Magdalena
tinha mirada forte
um olhar de contorno brilhante
delineado
esverdeado
que me penetrava.
Precisava forçar-me séria
para o sorriso não soltar-se
a trair-me.
Mas atrás do copo de cerveja
ela me olhava
(não havia mais ninguém a não
ser os homens velhos
que ainda restavam no bar
oferecendo-nos bebidas).
Ela chamava atenção
acentuada com um lenço
na cabeça
nenhum fio se rebelando
e o rosto forte
imponente.
Não havia nada na mesa
a não ser a cerveja.
Nenhuma distração.
Na rua parou um carro
de polícia
piscava luzes
— Você parece boate,
ela disse.
E olhava fixo.
Eu,
que me achava tão segura
me via ali,
aberta, vulnerável.
Onde estariam meus anticorpos
que não trabalhavam?
Para de me olhar assim,
eu dizia,
tapando-lhe levemente
os olhos
em brincadeira.
Ela sorria.
Eu a tocara.
(Em verdade já antes:
cheguei de táxi, chovia
eu molhada
ela me esperava
percebi-a de longe
— míope guarda trejeitos —
atravessamos a rua em seu guarda-chuva
seu braço longo abraçava meus ombros
ela tocara-me.
tremia.)
Jamais lembrarei as palavras ditas
saídas como vômito
de algodão-doce
sem filtro
feito flechas
tentando cegar aqueles olhos de capitu
que me petrificavam
e me botavam a falar
como doida
ou criança com sono,
quizás.
Fechou-se o bar.
E aquela rua tão movimentada
de dia!
Parecia viagem
parecia outra cidade.
Sempre gostei do frescor e silêncio
da noite.
As ruas com poças
ainda da chuva.
Sombras coloridas nos olhos
um homem passa
um carro passa
um rato passa
não há ninguém além da noite
já começo de amanhã.
(Ilustração: Odette Dalpé - guarda-chuva vermelho)
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