domingo, 5 de abril de 2020
PREPARAÇÃO PARA A PRIMEIRA COMUNHÃO, de Alfredo Bryce Echenique
O Padre Brown lhes falou, metade em inglês, metade em péssimo espanhol, e saiu deixando-os todos como que santificados, sem considerar que o pobre Sánches Concha estava aterrorizado com aquele assunto de inferno porque acabava de roubar um bloco do Del Castilho. Os outros, em compensação, esperavam que Deus lhes aparecesse a qualquer momento, ainda que à noite fosse bem mais provável, enquanto rezavam ajoelhados junto à cama e no escuro. Esperavam-no, e até pensavam que seria muito bacana que aparecesse a mim e não aos Arena, por exemplo. Era a primeira vez que os deixavam um instante sozinhos na sala de aula, e apesar disso não faziam barulho. Permaneceram bem místicos. Por fim apareceu a Madre Cenoura, um pouco surpreendida porque não tinha a quem repreender: estavam todos muito quietinhos e com as mãos juntas sobre a carteira. Assim os deixava, todos os anos, o Padre Brown, quando vinha prepará-los para a primeira comunhão. A Madre Cenoura pôs a sineta sobre a mesa e aproximou-se deles: “Agora precisam estudar muito bem o catecismo; precisam saber de cor tudo o que está dito nele não esquecê-lo nunca mais na vida; aquele que se esquece do catecismo estará sempre em perigo de pecar! Não o esqueçam! Não o esqueçam nunca! Nunca jamais!” Já estava ficando zangada, sozinha, sem que ninguém dissesse nada. “Então vamos ver, quando chegar esse dia, esse grande dia de paz e alegria, se vão se comportar como devem ou errar como os tolos. Para isso vamos praticar diariamente; primeiro aqui, no colégio, e quando se aproxime o dia, iremos à igreja, para que se acostumem e para que cada um saiba qual será o seu lugar. E lá estarão em ordem de tamanho! Não se esqueçam! E não quero ver ninguém mastigando a hóstia! A hóstia não se mastiga! Engole-se suavemente! Com os olhos fechados! Sem olhar a quem está do lado! Ai daquele que eu surpreender olhando para o lado! Entenderam? Entenderam?” Todos lhe disseram que sim, e começaram a morrer de medo pensando que poderiam se engasgar. Praticariam em casa, com uma bolachinha, com qualquer coisa.
O Padre Brown vinha três vezes por semana para prepara-los; vinha de tarde e ficava uma hora ou mais, se fosse necessário, falando-lhes de profunda transformação que ocorreria em suas vidas. Tranquilizou-os um pouco quando disse que Deus perdoava sempre, bastava ter o firme propósito de se emendar, a firme intenção de não voltar a pecar. Em primeiro lugar, deviam evitar os maus pensamentos e amar a Deus sobre todas as coisas, mas também a todo o mundo porque todos eram irmãos, os pobres também, as crianças das missões na selva do Peru e do Brasil e na África e na Ásia: todos eram irmãos e Deus os amava a todos da mesma maneira. Aprenderam os dez mandamentos, sem entender muito bem alguns que o padre preferia não explicar por enquanto; primeiro, aprendê-los bem de cor, depois se veria, a vida iria ensinando quem é a mulher do próximo e aquele negócio de fornicar, que mantinha vários deles bem preocupados. Não que fosse uma preocupação precoce, talvez não era senão semântica, mas em todo caso de los Heros, olhou para Lastres bastante espantado. Algumas semanas mais tarde, começaram a leva-los ao maior salão do colégio. Tinham colocado aí um banco e eles se aproximavam, um por um, ajoelhavam-se e o Padre Brown dava neles uma palmadinha e fazia um sinal para que se fossem e viesse o próximo. Logo voltavam e o padre tocava em suas bocas, assim seria quando lhes desse a hóstia. Mas de um modo mais sério, mais grave, porque nesse dia receberiam a Deus na hóstia consagrada. Várias vezes praticaram, satisfeitos porque perdiam as aulas com a Madre Cenoura. Ademais, terminado o dia escolar, siando ao pátio, brincavam de batismo e crisma e se davam grandes murros. E por essas andavam, uma tarde, quando de repente apareceu a Madre Cenoura e descobriu o que eles faziam (todos os anos descobria o que faziam). Ficou como louca, não parava de gritar com eles, ameaçou-os de pegá-los a bofetadas se continuavam pecando dessa maneira.
Afinal um dia os confessaram. Morriam de medo, tremiam quando chegava sua vez. Traziam a lista de pecados bem aprendidos e não faltou quem os havia numerado, temendo esquecer-se de algum e depois, como é que fazia? Assumiram propósitos de emenda decididos, definitivos; ninguém voltaria a chamar de caboclo burro o mordomo de sua casa; ninguém nunca mais voltaria a bater na irmã o a afanar uma lapiseira; ninguém voltaria a desejar que o San Martín, o cê-dê-efe da turma, adoecesse ou errasse em alguma lição; ninguém voltaria a desejar que a Madre Cenoura regressasse aos Estados Unidos ou escorregasse nas escadas e eles pudessem ver seus calções; ninguém deixaria comida no prato porque na serra há criancinhas morrendo de fome e frio. O Padre Brown dava-lhes a absolvição, um por um, e eles se retiravam espantados, evitando ao máximo os maus pensamentos e caminhando como mulherzinhas.
Nunca estiveram tão obedientes, tão estudiosos, não faltavam senão quatro dias para o grande dia. Levaram-nos duas vezes à igreja do Parque Central de Miraflores, e ali fizessem as práticas definitivas. Até a Madre Cenoura se transformara. Parecia que ela também ia fazer a primeira comunhão, porque os tratava muito bem e não se zangava nem nada. Quase nem lhes mandava fazer deveres. A única coisa ruim era que os do segundo e do terceiro já tinha feito a primeira comunhão e a todo momento aproximavam-se deles para chateá-los. Riam-se deles e às vezes estavam a ponto de fazê-los cair em maus pensamentos, em tentação ou até de enraivecê-los. Mas eles não se irritavam nunca, nunca respondiam, continuavam bem firmes em seu propósito de emenda. Chegariam como anjos, como os anjos que não se rebelaram, e fariam sua primeira comunhão e depois ficariam beatíssimos e comungariam em todas as primeiras sextas-feiras do mês, nos domingos também, por que não? Cada um evitava o pecado como podia, nem sempre era fácil, precisava ser muito esperto para consegui-lo. Susan riu muito quando Julius lhe contou o que tinha acontecido uma tarde, três dias antes do dia solene. Subiu para lhe dar bom dia, como sempre, e pedir uma vez mais que Juan Lucas assistisse à cerimônia; ele, de sua parte, já tinha aceitado que Juan Lastarria fosse o seu padrinho de crisma (dizer o que pensava dos Lastarria teria sido pecado). Susan achou-o muito consternado e lhe pediu que contasse o que estava acontecendo. Julius, primeiro, reagiu um pouco, mas depois não aguentou e contou tudo. Acontece que o Aliaga, um grandão do segundo ano, lhe fizera uma falta, empurrara-o no exato momento em que ele ia meter um gol à frente de Morales; e ainda mais, depois o chamou de mariquinhas. Ele chorou lágrimas de raiva, mas o que podia fazer, se batia nele era pecado. “Pobre Julius, interveio Susan, improvisando um tom de voz muito preocupado; e que foi que você fez?” – “Nada; eu disse que não podia bater nele porque vou fazer a primeira comunhão, então chamei o Bosco, que é meu amigo e está no terceiro, e ele lhe deu uma sova.”
(Um mundo para Julius; tradução de Remy Gorga, filho)
(Ilustração: Stu Mead - kommunion)
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