quinta-feira, 8 de agosto de 2013
PORCALOCA, de Carlo Manzoni
"Desculpe, foi o senhor que telefonou
para que eu viesse amputar a sua perna?"
"Eu? O que é isso? Nem sonhando!"
"Mas o senhor se chama Dante del
Torro, não é? Faz meia-hora, um fulano me telefonou para que viesse alguém que
lhe cortasse uma perna."
"Eu não telefonei. Deve ser outro
Dante del Torro."
"Não, não... O endereço que me deram
foi este. E neste endereço só há um Dante del Torro, que é o senhor. Um parente
seu deve ter telefonado."
"Impossível. Hortênsia, por acaso você
telefonou para que viessem cortar a minha perna?"
"Eu, não. Telefonei para o mercadinho
pedindo que mandasse marmelada."
"Aí está, viu? Se o senhor tiver um
doce de marmelada..."
"Como posso ter um doce de marmelada?
Eu trouxe uma serra, pois quem me telefonou me pediu que trouxesse a serra, uma
vez que na casa não existia uma serra."
"Engana-se. Eu tenho uma serra."
"Mas é evidente que a sua não deve
servir para cortar uma perna."
"Como não? É igual a sua."
"Mas se é igual a minha, por que me
levaram ao incômodo de trazer outra serra?"
"Ó Dante, deixa de discussão, homem de
Deus. Deixa logo cortar esta maldita perna, mande-o embora e acabe logo com
isso."
"Desculpa, Hortênsia, mas por que
haverei eu de mandar cortar a minha perna
quando não fui eu que telefonei? Tenho ou
não tenho razão?"
"O senhor tem razão. Mas o que é que
eu faço agora? Alguém telefona, eu compro uma serra nova, gasto meu dinheiro,
venho até aqui e acabo perdendo o meu dia a troco de nada. O senhor também
deve me compreender..."
"Bem, com boa vontade sempre se pode
encontrar uma maneira de se chegar a um acordo. Tampouco ele, coitado, tem
culpa. Escuta, Dante, você devia de algum modo concordar com ele. Por que não
deixa que ele ampute um dedo seu?"
"Êpa! Péra lá!, minha senhora: um dedo
não é o suficiente!"
"Antes isso de que nada. Compreenda: é
apenas para agradá-lo, porque eu poderia mandá-lo embora de mãos abanando,
mesmo porque não fui eu quem o chamou."
"Bem, nesse caso, dois dedos."
"Ou um ou nada."
"Está bem, como quiser. Mas nesse caso,
precisa que seja um polegar."
"Vá lá, vá lá... Que seja o polegar,
já que me coloca nesta posição, está bem? E que seja esta a última vez, ouviu? Da
próxima vez me telefone de volta para confirmar a chamada... Se o senhor não
fosse um cara tão simpático... Pode... Ai!... porc... ahhh... vá aos poucos,
isso, aos pouquinhos... Uuuuh!"
(Ilustração: Dino Valls)
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