I
Era um tempo de trevas
e de brumas sobre o meu corpo.
Um tempo de pesadas vestes:
uma única janela para o meu rosto.
Um cavalo avassalava
minhas planícies e vales,
me punha bridas e loros,
depois um cinto de castidade.
Eu não falava: minha língua
guardava-se em ostra
e o estro silenciava-se
numa lira que dormia.
Meu amo determinava:
eu só ouvia.
Meu amo vociferava:
eu encolhia.
II
Com a roca e o fuso
e um cesto da mais pura lã,
adestrava meus dedos
para tecer a manhã.
Sozinha no burgo,
(ah! bem longe era o meu Senhor)
embalava no berço
a balada que eu compus.
E meu canto se alçava
e com ele também eu,
enquanto durava a paz
que a guerra me podia dar.
Eu não lia nem soletrava
sobre uma távola redonda;
só adestrava meus dedos
para tecer a manhã.
E num bosque bem fundo,
numa grota dentro de mim,
meu estro se formava
numa lira eólia
que acordava.
E eu enredava no fuso
(horário) outra manhã.
III
Quantos séculos dormiu meu canto?
Quem estrangulou minha garganta
afiada para solar, meu canto?
Era um pássaro mudo
engolindo a cascata
aérea de seu canto.
Um pássaro na gaiola
ferindo as asas —
sonata a debater-se.
Um pássaro preso
a olhar o céu (arquiteto)
e seu aceno de poesia.
(Ínvio Lado)
(Ilustração: Marie Laurencin)
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