terça-feira, 29 de julho de 2014
A POLÔNIA TRAÍDA, de Max Hastings
Os franceses não estavam dispostos a lançar uma grande ofensiva contra a linha Siegfried, como insistia Winston Churchill, menos ainda a provocar uma retaliação bombardeando a Alemanha. O governo britânico, da mesma forma, negou-se a ordenar que a RAF atacasse alvos terrestres alemães. Um membro conservador do Parlamento, Leo Amery, escreveu desdenhosamente sobre o primeiro-ministro Neville Chamberlain: "Por abominar a guerra com paixão, ele estava decidido a promovê-la o mínimo possível." O Times publicava editoriais que, para os leitores poloneses, pareciam zombar de sua aflição: "Na agonia de sua terra martirizada, talvez seja de alguma forma um consolo para os poloneses saber que contam com a simpatia, e mesmo com a reverência, não apenas de seus aliados na Europa Ocidental, mas de todos os povos civilizados do mundo."
Algumas vezes, argumenta-se que em em meados de setembro de 1939, com a maior parte do exército alemão concentrada na Polônia, os Aliados tiveram uma oportunidade ideal para lançar uma ofensiva na Frente Ocidental. Mas a França estava ainda menos preparada psicológica do que militarmente para uma iniciativa dessa natureza, e a pequena força expedicionária da Grã-Bretanha, ainda em trânsito para o continente, pouco poderia contribuir. Os alemães provavelmente teriam repelido qualquer ataque sem grande prejuízo para suas operações no leste, e a inércia dos governos francês e britânico refletia o estado de espírito de seus cidadãos. Uma secretária de Glasgow, chamada Pam Ashford, escreveu em seu diário, em 7 de setembro: "Praticamente todos acham que a guerra acabará em três meses (...) Muitos sustentam que, quando a Polônia for esmagada, não haverá muito sentido em continuar."
Os poloneses deveriam ter previsto a passividade de seus aliados, mas seu cinismo era inacreditável. Um historiador moderno, Andrzej Suchcitz, escreveu: "O governo polonês e as autoridades militares foram enganados e traídos pelos Aliados Ocidentais. Não havia intenção de dar à Polônia qualquer apoio militar efetivo." Enquanto Varsóvia encarava sua ruína, Stefan Starzynski declarava, numa transmissão radiofônica: "O destino nos confiou a obrigação de defender a honra da Polônia." Um poeta polonês louvaria a atitude desafiadora do prefeito em termos sentimentais:
E ele, quando a cidade era apenas uma massa crua e vermelha,
Disse: "Não me entrego." Que as casas queimem!
Que minhas orgulhosas realizações virem pó sob os bombardeios.
E que importa que um túmulo surja dos meus sonhos?
Para você, que um dia talvez venha aqui, lembrar
Que algumas coisas são mais preciosas do que o mais belo muro da cidade.
No fim da terceira semana de campanha, a resistência polonesa foi superada. A capital só não foi ocupada porque os alemães queriam destruí-la antes de reivindicarem as ruínas; hora após hora, dia após dia, o bombardeio impiedoso continuava. Uma enfermeira, Jadwiga Sosnkowska, descreveu cenas em seu hospital, nos arredores de Varsóvia, em 25 de setembro:
A procissão de feridos vindos da cidade era uma infindável marcha da morte. As luzes se apagaram, e todos nós, médicos e enfermeiras, tivemos de andar com velas nas mãos. Como a sala de operação e o posto de primeiros socorros tinham sido destruídos, o trabalho era feito nas salas de aula, em mesas comuns, que tiveram de ser limpos com álcool (...) Enquanto seres humanos arrasados eram estirados na mesa, o cirurgião tentava inutilmente salvar as vidas que lhe escorregavam pelas mãos (...) Era uma tragédia após a outra. Em um desses casos, a vítima era uma menina de dezesseis anos. Tinha cabelos dourados lindíssimos, o rosto delicado como uma flor, e seus lindos olhos azuis, cor de safira, estavam cheios de lágrimas. As duas pernas, até os joelhos, foram reduzidas a uma massa sangrenta, onde era impossível distinguir osso e carne; ambas tiveram de ser amputadas acima dos joelhos. Antes que o cirurgião começasse, debrucei-me sobre aquela menina inocente para beijar a testa pálida, passar as mãos impotentes em seus cabelos dourados. Ela morreu, serena, no decorrer da manhã, como uma flor arrancada por mão impiedosa.
Soldados profissionais raramente podem ceder ao sentimentalismo quando falam sobre os horrores da guerra, mas a posteridade deve repudiar a satisfação dos generais da Alemanha em relação ao caráter de seu líder nacional e à aventura assassina em que se tornaram cúmplices. Erich van Manstein é considerado por muitos como o melhor general alemão na guerra; posteriormente, ele se orgulhava ao alegar ter feito sua parte como oficial e cavalheiro. No entanto, seus escritos durante a campanha polonesa e depois dela revelam a insensibilidade característica de sua casta. Ele deleitou-se com a invasão: "É uma grande decisão do Führer, tendo em vista a atitude das potências ocidentais até agora. Sua proposta para resolver a questão polonesa foi tão cortês que a Inglaterra e a França - se realmente quisessem a paz - deveriam ter obrigado a Polônia a aceitar." Pouco após o início da campanha, Manstein visitou um grande-comando que liderara anteriormente: "Foi emocionante ver a equipe tão feliz quando apareci de repente (...) Cranz [seu sucessor] me disse que era um prazer comandar uma divisão tão bem treinada na guerra."
Em carta à sua mulher, Manstein descreveu sua rotina pessoal durante a campanha, em que servia como chefe do estado-maior do Rundstedt no Grupo de Exércitos do Sul: "Acordo às 6h30, mergulho na água [para nadar], no gabinete às 7 horas. Relatórios matinais, café, depois trabalho ou viagens com R[unsdstedt]. Ao meio-dia, cozinhas de campanha aqui. Depois, uma pausa de meia hora. À noite, depois do jantar junto com oficiais do estado-maior, como no almoço, os relatórios da noite chegam. E assim continua até 23h30." É flagrante o contraste entre a serenidade do quartel-general do exército e a vasta tragédia humana que suas operações haviam desencadeado. Manstein assinou uma ordem para que as forças alemães que cercavam Varsóvia atirassem contra quaisquer refugiados que tentassem fugir: considerava-se que seria mais fácil forçar um desfecho da campanha e evitar uma batalha nas ruas se os habitantes não pudessem escapar do bombardeio da capital. No entanto, ele era um homem tão melindroso que às vezes deixava a sala onde Rundstedt estava por repulsa à linguagem obscena do chefe. Em 25 de setembro, ele se deleitou com uma visita congratulatória de Hitler, escrevendo para a mulher: "Foi bom ver como os soldados se alegram, em toda parte, quanto o Führer passa num carro." Em 1939, o corpo de oficiais da Wehrmacht já demonstrava a falência moral que caracterizaria sua conduta até 1945.
Um oficial da cavalaria polonesa, Klemens Rudnick, descreveu os apuros de seu regimento e de suas amadas montarias em Varsóvia, em 27 de setembro, a última noite antes que a cidade se rendesse: "Chamas vermelhas, vivas, iluminavam nossos cavalos, que estavam quietos, imóveis, perto dos muros do parque Lazienki, como esqueletos selados. Alguns estavam mortos; outros sangravam, expondo ferimentos enormes. Cenzor, o cavalo de Kowalski, ainda estava vivo, mas jazia com as tripas para fora. Não fazia muito tempo havia conquistado a Copa Desafio do exército, em Tarnopol. Fora nosso orgulho. Um tiro no ouvido acabou com seu sofrimento. No dia seguinte, provavelmente, alguém que precisasse aliviar a fome cortaria um pedaço de seu lombo."
Varsóvia capitulou em 28 de setembro. O pequeno capitão Krysk, do terceiro esquadrão de Rudnicki, declarou, emocionado, que rejeitava a ordem de rendição: "Pela manhã, atacaremos os alemães para preservar a tradição, de que o 9º [Regimento] de Lanceiros jamais se rende." Rudnicki o dissuadiu; juntos, os oficiais esconderam os estandartes do regimento na igreja de Santo Antônio, na rua Senatorska, o único prédio ainda intacto entre hectares de entulho. Rudnick refletiu, com pesar, que o exército polonês deveria ter se posicionado em profundidade para uma ação defensiva mais demorada, em vez de se desdobrar em uma fraca linha de vanguarda que certamente seria rompida. Isso, porém, estaria "em desacordo com nossa aspiração natural - e com nossas tradições militares e esperanças de nos tornarmos uma grande potência."
Em 29 de setembro, o exército Modlin, ao norte de Varsóvia, rendeu-se aos alemães, que tomaram trinta mil prisioneiros. A resistência organizada diminuiu gradualmente; a península de Hel caiu em 1º de outubro; o último confronto registrado ocorreu em Kock, ao norte de Lublin, no dia 5. Centenas de milhares de homens caíram nas mãos dos alemães, enquanto muitos outros faziam o possível para fugir. O jovem piloto B. J. Solak emocionou-se ao encontrar um coronel-aviador sentado debaixo de uma árvore, com lágrimas escorrendo pelo rosto. Feliks Lachman foi um dos poloneses cujos pensamentos se voltaram para a leitura recente de E o vento levou. Fugindo de casa, pensou: "Por mais arrasada que estivesse a propriedade Tara, Scarlet O'Hara atravessou o fogo e a água para chegar ao lugar a que ela sabia pertencer. Nós tínhamos deixado, de uma vez e para sempre, homens e coisas que formavam o ambiente social, intelectual e emocional de nossas vidas. Andávamos no vácuo, a esmo." Depois de um ataque aéreo na cidade de Krzemieniec, Adam Kruczkiewcz viu, na rua, um velho judeu numa crise de histeria "em cima do corpo da mulher (...) proferindo uma enfiada de xingamentos e blasfêmias e gritando: "Não existe Deus! Hitler e as bombas são os únicos deuses! Não existe graça ou piedade no mundo!"
(Inferno - o mundo em guerra 1939 - 1945; tradução de Berilo Vargas)
(Ilustração: Dürer - os quatro cavaleiros do apocalipse)
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