terça-feira, 14 de abril de 2020

PARA SER LIDO EM ALTA VELOCIDADE, de Carla Kinzo




como quem afugenta um mosquito insistente

porque sabe da reação do corpo à picada

como quem se lembra da panela esquecida no fogo

que pode estar consumindo a casa



como quem se dá conta

passou muito tempo e não alguns dias



como quem se assusta

porque viu seu assassino seu amante

ou alguém talvez esquecido



porque se passou muito tempo

como se fossem alguns dias



como quem vê alguém capaz de rebobinar

o tempo



como quem abana insetos mortais

ou feios demais



como quem sopra o que voa na direção dos olhos

ou como quem se estica

pra pegar um pássaro

raro

ou ainda como a criança que se estica

para pegar não um pássaro

raro

mas uma libélula

banal





como um tigre pronto pro salto

como o atleta pronto pro salto

como o suicida pronto



como o bailarino

na ponta de dois únicos dedos



pronto

para

o

salto



como o olhar de quem cai para o espaço

(o último)

como a lágrima presa numa linha do rosto

(a última)

como quem escreve a linha final



como quem se arrisca no asfalto

como quem apanha de um desconhecido

como quem apanha muito de quem se

conhece muito



como quem empurra da vida

quem não quer que entre nela



como quem puxa o ar

como quem se afoga com o ar

porque não há espaço

como quem pula para alcançar o ar preso

no teto



como quem sufoca moveu

bruscamente uma mão

para reter se não a vida

mas o instante ali na beira

da porta de saída



(Cinematógrafo)




(Ilustração: Juarez Machado)

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