quarta-feira, 2 de julho de 2014

GATO NUM APARTAMENTO VAZIO, de Wislawa Szymborska








Morrer não é coisa que se faça a um gato.

Que há-de um gato fazer

num apartamento vazio?

Subir às paredes?

Roçar-se nos móveis?

Aparentemente não mudou nada

e no entanto está tudo mudado.

Continua tudo no seu lugar

e no entanto está tudo fora do sítio.

E à noite a lâmpada já não está acesa.

Ouvem-se passos nas escadas,

mas não são os mesmos.

A mão que põe o peixe no prato

também já não é a que o punha.

Há aqui qualquer coisa que já não começa

à hora do costume,

qualquer coisa que não se passa

como deveria passar-se.

Havia aqui alguém que há muito estava e estava

e que de repente desapareceu

e agora insistentemente não está.

Procurou-se em todos os armários,

revistaram-se as estantes,

espreitou-se para debaixo do tapete.

Violou-se até a proibição

de desarrumar os papéis.

Que mais se pode fazer?

Dormir e esperar.

Quando regressar, ele vai ver,

ele vai ver quando chegar.

Vai ficar a saber

que isto não é coisa que se faça a um gato.

Caminhar-se-á em direcção a ele

como que contrariado,

devagarinho,

com patas amuadas.

E nada de saltos ou mios. Pelo menos ao princípio.





(Tradução de Manuel António Pina)




(Ilustração: Saturno Buttò)






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