sábado, 26 de julho de 2014

UMA NOITE, de Afonso Henriques Neto










o tio cuspia pardais de cinco em cinco minutos.

esta grama de lágrimas forrando a alma inteira

(conforme se diz da jaula de nervos)

recebe os macios passos de toda a família

na casa evaporada




mais os vazios passos

de ela própria menina.




a avó puxava linhas de cor de dentro dos olhos.

uma gritaria de primos e bruxas escalava o vento

escalpelava a tempestade

pedaços de romã podre

no bolor e charco do tanque.




o pai conduzia a festa

como um barqueiro

puxando peixes mortos




nós

os irmãos

jogávamos no fogo

dentaduras pétalas tranças

fotografias cuspes aniversários

e sempre

uma canção

só cal e ossos

a mãe de nuvem parindo orquídeas no cimento.






(Ilustração: Cícero Dias)



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