domingo, 14 de janeiro de 2018

MAGDALENA, de Aline Miranda







Magdalena

tinha mirada forte

um olhar de contorno brilhante

delineado

esverdeado

que me penetrava.

Precisava forçar-me séria

para o sorriso não soltar-se

a trair-me.

Mas atrás do copo de cerveja

ela me olhava

(não havia mais ninguém a não

ser os homens velhos

que ainda restavam no bar

oferecendo-nos bebidas).

Ela chamava atenção

acentuada com um lenço

na cabeça

nenhum fio se rebelando

e o rosto forte

imponente.

Não havia nada na mesa

a não ser a cerveja.

Nenhuma distração.

Na rua parou um carro

de polícia

piscava luzes


—  Você parece boate,

ela disse.

E olhava fixo.

Eu,

que me achava tão segura

me via ali,

aberta, vulnerável.

Onde estariam meus anticorpos

que não trabalhavam?

Para de me olhar assim,

eu dizia,

tapando-lhe levemente

os olhos

em brincadeira.

Ela sorria.

Eu a tocara.

(Em verdade já antes:

cheguei de táxi, chovia

eu molhada

ela me esperava

percebi-a de longe

 —  míope guarda trejeitos 
— 

atravessamos a rua em seu guarda-chuva

seu braço longo abraçava meus ombros

ela tocara-me.

tremia.)

Jamais lembrarei as palavras ditas

saídas como vômito

de algodão-doce

sem filtro

feito flechas

tentando cegar aqueles olhos de capitu

que me petrificavam

e me botavam a falar

como doida

ou criança com sono,

quizás.

Fechou-se o bar.

E aquela rua tão movimentada

de dia!

Parecia viagem

parecia outra cidade.

Sempre gostei do frescor e silêncio

da noite.

As ruas com poças

ainda da chuva.

Sombras coloridas nos olhos

um homem passa

um carro passa

um rato passa

não há ninguém além da noite

já começo de amanhã.





(Ilustração: Odette Dalpé - guarda-chuva vermelho)



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