso mestre Cassini e a Academia de que a luz não era instantânea; Marie Curie que morre de câncer por tanto estudar a radiação; e, até mesmo Albert Einstein que teve a equação brilhante quase totalmente ignorada porque não se ajustava, na época, ao que os outros cientistas estavam fazendo.

Uma história de vaidades humanas e paixões que fez os maiores avanços científicos de nossa época. Úrsula Iguarán em Cem Anos de Solidão, repetia sempre que sentia a qualidade do tempo mudar, envelhecia e via os dias ficarem mais curtos e as crianças crescerem mais rápido. Eu envelheço e vejo que a qualidade das pessoas mudou. Como tinham paixão! Hoje, vê-se que os tais jovens brilhantes querem fazer faculdade e ser alguém. Ah, querem tanto ser alguém! Nossas capacidades contábeis ainda hão de nos matar como a Lavoisier – sem o glamour da guilhotina. Este livro deu-me mais perguntas do que respostas. Quando o terminei, Albert Einstein (que odiava o esnobismo de Princeton e os amigos ouviam-no sempre dizer: “esta vila de semideuses insignificantes em pernas de pau”) pairava acima da humanidade, com aquele olhar de indulgência com a desgraça e beleza da natureza humana que fez-me levantar os olhos do livro com um meio sorriso e pensar: “gênio, gênio...”.

Vila de semideuses insignificantes em pernas de pau.

Gênio, gênio...



(Ilustração:  Gheorghe Virtosu - Albert Einstein -2017)

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