subo até o ponto
mais alto do vale
onde a grama e o capim
sabem a ouro
porque o sol oblíquo
deita sobre eles
um lençol de luz
como se é grande
quando se sobe ao ponto
mais alto do vale!
as coisas à vista
os maiores problemas
viram miniaturas
tenho por companhia
um cachorro
um caderno
uma caneta tinteiro
uma câmera fotográfica
o cachorro é dócil
e selvagem
escava o chão
com as patas traseiras
come ervas brutas
que depois expele
em sucessivas golfadas
por que sofrer assim?
na metrópole
alguém me ama
pensa em mim
enquanto penso nela
e escrevo
sem parar
ano passado
um incêndio
devastou o verde
dessa paisagem
mas a natureza
que há na terra
é teimosa
sabe se reinventar
nuvens brancas
por trás de árvores secas chamuscadas
navegam
tangidas pelo vento
estou sentado
sobre um resto
de banco de madeira
que a intempérie e o fogo
destruíram
trago a ruína no estômago
como o cachorro e suas ervas
estou sentado
sobre um banco de areia
de quarenta metros de profundidade
outrora praia de mar
que a força tectônica
ergueu comigo
ao ponto mais alto do vale
além de meus pertences
trago um chapéu de palha
sobre a cabeça
um amor no imo
e um silêncio de brisa
que me atravessa
como uma canção
o cachorro descansa em minha sombra
cachorro sombra sol silêncio abelhas
minha alma pastando
(Ilustração: Cândido Portinari - Brodwski 1934)
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